sexta-feira, 23 de abril de 2010

Extinta a Causa, extingue-se a Ordem?


A suposta oferta de € 200 mil a José Sá Fernandes, vereador da Câmara de Lisboa, para desistir de um processo em tribunal contra a Bragaparques não pode ser classificada como corrupção. O visado pelo alegado suborno diz-se “desiludido” com a justiça. Acusado inicialmente de corrupção activa para acto ilícito, crime punível com prisão até cinco anos, Domingos Névoa foi condenado, em primeira instância, a multa de € 5 000, por corrupção activa para acto lícito - com pena, no máximo, de 6 meses de cadeia. Agora, por decisão dos juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, o empresário da área da construção civil nem a multa vai pagar: sai completamente absolvido. “Os actos que o arguido [Domingos Névoa] queria que o assistente [José Sá Fernandes] praticasse, oferecendo 200 mil euros, não integravam a esfera de competências legais nem poderes de facto do cargo do assistente”, argumentaram os magistrados, que deram provimento ao recurso da defesa de Névoa e recusaram dar razão ao Ministério Público, que pretendia um agravamento da pena.
A decisão do tribunal superior assenta no pressuposto de que Domingos Névoa terá oferecido a José Sá Fernandes, por intermédio do irmão advogado, Ricardo Sá Fernandes, 200 mil euros em troca de dois actos: desistir de uma acção popular no Tribunal Administrativo de Lisboa que travou o negócio com a Câmara de Lisboa de permuta de terrenos com o Parque Mayer; e fazer uma declaração pública, na Câmara, a atestar a legalidade do negócio. Neste enquadramento, os magistrados concordam que não estava em causa um pedido de desvio das funções de José Sá Fernandes enquanto vereador, uma vez que a acção em tribunal foi apresentada em tribunal na qualidade de cidadão e num momento em que ainda não era vereador da oposição. Por outro lado, a prestação de declarações públicas também não faz parte das incumbências legais de um vereador, faltando, portanto, a prática de actos contrários ao dever do cargo - requisito do crime de corrupção, ainda que para acto lícito.
“Sinto uma desilusão absoluta na justiça. Os factos são verdade, mas não é crime. Eu poderia ter aceite os 200 mil euros que não estava a ser criminoso. Não aceitei, não aceito, nem nunca aceitarei mudar as minhas convicções a troco de dinheiro”, disse José Sá Fernandes.
O advogado Ricardo Sá Fernandes afirmou, a propósito, que a absolvição do empresário Domingos Névoa é um sinal de que "não vale a pena combater a corrupção" e reiterou que há sectores da magistratura "complacentes com a corrupção".
Em reacção a estas declarações o Presidente do Sindicato da Associação de Juízes Portugueses, o desembargador António Martins, veio hoje dizer que o Estado deveria equacionar a extinção da Ordem dos Advogados. "O que temos aqui, além das ofensas aos juízes, em concreto, uma outra coisa que é o desafio da autoridade do estado e, consequentemente, o Estado tem que equacionar uma questão que é o de extinguir a Ordem dos Advogados porque a Ordem não consegue fazer a auto-regulação das regras éticas e deontológicas dos advogados e criar um órgão que consiga estabelecer sanções para as violações deontológicas dos advogados", disse.
Em resposta a estas declarações o Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto contrapôs "Lamento que ninguém na magistratura tenha avisado o senhor desembargador António Martins do 25 de Abril. Aconteceu o 25 de Abril em Portugal e, infelizmente, ninguém o avisou", começou por referir Marinho e Pinto. O Bastonário considerou ainda que AM "é um personagem em que parece o protagonista da versão portuguesa do filme ‘Adeus Lenine'", considerando que " as decisões dos poderes soberanos são passíveis de critica, incluindo as dos juízes, incluindo a do Presidente da República, incluindo as do Governo, incluindo as da Assembleia da República". MP não arrefeceu nas críticas ao Presidente do Sindicato da Associação de Juízes Portugueses que acusou de querer impor a lei da rolha a quem critica decisões dos Tribunais. "O Sr. Dr. António Martins, que tanto critica os outros órgãos de soberania, quer impor a lei da rolha a quem ousar criticar as decisões dos Tribunais. Ele não é desta época, não é desta sociedade e isso é um problema grave dos juízes, é a sua incapacidade de se democratizar e de democratizar o poder judicial, de se adaptarem à democracia, aos valores de um Estado de direito e às regras da convivência", concluiu.
A Ordem dos Advogados “deve ser extinta” se continuar a permitir a violação dos estatutos pelos próprios advogados, defende o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. AM reage às críticas do advogado Ricardo Sá Fernandes ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que absolveu Domingos Névoa, no caso Bragaparques. O presidente da Associação de Juízes diz que a Ordem dos Advogados “não está a cumprir as suas funções” e que o Estado deve pensar numa alternativa aquela instituição. “É inaceitável e inadmissível que a Ordem [dos Advogados] pactue com este tipo de procedimentos e os alimente e, consequentemente, é caso de pensar na extinção da Ordem dos Advogados por incumprimento das suas obrigações estatutárias”, defende AM. “O que eu defendo é que a Ordem não está a cumprir as suas funções e uma instituição que não cumpre as obrigações que o Estado lhe atribuiu e, pelo contrário, está a querer desautorizar o Estado, é evidente que não tem condições para cumprir as suas atribuições e deve ser extinta”, sublinha.