Numa época em que os direitos se nos apresentam como pré-adquiridos e de todos, vale a pena lembrar que quase todos eles foram conquistados e que, quase sempre também, se devem à coragem e à determinação de alguns.
A licença de maternidade, por exemplo, que, em Portugal, foi aprovada, pela primeira vez, pelo Decreto-Lei n.º 112/76, de 7 de Fevereiro, foi uma conquista.
Uma conquista que reporta à América, entre 1913 e 1915, e que foi o resultado de uma longa e dura batalha judicial de uma professora de Nova Iorque. Fora despedida a 22 de Abril de 1913, por estar grávida, a pretexto de “negligência do dever com o propósito de dar à luz”. Demonstrando uma coragem inusitada, a professora levou o caso a tribunal. 2 anos depois, o desfecho do processo marcou o reconhecimento do direito à licença de parto. Bridget Peixotto era membro da comunidade de judeus nova-iorquinos de ascendência portuguesa. Casara a 12 de Fevereiro de 1912 com Francis Raphael Maduro Peixotto e, por essa altura, trabalhava já há 18 anos no sistema de ensino primário nova-iorquino, passando sempre Com Distinção os exames de promoção aos escalões mais elevados do magistério primário. No ano lectivo de 1912/1913, Bridget e Francis Maduro Peixoto moravam no número 41 de St. Nichols Terrace, em Manhattan, e ela era professora principal da Escola Pública 14, em Thongs Neck, Bronx, com um salário anual de 2400 dólares. Em Fevereiro de 1913, Bridget, para além de estar grávida, adoece gravemente. Porque, em boa verdade, era suposto que as professoras não se deviam manter em funções após a maternidade, as autoridades escolares aproveitaram o facto, suspenderam-na e depois despediram-na, por “negligência do dever com o propósito de dar à luz”. Bridget Peixotto decidiu desafiar o status quo e declarou a 29 de Maio de 1913, ao New York Times: "Contestarei o caso até ao fim. O Conselho Educativo, ao permitir que mulheres casadas ensinem ao mesmo tempo que as proíbe de cumprirem uma função fundamental do casamento, está a agir de forma ilegal. É absolutamente imoral e não será apoiado por nenhum tribunal. Em nenhum lado se pode proclamar a maternidade como uma negligência do dever. É permitido às mulheres casadas ensinarem nas escolas públicas, mas negasse-lhes tempo para que tenham filhos." Como na primeira instância, o Conselho Educativo manteve a decisão (27 contra 5 a favor), avançou para os tribunais. O processo foi-se arrastando com várias decisões judiciais em seu favor, por ordem do Supremo Tribunal, e, em 1914, Bridget Peixotto faz uma exposição ao Comissário Estadual para a Educação, ao que este responde: “A Senhora Peixotto foi acusada de negligência do dever, mas não foi declarada culpada de negligência — foi sim declarada culpada de ter dado à luz.” Por fim, em Janeiro de 1915, John Finley dá ordens para que Bridget Peixotto seja reabilitada nas suas funções com salário pago por completo. 3 anos depois torna-se directora da escola. Quando falece aos 92 anos de idade, deixou um legado de que ainda hoje usufruimos. No obituário, o New York Times afirmava que ela era “responsável pela institucionalização da licença de parto por todo o país” e pelo mundo: “O seu caso permitiu que largos milhares de mulheres pudessem tirar uma licença para dar à luz. A decisão motivou também alterações no sistema do sector privado, fazendo com que hoje seja perfeitamente normal que uma mulher possa manter o emprego quando fica grávida.”
Uma mulher que não baixou os braços mas, ao invés, os levantou em prece para a Justiça. Certa de que, no que aos assuntos das mulheres se refere, às vezes, a Justiça "veste perfume de mulher".