sábado, 6 de fevereiro de 2010

Maria dos Prazeres Beleza e outras mulheres na Justiça

Se alguém tivesse dúvidas sobre a importância de uma mulher trajar a negra toga, julgo que as mesmas se desvanecem desde aquele registável dia em que o Conselho Superior de Magistratura aceitou a candidatura ao cargo de Juiza Conselheira de Maria dos Prazeres Beleza, então Juiza do Tribunal Constitucional, ao Venerando STJ. É uma extraordinária mulher e uma brilhante jurista. Inesquecível professora. Nenhuma outra mulher que me lembre mereceu tanto entrar no mais importante Tribunal Lusitano como "jurista de reconhecido mérito" (alínea do concurso de provimento ao abrigo da qual apresentou a sua candidatura). Conta-se que o seu sogro, o velho Professor Afonso Queiró (um dos maiores Mestres do Direito Administrativo Português), quando a conheceu, lhe terá dito que ela era a única mulher que ele conhecia, and I quote, que "pensava o Direito como um homem". Não sabemos se esse argumento foi determinante para que os seus pares masculinos a aceitassem e reconhecessem como seu par de direito. Mas ainda bem se o foi!
O SMMP publicou um artigo intitulado "A justiça é cega mas usa perfume de mulher". "A olho nu não se notam diferenças. O traje negro e solene com que Maria dos Prazeres Beleza entra numa sessão é quase igual ao dos homens que a rodeiam no Supremo Tribunal de Justiça. A única marca pessoal no seu fato foi ditada por questões práticas: a beca tem uma abertura na zona dos bolsos das calças que nem sempre dá jeito a quem usa saia, por isso coseu-a e aplicou dois bolsos exteriores."
Até há pouco, era a única mulher no STJ, agora juntou-se-lhe uma segunda conselheira.
"Na base da pirâmide o fenómeno é inverso ao do topo. Há quase uma década que todos os anos ingressam na magistratura mais mulheres que homens e na primeira instância estas dominam por larga maioria. O número dos novos juízes que este mês tomaram posse diz tudo sobre a vitória folgada da justiça no feminino: 39 a 7. Perceber se o género influencia o exercício da profissão motiva muitos estudos e opiniões, sem consenso possível. Fala-se na alegada sensibilidade feminina para algumas matérias, um mito em que esta semana o provedor de Justiça mostrou acreditar. "A escolha de uma senhora para o cargo deve-se ao facto de ter mais sensibilidade com as áreas dos deficientes, idosos, crianças e mulheres", afirmou Alfredo José de Sousa na tomada de posse da provedora-adjunta, Helena Cruz Pinto."
"Não tenho a menor dúvida de que a experiência pessoal influencia a decisão. É impossível separar", afirma Maria dos Prazeres Beleza.
Jorge Martins está colocado entre três mulheres, no Tribunal Judicial de Castelo Branco. Diz que sim, sem complexos, que há funções em que são evidentes essas diferenças. Do lado positivo da balança coloca "a perspicácia e intuição com que as mulheres apreciam a prova", assim como o facto de serem "muito mais metódicas e organizadas". Do lado negativo, em contrapeso, diz haver por vezes "alguma falta de experiência de vida" em domínios específicos - por razões culturais, diz - e excesso de brandura na medida das penas em processos criminais graves. Claro que para essa "falta de dureza" encontra uma explicação simpática. "A mulher tende a ver sempre a perspectiva do outro." Basta mudar de interlocutor para mudar de opinião.
Santos Cabral, juiz-conselheiro, acredita que só o profissionalismo conta para a qualidade das decisões. O resto é conversa de sexos.
Conversa que, alerta a presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, não deixa de causar controvérsia. Teresa Féria Almeida, juíza desembargadora, lembra que a matéria é estudada há muitos anos na Europa e motivou, em 1996, um encontro em Roma patrocinado pela UE. A questão central era perceber por que razão há muito poucas mulheres nos tribunais superiores. "Em Portugal poderão invocar-se argumentos históricos, porque a magistratura só foi aberta às mulheres em 1976, mas no resto da Europa este argumento não colhe. Será um factor, mas não o único", explica.
Maria dos Prazeres Beleza sublinha que essa disparidade não é exclusiva da justiça. Verifica-se em todos os lugares de poder, da política às empresas. Mãe de cinco filhos quando entrou na magistratura, pela porta académica, Maria dos Prazeres acredita ser possível conciliar "uma carreira muito absorvente" com a maternidade, mas sabe que nos tribunais de primeira instância a margem para gerir o tempo é mais reduzida. O problema não é exclusivo da magistratura, mas a particularidade estará na falta de preparação do sistema para responder às licenças de maternidade. Ciclicamente, o Conselho Superior da Magistratura lida com números reveladores de que as bolsas de substituição não chegam para cobrir as ausências por licença de maternidade. Ainda que ser mulher, por si só, não condicione uma decisão, numa coisa parece haver consenso: no equilíbrio está a virtude. Lígia Amâncio, professora universitária especializada no tema da discriminação de género, fez um estudo em que concluiu haver problemas na decisão quando há sub- ou sobre-representação. "O ideal é haver uma participação equilibrada", concordam Dulce Rocha e Santos Cabral.
Eles dizem que “A escolha de uma mulher para o cargo deve-se ao facto de ter mais sensibilidade com as áreas dos deficientes, idosos e crianças” (Alfredo José de Sousa, PROVEDOR DE JUSTIÇA), “Penso que não há diferenças a julgar por se ser mulher. Uma questão distinta é haver cada vez mais mulheres. Seria desejável o equilíbrio” (Santos Cabral, JUIZ-CONSELHEIRO), “Pela experiência que tenho, creio que há diferenças. As mulheres são muito perspicazes na apreciação da prova e muito organizadas” (Jorge Martins, JUIZ DE DIREITO).
Conta-se a história da gravidez silenciosa de uma juíza no tribunal central. Aos 44 anos, Fátima Mata-Mouros engravidou pela quarta vez e ficou “felicíssima”, o que não impedia que, racional ou inconscientemente, todos os dias fosse adiando a novidade. Não o disse logo aos colegas, procuradores, advogados e mesmo ao CCM. E acabou por ir adiando até às vésperas do parto. Estava colocada no Ticão, e tinha em mãos alguns dos processos mais complexos do país. “Sabia que a minha substituição seria um transtorno. Era uma sombra na minha gravidez tardia.” Com 20 anos de carreira na altura, Fátima Mata-Mouros já “não tinha nada a temer” nem provas a dar. Só a consciência da delicadeza da sua substituição. Alguns colegas disseram-lhe mais tarde que o silêncio, o cuidado com que mantinha a barriga escondida pela beca, foram afinal atitudes inconscientes. “Foi um período de perícias e audições prolongadas e ficava a ouvir pessoas a noite inteira”, recorda ajuíza, hoje colocada no Tribunal da Relação de Lisboa. Sempre que fala em maternidade e magistratura, recorda o que sentiu durante essa última gravidez. “Conseguir lidar com uma actividade muito absorvente e com a vida familiar é tão difícil que não sobra tempo para mais nada”, explica. Será por essa razão, acredita, que poucas mulheres ocupam cargos de poder nos tribunais. “Não há propriamente discriminação por parte dos colegas. Falta-nos essa apetência.”Sejam quais forem as explicações, certo é que as mulheres têm pouca voz. No ano passado, no congresso dos juízes, estava sentada e notou a evidência de uma sala cheia de mulheres, mas em que os oradores eram quase só homens. Nesse dia nasceu o projecto de um número da revista “Julgar” exclusivamente escrito por elas, que acaba de ser lançado. No acto de julgar, Fátima Mata-Mouros não vê diferenças de género, até porque “o Direito é uma técnica”. Vê a diferença no “ambiente” dos tribunais. “Na forma como interroga e lida com testemunhas, uma juíza faz toda a diferença.”"
Concordo inequivocaemente, e a estas grandes mulheres resta deixar o agradecimento. Porque lhes cumpre um papel da maior importância. Abrir caminho para outras numa carreira eminentemente masculina. Definitivamente, na forma como se conduz o inquérito, como se interpretam as palavras, os gestos, as coisas e os casos. Enfim, na forma como se faz Justiça!