segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Remunerações: Limites ou a falta deles?

Em 1996, fiz parte da equipa do Secretário-Geral da Assembleia da República, Luís Madureira, Barbosa de Melo, então Presidente da AR. Tinha sido nomeado por Cavaco Silva, então primeiro-ministro de Portugal. LM tinha absoluta reverência por Cavaco Silva. Apesar de lhe ter caído às mãos como Secretário de Estado da Administração Interna, anos antes. Não guardava rancores. Várias vezes lhe suscitaram a inconstitucionalidade da regra legal que impunha um tecto salarial ao SG da AR e aos adjuntos (no caso, eu), por referência à remuneração do PM. Recusou-se a reagir. Para ele, isso seria ir contra os seus próprios princípios, porque implicaria agir contra quem o nomeara. Trair a sua confiança. Mais tarde, quando Isabel Corte-Real, ex-secretária de Estado de Cavaco Silva, tomou o seu lugar não hesitou em arremessar contra o texto legal para deixar de ter tal imposição como limite remuneratório. Até ser proferido o Parecer do Conselho Consultivo da PGR, que veio afirmar sobre "A norma do artigo 11º, nº 1, da Lei nº 2/92 impõe um 'tecto' remuneratório aos "funcionários que exercem funções em órgãos de soberania", aos "membros dos respectivos gabinetes", bem como aos "funcionários dos grupos parlamentares"; nesta referência se integram os funcionários que prestam serviço na Assembleia da República, incluindo os membros dos gabinetes do Presidente da Assembleia da República e dos grupos parlamentares." , concluindo "9ª - Porém, a norma do artigo 11º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março, ao estabelecer um limite de remunerações diversa do fixado no artigo 3º da Lei nº 102/88, de 25 de Agosto, cria uma diferença de tratamento entre os funcionários em geral e os funcionários abrangidos no universo pessoal e funcional que delimita, sem justificação material razoável, violando, nessa medida, o princípio da igualdade inscrito no artigo 13º da Constituição."
Entrava em contagem decrescente este limite que Cavaco Silva impusera e cujos destinatários eram tão-somente o SGAR e os seus adjuntos. Uma lei cujo âmbito de aplicação não era genérico, como o deve ser, mas perfeitamente individualizado. E foi Isabel Corte-Real a primeira a beneficiar do seu afastamento.
Já que se aponta a Socrates o autoritarismo será bom que tenhamos presente este espírito cerceador do então PM, Cavaco Silva.
Até porque ainda recentemente veio a público a situação de 7 gestores públicos cujas remunerações ultrapassam as do PM.
E o caso revelou-se sobretudo porque começou a novela "Face Oculta".
Concretamente:
Fernando Pinto, presidente do Conselho de Administração da TAP: com um rendimento 8 vezes superior ao de José Sócrates e cerca de 140 vezes maior de quem ganha o salário mínimo (€816.330/ano).
Faria de Oliveira, presidente do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos: €700.874/ano.
Mário Donas, presidente da Margueira - Sociedade Gestão de Fundos Investimento Imobiliário: €231.924/ano.
Nuno Vasconcelos, do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana: €154.650/ano.
Pedro Serra, presidente da Águas de Portugal: €133.253/ano.
Estêvão Moura, da Imprensa Nacional-Casa da Moeda: €120.731/ano.
João Manuel Plácido, presidente da Parpública: €120.731/ano.
Mais modestas são as remunerações de:
Guilhermino Rodrigues, presidente do Conselho de Administração da ANA: €102.500/ano.
António Silva Albuquerque, da Sagesecur: €88.327/ano.
Vitor Coelho Barros, presidente da Companhia das Lezírias: €55.047/ano.
(Valores baseados na consulta das declarações de rendimentos entregues no TC, entre 2007 e 2009, com a excepção de Mário Donas, cuja última declaração data de Junho de 2006).
Mas mais curioso ainda é seguir o percurso remuneratório do PR. Porque, embora a nova legislação estabeleça que os deputados, os eurodeputados e os autarcas, entre outros titulares de cargos políticos, tenham, caso recebam reformas no exercício de funções públicas, de optar entre um terço do salário ou um terço da pensão, esse limite remuneratório não é aplicável no caso de Cavaco Silva, porque o cargo de Presidente da República não é abrangido pela Lei 52-A, de 2005. O que significa que o actual PR aufere uma remuneração mensal bruta da ordem de €7.100 euros, a que soma as 2s pensões que recebe do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Aposentações (como professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova), no valor líquido de €5.007. Segundo o gabinete jurídico da Presidência do Conselho de Ministros, Cavaco Silva apenas teve de prescindir da subvenção vitalícia que recebe como ex-primeiro-ministro, «em virtude de assumir novas funções públicas». De pensão do BP, recebe €2.679 (relativa a quase 30 anos: Cavaco Silva iniciou funções no BP em 1977, onde ficou com um nível 18, e saiu desta instituição em 2004, saindo também com o nível 18. E nunca integrou a administração do BP, pelo que não é abrangido pelo regime especial de reformas dos administradores da instituição). Depois, como professor na Universidade Católica tem um salário da ordem de €5.000/mês.
Dois registos dignos de tal. Um Primeiro-Ministro que não impõe tectos legais, com referência a si mesmo. Um Presidente que não está ao alcance da lei. Mas porque será que disto ninguém fala? E que isto ninguém vê? Palpita-me porquê.