"Bufos"? Nem para o combate à corrupção servem, conclui o artigo do In Verbis. Historicamente, o denunciante traz más memórias aos portugueses. Legisladores, agentes da Justiça e sociedade civil torcem o nariz à denúncia como meio de combate à corrupção. Os fins não podem justificar os meios, dizem. O recurso à delação como meio de combate à corrupção é acolhido com reservas, quer na Assembleia da República, quer pelos representantes do meio judicial. A resistência é um factor cultural e assenta na má memória que herdámos dos “bufos” do Estado Novo. No Parlamento, a comissão constituída na “ressaca” do Face Oculta tem vida aprazada até Junho. O grupo parlamentar do PS vai agendar várias propostas. Estimular a denúncia? É a proposta de João Cravinho. “Um cidadão poderá interpor uma acção sobre alguém que lese financeiramente o Estado, recebendo no final uma percentagem”, propôs. Vera Jardim lá saíu a dizer que “não é muito da nossa tradição jurídica” uma proposta deste cariz, que terá de ser “muito bem estudada”. Filipe Lobo d’Avila, que vislumbra algumas “dificuldades técnico-jurídicas” para a construção do mecanismo legal sugerido por Cravinho. Os legisladores do PSD não demonizam a proposta mas não lhe concedem carácter prioritário face a outros mecanismos de prevenção. Fernando Negrão reconhece que a proposta de Cravinho pode ser “interessante”, enquanto Teresa Morais, falando a título pessoal, diz ter “dúvidas de que se deva enveredar por uma espécie de prémio financeiro para o denunciante”. Entre os agentes judiciários também não há muita receptividade. “Custa-me muito estimular a delação, até por uma questão geracional”, assume Eurico Reis, juiz encarregue da comissão que avaliou os casos de cegueira no Santa Maria “Já concordo com o estatuto do arrependido”, ressalva, porque permite que "o peixe miúdo dê informações sobre como chegar ao graúdo”. Marinho e Pinto prefere colocar a tónica no combate ao crime. “Devem ser melhorados os meios para combater e investigar a criminalidade”. António Martins, presidente do Associação Sindical dos Juízes Portugueses, crê que a medida não será má de todo. “Pode ser um passo, mas não se pense que vai resolver todos os problemas”, alerta, receando a convivência de “um interesse privado (arrecadar dinheiro), com o interesse público de denunciar um crime”. Para Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogado a delação seria mal aplicada. As pessoas iam usar inimizades e desconfianças para acusar os outros. Vera Jardim mostra muitas reservas. Fernando Nobre teme o regresso dos bufos ao país”. Para Baptista-Bastos, “quem delata não deve receber nada em troca”.
AS PRINCIPAIS PROPOSTAS AINDA A “MARINAR” NA COMISSAO PARLAMENTAR “WHISTLEBLOWING” - A proposta apresentada por João Cravinho prevê que um cidadão possa accionar judicialmente alguém, em seu nome e em nome do Estado, caso tenha fundadas suspeitas de que essa pessoa lesa financeiramente o Estado. Uma medida que existe nos USA, e que prevê que, da quantia a arrecar em consequência da actividade corruptiva, uma percentagem seja atribuída ao cidadão que fez a denúncia (nos USA é de 15 a 20%). O CDS/PP apresentou uma proposta que quer tentar quebrar o pacto de silêncio na investigação, premiando o corruptor (activo ou passivo) por colaborar com as autoridades. Entre os “bónus” pelo arrependimento e colaboração estão a atenuação, ou até mesmo isenção, da pena. O PS prepara-se para propor que, em relação ao crime de corrupção para acto lícito, com uma moldura penal até 2 anos e um prazo de prescrição de 5, a moldura penal subiria + de 5 anos, elevando automaticamente o prazo de prescrição para 10, como acontece com o crime de corrupção para acto ilícito. Maria José Morgado (DIAP-Lisboa) sugeriu a abolição do segredo bancário e fiscal para acelerar a investigação. O director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, fez uma proposta semelhante: a criação de uma central de contas no Banco de Portugal, que permitisse agilizar a investigação. O PSD e o CDS/PP apresentaram propostas para impedir os autarcas condenados na Justiça de concorrer a eleições. Também o PCP tem uma proposta semelhante, mas pugnam pela aplicação desta interdição apenas depois da sentença transitar em julgado (após a condenação ser confirmada pelo Tribunal da Relação, sem mais hipóteses de recurso para o arguido). Caso isto suceda, o PCP quer que o autarca seja proibido de exercer um cargo político nos 10 anos seguintes. João Cravinho já apresentou as suas propostas a comissão contra a corrupção. Diz que é preciso regular este exercício de cidadania. O mecanismo de denúncia, que defendeu no Parlamento, resultaria em Portugal? Propõe que quando um indivíduo tenha provas de uma ilicitude em que o Estado seja lesado financeiramente, possa interpor uma acção em seu nome e em nome do Estado. O Ministério Público examinaria o processo, e se achasse que é forte associa-o à acção. Proteger os denunciantes? Isso não sei, logo se vê… mas no nosso Direito já há protecção às testemunhas. Rui Patrício entende que o combate à corrupção não deve passar, de modo algum, pela delação. Diz que não aprecia bufos, ainda menos premiados. Um mecanismo de denúncia semelhante ao que existe nos EUA poderia ser viável em Portugal? É contra um mecanismo desses. Institucionalizaria a cultura da delação. Podia dar azo a caças às bruxas. Bufos é coisa que não aprecia, muito menos bufos institucionalizados e premiados pelo Estado. A criação do estatuto do arrependido para os casos de corrupção? É uma figura semelhante à da delação. O que se são capazes de fazer alguns em troca da recompensa em espécie ou por uma "negociada" atenuação de pena. O que diriam? O que sugeririam? O que calariam?
Por onde passa o combate à corrupção? Pela prevenção, ferindo as causas que lhe subjazem - burocracia, ineficiência dos serviços, extrema complexidade jurídica e regulamentar, duração excessiva de cargos públicos, ausência de rotatividade de funções… E pela sedimentação de um sentimento geral de inaceitação da corrupção. Sobretudo da pequena corrupção, do “amiguismo” e do favor.