Na Academia de Estudos Laicos e Republicanos, a expressão "Lusofonia" tem ganho alento. Não domino as questões ligadas ao tema com a habilidade de muitos dos academistas. Aprendi a aderir às suas causas, e fiz delas a minha causa também. Importa conceber a Lusofonia como um espaço, radicado no fenómeno colonial, que assenta no uso da língua do ex-colonizador como cimento aglutinador das antigas colónias. Decantar a História de episódios de força e opressão, transformando em amigos ex-inimigos, substituir a violência pretérita pelo diálogo e suprir a antiga exploração pela moderna cooperação: eis, sumariamente, o objectivo da Lusofonia. A hegemonia portuguesa no Índico e no Pacífico durou perto 100 anos e só sofreu abalo com a chegada em força dos Holandeses àqueles mares. A transferência de domínios entre países europeus – de Portugal católico para a Holanda protestante - constituiu o pano de fundo em que emergiram as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente. A substituição da dominação portuguesa pela holandesa fez com que as comunidades mestiças formatassem a sua identidade própria em dois pilares principais: a religião católica e a língua crioula. A religião católica veio ora de Portugal ora através de Goa – a Roma do Oriente. A sua língua crioula era a língua portuguesa. Holandeses, ingleses, dinamarqueses e franceses mantiveram uma “língoa” [intérprete] a bordo para facilitar a comercialização nos portos do Oriente, na língua falada por estas comunidades. A forte identidade destas cristandades crioulas cimentou-se na adversidade. O conflito religioso nascido na Europa, entre católicos e protestantes, ramificou-se por estas paragens onde o poderio holandês se firmou. A profanação e a destruição de igrejas e mosteiros, a expulsão dos padres, a proibição de qualquer acto de culto católico, as deportações maciças, a redução de muitos à condição de escravos, compeliram os membros dessas cristandades à clandestinidade e à emigração: Macau, Índia, Insulíndia, Sião e Indochina foram os destinos principais. Escondidos em suas casas ou refugiados nas florestas, os seus membros, sem padres e sem igrejas, organizaram-se em irmandades clandestinas que, ao fim de décadas, produziram fenómenos de cristalização cultural, de natureza religiosa - e linguística – que impediriam, por séculos, a sua plena integração nas paróquias católicas criadas posteriormente. Tais irmandades permanecem até hoje e conservam algumas prerrogativas que limitam a autoridade dos párocos, o que é visível em algumas celebrações onde os padres se limitam à Eucaristia e à Confissão dos fiéis porque, em tudo o mais, quem manda é a Irmandade.
À medida que a dominação holandesa foi substituída pela inglesa, as Comunidades Crioulas Lusófonas do Oriente foram ficando menos oprimidas e, em alguns casos, foram as próprias autoridades coloniais britânicas a tomar a iniciativa de lhes facultar padres portugueses. Perdida a confiança que a Santa Sé depositara, desde o século XV, em Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal, após o corte das relações diplomáticas por iniciativa do Governo liberal em 1833 e a extinção das ordens religiosas por decreto de 31 de Maio de 1834, o Padroado Português do Oriente sofreu um golpe mortal. Na Índia, no Ceilão - hoje Sri-Lanka -, no Sudeste Asiático, na China e na Oceania. Permanecendo - os que podiam - nas suas missões, os missionários do Padroado não seriam substituídos pelos seus confrades. O clero secular de Goa, numeroso e bem preparado, acorria em seu socorro, mas em vão. Os missionários da Propaganda Fidae e das Missions Étrangères de Paris já as ocupavam e os respectivos vigários apostólicos impediam-lhes o exercício do seu múnus. A expansão missionária francesa no Oriente começara no século XVII.
À medida que a dominação holandesa foi substituída pela inglesa, as Comunidades Crioulas Lusófonas do Oriente foram ficando menos oprimidas e, em alguns casos, foram as próprias autoridades coloniais britânicas a tomar a iniciativa de lhes facultar padres portugueses. Perdida a confiança que a Santa Sé depositara, desde o século XV, em Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal, após o corte das relações diplomáticas por iniciativa do Governo liberal em 1833 e a extinção das ordens religiosas por decreto de 31 de Maio de 1834, o Padroado Português do Oriente sofreu um golpe mortal. Na Índia, no Ceilão - hoje Sri-Lanka -, no Sudeste Asiático, na China e na Oceania. Permanecendo - os que podiam - nas suas missões, os missionários do Padroado não seriam substituídos pelos seus confrades. O clero secular de Goa, numeroso e bem preparado, acorria em seu socorro, mas em vão. Os missionários da Propaganda Fidae e das Missions Étrangères de Paris já as ocupavam e os respectivos vigários apostólicos impediam-lhes o exercício do seu múnus. A expansão missionária francesa no Oriente começara no século XVII.
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, gente simples e temente a Deus, mantidas na ignorância dos conflitos entre Portugal e a Santa Sé, lutaram anos a fio contra as novas autoridades eclesiásticas com quem conflituavam abertamente e que consideravam estrangeiras. Durante décadas pagaram o elevado preço de lhes serem recusados os sacramentos a que só esporadicamente tinham acesso quando aportava um navio com um sacerdote, ainda que espanhol. Esperaram pelo envio de clero. De Portugal, de Goa ou de Macau. De nada lhes serviu.
Como refere o Arcebispo Emérito de Mandalay, na Birmânia, U Than Aung, quem nunca recebeu a mais ténue manifestação de solidariedade de Portugal nada tem a esperar daí. Não rendem votos. Não contrinuem com remessas de divisas. Não proporcionam negócios. Não representam qualquer quota de mercado nas exportações portuguesas. Não proporcionam receitas de milhões ao Fisco e à Segurança Social. Não põem a sua força de trabalho à disposição de empresários portugueses. Será por isso (?!) que, na estrutura do Governo e da Administração em Portugal, não existe espaço nem atenção para as Cristandades Lusófonas do Oriente. Porque elas não são lucrativas para os cofres do Estado.
Ricas e poderosas instituições privadas de utilidade pública, criadas com o dinheiro levado de Macau para Portugal, em condições que não dignificaram o País, não se lhes dá a atenção devida - saber onde estão, quantos são, que carências têm e as potencialidades que nelas existem, e continuam a ser comunidades de excluídos da Lusofonia que a Lusofonia tem o dever de acolher no seu seio. O modismo que tanto defende a promoção internacional da Língua Portuguesa não atende à preocupação esperável de cooperar na valorização desse património intangível da Humanidade que são os os crioulos de base portuguesa: do Oriente e de alguns dos Países de Língua Oficial Portuguesa. E se estes são, demagogicamente, excluídos da Lusofonia, todos o somos, igualmente. O denominador comum é a Língua Portuguesa – padrão ou crioula - enquanto se privarem da liberdade básica de todas as outras: o direito de estar e de ir de um lado para o outro – jus manendi, ambulandi eunde ultro citroque –, de circular livremente entre os nossos países. A Lusofonia/CPLP pode ser tudo o que quiserem. Mas, por enquanto, seguramente, ainda não é, uma Comunidade de povos livres, com o direito primordial de circularem livremente entre os respectivos países. Donde, esta ainda se mantém como uma Causa.
Ricas e poderosas instituições privadas de utilidade pública, criadas com o dinheiro levado de Macau para Portugal, em condições que não dignificaram o País, não se lhes dá a atenção devida - saber onde estão, quantos são, que carências têm e as potencialidades que nelas existem, e continuam a ser comunidades de excluídos da Lusofonia que a Lusofonia tem o dever de acolher no seu seio. O modismo que tanto defende a promoção internacional da Língua Portuguesa não atende à preocupação esperável de cooperar na valorização desse património intangível da Humanidade que são os os crioulos de base portuguesa: do Oriente e de alguns dos Países de Língua Oficial Portuguesa. E se estes são, demagogicamente, excluídos da Lusofonia, todos o somos, igualmente. O denominador comum é a Língua Portuguesa – padrão ou crioula - enquanto se privarem da liberdade básica de todas as outras: o direito de estar e de ir de um lado para o outro – jus manendi, ambulandi eunde ultro citroque –, de circular livremente entre os nossos países. A Lusofonia/CPLP pode ser tudo o que quiserem. Mas, por enquanto, seguramente, ainda não é, uma Comunidade de povos livres, com o direito primordial de circularem livremente entre os respectivos países. Donde, esta ainda se mantém como uma Causa.