Tive o privilégio de conhecer Fernando Távora. Por isso, pese embora a admiração que sinto pelo Marquês de Pombal, tenho de lhe dedicar algumas palavras. Chamar à colação o MPombal é pertinente. Porque FT é um Távora. Por certo que se recorda do célebre Processo dos Távoras. O escândalo político português do século XVIII. Imputou-se aos Távoras uma alegada tentativa para assassinar D. José I. E tudo culminou numa execução pública em Belém. Foram espancados e queimados Dom Francisco de Távora e os dois filhos, José Maria e Luís Bernardo (e Brás Romeiro, seu amigo). Foram presos o Duque de Aveiro, um criado e o irmão deste. A Marquesa de Távora, D. Leonor, foi decapitada. O resto da família Távora, Aveiro, Alorna e Atouguia foi presa e, mais tarde, libertados por D. Maria Pia que nunca viu este processo com bom olhos, acreditando na inocência dos Távoras e restantes acusados.
Posto isto, passo aos dias de hoje.
FERNANDO (LUÍS CARDOSO DE MENEZES DE TAVARES E) TÁVORA, Senhor da Casa da Covilhã, podia usar o Título de «Dom», mas nunca o fez (contrariamente aos irmãos Dom Bernardo Ferrão de Tavares e Távora e Dom Rodrigo Ferrão e Noronha). Nasceu na freguesia de Santo Ildefonso, Porto, a 25 de Agosto de 1923 e faleceu a 3 de Setembro de 2005, em Matosinhos.
Em Fev., no Porto, a sua obra inaugurou o ciclo de vídeo "Discursos (Re)visitados" organizado com base nas Conferências `Discursos sobre Arquitetura`, FAUP, 1990. (A Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto realizou um ciclo de conferências, organizado por Carlos Machado, Eduardo Souto de Moura, João Pedro Serôdio, José Bernardo Távora, José Paulo dos Santos, Manuel Mendesque reuniu, em 1990, no Auditório da Escola Superior das Belas Artes do Porto, nomes como Jacques Herzog e Peter Zumthor - mais tarde reconhecidos com o Prémio Pritzker -). Uma oportunidade única para reencontrar a voz de Fernando Távora e de Álvaro Siza, Stirling, Grassi e Rafael Moneo, Jacques Herzog, Peter Zumthor e David Chipperfield, Bernardo Secchi, e Kenneth Frampton.
De um sentido e toque humano raros, foi de FT o projecto de ampliação da Assembleia da República (1999). Foi a esse propósito que o conheci. E foi em boa hora. Se existem pessoas a quem reconheçamos nobreza de espírito e carácter, FT era, seguramente, uma delas. Foi difícil explicar porque se escolheu a sua mão. O próprio Tribunal de Contas levantou dificuldades em aceitar que se lh'o entregasse, por ajuste directo, invocando a sua especial "aptidão técnica", ou seja, fundamentou-se com a infungibilidade da arte. Mais do que a técnica estava em causa a arte. Argumentou-se com o seu port-folio, que ambicionava a integração no espaço e o respeito pela paisagem original.
Desde sempre, FT procurou a harmonia entre o novo e o velho. Daí que tenha viajado, durante toda a sua vida, para estudar in loco a arquitectura de todas as épocas, em todos os continentes, utilizando-a, como conteúdo e método da sua actividade pedagógica. Esta terá mesmo sido a sua maior herança: uma extraordinária capacidade de investigar o sentido das coisas, as suas raízes, uma enorme e voraz curiosidade pelo outro, ancorada numa forte ligação aos contextos originais.
Existem, para mim, dois vultos maiores da arquitectura do século XX: Raul Lino e Fernando Távora. E se Raul Lino agarrou na arquitectura portuguesa do século XIX e a transportou para o século XX, FT agarrou na arquitectura portuguesa do século XX e transportou-a para o inicio do milénio.
Para além do edifício novo, contíguo ao Palácio de São Bento, nomeio outros dois projectos. O projecto de final de curso - o CODA (Concurso para a Obtenção do Diploma de Arquitecto não construído) - "Casa Sobre o Mar" (1952) e a "Casa Dr. Ribeiro da Silva (1957). Neles, Távora cumpre com uma obra à altura do momento e do seu estatuto. E foi esta casa, de aparência a valores vernáculos regionais, que lhe serviu para individualizar a palette da arquitectura portuguesa, demarcando-a da arquitectura internacional, conferindo-lhe uma linguagem própria, e fixou um marco, um modelo, depois assimilado pela escola do Porto, e por arquitectos de Lisboa, como Manuel Tainha (casa do Freixial, 1958-59) ou Hestenes Ferreira (casa Shrimpton, Praia da Luz, Lagos 1960) .
Depois de, em 2008, o Prémio Fernando Távora premiar uma viagem para estudar a “Arquitectura para o desenvolvimento. Intervenções de emergência e de permanência no sudoeste asiático” da arquitecta Maria Moita, foi a vez da arquitecta Cristina Salvador vencer com um projecto de investigação no Deserto do Namibe, em Angola.
Fernando Távora teria ficado honrado.