Em 2007, foi criado na Argentina um banco de sangue de familiares de desaparecidos para permitir a identificação dos restos mortais de quase 600 vítimas da ditadura. Cerca de 3600 amostras de sangue de familiares de desaparecidos e ossadas não identificadas foram enviadas para um laboratório americando para se cruzarem informações obtidas das ossadas com os perfis de ADN obtidos a partir dos familiares. Mesmo assim, a maioria dos cerca de 10000 desaparecidos da ditadura militar ficou por identificar.
Os avanços da Genética têm servido para aplicações das técnicas forenses para identificação de cadáveres (civis ou militares) de pessoas mortas em resultado de catástrofes naturais. Como tsunamis. Em atentados (World Trade Center). Em guerras (ex-Jugoslávia). E para identificar desaparecidos (El Salvador).
Foi quase há 30 anos que a Genética respondeu ao apelo das Avós da Praça de Maio. Desde 1977 que procuram filhas e filhos que sabiam desaparecidos (e que a ditadura militar afirmava terem morrido em confrontos armados!!), e que as Mães da Praça de Maio voltaram também a sua atenção para procurar os seus netos. Entre os desaparecidos nos sangrentos anos 1976-1983, havia casais com crianças ainda pequenas e mulheres grávidas que deram à luz os seus bébés na prisão. Provou-se já que agentes das forças de segurança argentina "adoptaram" ou registaram como suas perto de 350 filhos dos "desaparecidos." Em 1982, Chichia Mariani e Estela Carlotto, duas "Avós" da Praça de Maio", contactaram o geneticista argentino Victor Penchaszadeh, então a residir em Nova Iorque (exilado da ditadura de Videla), que estabeleceu algumas pontes de contacto com outros geneticistas (Mary-Clair King). Com autorização da Comissão presidida por Ernesto Sabato, o Hospital Durand em Buenos Aires criou um banco de sangue (deu origem ao Banco de Dados Genéticos Nacionais - lei 23511 de Maio 1987) - banco nacional de dados genéticos de famílias de crianças desaparecidas que deverá estar em funcionamento até 2050 - que permitiu estabelecer com elevadíssimo grau de fiabilidade as relações de parentesco entre avós e netos). Até agora, perto de 100 netos foram devolvidos ao seio das suas famílias ancestrais. Paula Logares foi a primeira criança a ser encontrada e restituída aos avós em 1984, após um processo judicial complicado. (A escritora argentina Elsa Osório escreveu "Há vinte anos, Luz", um retrato ficcionado de alguns destes casos). Comentou, a propósito deste milagre da genética, Victor Penchaszadeh: "Tornou-se possível para a Genética Humana, que durante tanto tempo serviu a morte e interesses obscuros, estar finalmente ao serviço da vida".
A história do Direito da Genética seguiu o espectro do reducionismo, o determinismo e a eugenia.
Os avanços da Genética têm servido para aplicações das técnicas forenses para identificação de cadáveres (civis ou militares) de pessoas mortas em resultado de catástrofes naturais. Como tsunamis. Em atentados (World Trade Center). Em guerras (ex-Jugoslávia). E para identificar desaparecidos (El Salvador).
Foi quase há 30 anos que a Genética respondeu ao apelo das Avós da Praça de Maio. Desde 1977 que procuram filhas e filhos que sabiam desaparecidos (e que a ditadura militar afirmava terem morrido em confrontos armados!!), e que as Mães da Praça de Maio voltaram também a sua atenção para procurar os seus netos. Entre os desaparecidos nos sangrentos anos 1976-1983, havia casais com crianças ainda pequenas e mulheres grávidas que deram à luz os seus bébés na prisão. Provou-se já que agentes das forças de segurança argentina "adoptaram" ou registaram como suas perto de 350 filhos dos "desaparecidos." Em 1982, Chichia Mariani e Estela Carlotto, duas "Avós" da Praça de Maio", contactaram o geneticista argentino Victor Penchaszadeh, então a residir em Nova Iorque (exilado da ditadura de Videla), que estabeleceu algumas pontes de contacto com outros geneticistas (Mary-Clair King). Com autorização da Comissão presidida por Ernesto Sabato, o Hospital Durand em Buenos Aires criou um banco de sangue (deu origem ao Banco de Dados Genéticos Nacionais - lei 23511 de Maio 1987) - banco nacional de dados genéticos de famílias de crianças desaparecidas que deverá estar em funcionamento até 2050 - que permitiu estabelecer com elevadíssimo grau de fiabilidade as relações de parentesco entre avós e netos). Até agora, perto de 100 netos foram devolvidos ao seio das suas famílias ancestrais. Paula Logares foi a primeira criança a ser encontrada e restituída aos avós em 1984, após um processo judicial complicado. (A escritora argentina Elsa Osório escreveu "Há vinte anos, Luz", um retrato ficcionado de alguns destes casos). Comentou, a propósito deste milagre da genética, Victor Penchaszadeh: "Tornou-se possível para a Genética Humana, que durante tanto tempo serviu a morte e interesses obscuros, estar finalmente ao serviço da vida".
A história do Direito da Genética seguiu o espectro do reducionismo, o determinismo e a eugenia.
Nos USA (1911), eugenistas (Davenport) tornaram-se aliados do governo para fundamentar "cientificamente" as restrições a impor à imigração. Em 1917, o Congresso alarga o âmbito de aplicação do conceito de "pessoa susceptível de se tornar um fardo público" (banindo do direito de imigrar para os EUA) aos "idiots, imbeciles, feebleminded persons, epileptics, insane persons, persons mentally or physicall defective".
Numa sociedade em que já somos identificados por meios biométricos (altura, cor dos olhos e dos cabelos, impressões digitais, íris, sistema sangüíneo etc.), pelo registo da imagem (câmaras de segurança e, em breve, robôs-espiões), pelo nosso comportamento como consumidores/cidadãos (cartão de crédito, chips, internet, GPS), pelos gestos (interpredos por câmaras “inteligentes”), e por técnicas judiciais-policiais (escutas telefónicas, pulseira electrónica), falta este passo de gigante: a estigmatização dos homens pela genética e pela biometria. Gérard Dubey observa que, um século após o advento da biometria, os critérios evoluíram do “ser identificado socialmente” ao “ser definido biometricamente”. A biometria passou do estudo quantitativo dos seres vivos à identificação das pessoas em função de características biológicas. Quanto tempo será preciso, após o advento da genética molecular, para definir os seres geneticamente? E em que o critério genético se diferencia dos critérios biométricos clássicos? Existe a possibilidade de, através do DNA, identificar um indivíduo, desde o estágio embrionário e segundo sinais imutáveis que constituem marcadores da filiação e de determinar os embriões, “mais aptos”. A descodificação do DNA ainda é uma leitura elementar, pois as relações entre a constituição genômica particular de cada um e os seus parâmetros fenotípicos (riscos de doenças, características fisiológicas etc.) são de uma enorme complexidade. As variações infinitas do DNA serão comparadas com as ocorrências epidemiológicas. Será possível, portanto, definir probabilidades de risco em função de cada genoma e de sua exposição a ambientes definidos. O recurso à estatística, que suportava o eugenismo de Francis Galton, permanece como a caução científica da ambição humana de antecipar o futuro de um indivíduo. De acordo com essa tradição e com a ambição de “optimizar” a contribuição de cada um para uma sociedade cujo único sonho é o de ser eficiente, pode prever-se a irrupção de análises sistemáticas do DNA, permitindo tanto a análise da ficha pessoal quanto a predisposição das suas potencialidades, avaliando-se riscos de doenças e até marcadores não-patológicos (humor, sexualidade e até o QI).
“Factores de risco”, detectados no adulto, podem justificar custos "personalizados" nos planos de saúde e a adopção de certas práticas de medicina preventiva, e, se e quando detectados na criança, podem apoiar políticas de orientação escolar e profissional. Mas, detectados no embrião (diagnóstico genético pré-implantatório: DPI), podem servir de arremesso a outras práticas e até usos sociais que cheguem a obstar o direito à vida. A triagem dos embriões com risco de estrabismo acaba de ser autorizada na Grã-Bretanha.
Já são múltiplas as práticas eugénicas e assim que se conseguir a produção de óvulos às dezenas, o DPI pode ser a resposta ao velho sonho eugénico dos “bons nascimentos” mantendo-se em conformidade com os novos padrões da bioética (consentimento esclarecido, promessa médica de saúde, ausência de violência contra as pessoas etc.) Esse horóscopo genómico, que visa “colocar o eugenismo a serviço do liberalismo”, terá de ser validado no nível estatístico (o das populações, o único que importa ao sistema econômico ou de saúde), ainda que as predisposições se revelem menos confiáveis, ou francamente erradas, para uma pessoa particular.
Numa sociedade em que já somos identificados por meios biométricos (altura, cor dos olhos e dos cabelos, impressões digitais, íris, sistema sangüíneo etc.), pelo registo da imagem (câmaras de segurança e, em breve, robôs-espiões), pelo nosso comportamento como consumidores/cidadãos (cartão de crédito, chips, internet, GPS), pelos gestos (interpredos por câmaras “inteligentes”), e por técnicas judiciais-policiais (escutas telefónicas, pulseira electrónica), falta este passo de gigante: a estigmatização dos homens pela genética e pela biometria. Gérard Dubey observa que, um século após o advento da biometria, os critérios evoluíram do “ser identificado socialmente” ao “ser definido biometricamente”. A biometria passou do estudo quantitativo dos seres vivos à identificação das pessoas em função de características biológicas. Quanto tempo será preciso, após o advento da genética molecular, para definir os seres geneticamente? E em que o critério genético se diferencia dos critérios biométricos clássicos? Existe a possibilidade de, através do DNA, identificar um indivíduo, desde o estágio embrionário e segundo sinais imutáveis que constituem marcadores da filiação e de determinar os embriões, “mais aptos”. A descodificação do DNA ainda é uma leitura elementar, pois as relações entre a constituição genômica particular de cada um e os seus parâmetros fenotípicos (riscos de doenças, características fisiológicas etc.) são de uma enorme complexidade. As variações infinitas do DNA serão comparadas com as ocorrências epidemiológicas. Será possível, portanto, definir probabilidades de risco em função de cada genoma e de sua exposição a ambientes definidos. O recurso à estatística, que suportava o eugenismo de Francis Galton, permanece como a caução científica da ambição humana de antecipar o futuro de um indivíduo. De acordo com essa tradição e com a ambição de “optimizar” a contribuição de cada um para uma sociedade cujo único sonho é o de ser eficiente, pode prever-se a irrupção de análises sistemáticas do DNA, permitindo tanto a análise da ficha pessoal quanto a predisposição das suas potencialidades, avaliando-se riscos de doenças e até marcadores não-patológicos (humor, sexualidade e até o QI).
“Factores de risco”, detectados no adulto, podem justificar custos "personalizados" nos planos de saúde e a adopção de certas práticas de medicina preventiva, e, se e quando detectados na criança, podem apoiar políticas de orientação escolar e profissional. Mas, detectados no embrião (diagnóstico genético pré-implantatório: DPI), podem servir de arremesso a outras práticas e até usos sociais que cheguem a obstar o direito à vida. A triagem dos embriões com risco de estrabismo acaba de ser autorizada na Grã-Bretanha.
Já são múltiplas as práticas eugénicas e assim que se conseguir a produção de óvulos às dezenas, o DPI pode ser a resposta ao velho sonho eugénico dos “bons nascimentos” mantendo-se em conformidade com os novos padrões da bioética (consentimento esclarecido, promessa médica de saúde, ausência de violência contra as pessoas etc.) Esse horóscopo genómico, que visa “colocar o eugenismo a serviço do liberalismo”, terá de ser validado no nível estatístico (o das populações, o único que importa ao sistema econômico ou de saúde), ainda que as predisposições se revelem menos confiáveis, ou francamente erradas, para uma pessoa particular.
Em França, um programa do gébero podia controlar a homossexualidade, segundo o presidente francês, Nicolas Sarkozy, o que talvez justifique as prioridades orçamentais atribuídas à “genética molecular” nas pesquisas em biologia, ou a escolha inédita de um geneticista como conselheiro do presidente (Arnold Munnich, perito em análises moleculares de detecção de patologias, em particular na ocasião da triagem dos embriões (DPI)).
A genética e a biometria, aliadas à criminologia, mantem-nos no auge de identificação das pessoas pelos testes de DNA, permitindo que todos tenhamos uma ficha pessoal disponível para usar pela polícia ou pela justiça. A biometria sempre funcionou pelo medo, o medo do outro, e parece estar hoje generalizada, sem oposição organizada, criando uma atonia social. De “detalhe” em “detalhe”, constrói-se um mundo que pronto a receber-nos com um “Bem-vindos a Gattaca!”. Pouco falta para termos o conjunto dos nossos elementos identificadores e funcionais conjugados no cartão de cidadão. Os que se opõem aos testes de DNA, evocam “as horas mais sombrias da história” ou a “purificação da raça”. Os apoiantes defendem-se com o argumento de que os tempos são outros e os problemas são também diferentes. Que já não interessa identificar nem estimatizar o indivíduo pela raça (até porque esses parâmetros, disponíveis com os identificadores clássicos, não são revelados pelo DNA), mas descobrir os melhores elementos disponíveis em cada comunidade humana e rejeitar os que lhe parecem pouco aptos a contribuir para o “crescimento competitivo”, independentemente da cor de pele. Mas isto não credibiliza a desejada triagem. Porque esta tem subjacentes parâmetros tão suspeitos quanto os da triagem racial, entre os indivíduos. É este o sentido da aceitação dos estrangeiros segundo o critério de “competências e talentos”. Ou da exortação a “trabalhar mais para ganhar mais!”. Que se dirige mais ao indivíduo do que à sua comunidade, e corresponde ao sonho do dirigente neoliberal de constituir uma sociedade de indivíduos selecionados por sua competitividade.
A genética e a biometria, aliadas à criminologia, mantem-nos no auge de identificação das pessoas pelos testes de DNA, permitindo que todos tenhamos uma ficha pessoal disponível para usar pela polícia ou pela justiça. A biometria sempre funcionou pelo medo, o medo do outro, e parece estar hoje generalizada, sem oposição organizada, criando uma atonia social. De “detalhe” em “detalhe”, constrói-se um mundo que pronto a receber-nos com um “Bem-vindos a Gattaca!”. Pouco falta para termos o conjunto dos nossos elementos identificadores e funcionais conjugados no cartão de cidadão. Os que se opõem aos testes de DNA, evocam “as horas mais sombrias da história” ou a “purificação da raça”. Os apoiantes defendem-se com o argumento de que os tempos são outros e os problemas são também diferentes. Que já não interessa identificar nem estimatizar o indivíduo pela raça (até porque esses parâmetros, disponíveis com os identificadores clássicos, não são revelados pelo DNA), mas descobrir os melhores elementos disponíveis em cada comunidade humana e rejeitar os que lhe parecem pouco aptos a contribuir para o “crescimento competitivo”, independentemente da cor de pele. Mas isto não credibiliza a desejada triagem. Porque esta tem subjacentes parâmetros tão suspeitos quanto os da triagem racial, entre os indivíduos. É este o sentido da aceitação dos estrangeiros segundo o critério de “competências e talentos”. Ou da exortação a “trabalhar mais para ganhar mais!”. Que se dirige mais ao indivíduo do que à sua comunidade, e corresponde ao sonho do dirigente neoliberal de constituir uma sociedade de indivíduos selecionados por sua competitividade.
Em 2006, então ministro do Interior, Nicolas Sarkozy trabalhou numa lei (proposta por Thierry Mariani) destinada a prevenir a delinquência, pediu o levantamento do segredo médico e a generalização da despitagem nas crianças de 36 meses para análise dos comportamentos de indocilidade, baixo índice de moralidade, hetero-agressividade e fraco controlo emocional. No pressuposto de que há uma predisposição genética para a delinquência. Gerou-se um enorme protesto. Sarkozy insiste no determinismo hereditário da homossexualidade e da pedofilia. Não está muito longe de outras ideias semelhantes. Mengele não estaria mais de acordo.
É assustador saber que uma ciência que esteve ao serviço das Mães e das Avós de Maio pode agora servir para catalogar seres humanos em função do seu mapa genético.
Mas recordo a filosofia nazi em que os judeus eram tratados como a escória da Humanidade. E deixo-vos com uma nota. Pesquisadores (Universidade de Utah) descobriram que os judeus asquenazes - grupo étnico que inclui Einstein, Freud e Mahler - são mais inteligentes por causa de uma mutação genética, contrariando o fundamento do Holocausto. O novo estudo (Journal of Biosocial Science) suporta-se em técnicas avançadas de biologia que permitiram identificar as funções de genes específicos. E até Gregory Cochran (polémico biólogo evolucionário que em 1992 afirmava que a homossexualidade era causada por uma doença infecciosa) se uniu aos antropólogos Henry Harpending e Jason Hardy nesta constatação.
Há pois muito que reflectir e haverá sempre algo para descobrir. Aconselha-se muito cuidado e toda a atenção. A lei portuguesa é, nesta matéria, relativamente imprecisa. Existem bases de dados voluntárias, bases de dados de suspeitos e bases de dados relativas a pessoas desaparecidas. Mas as interconexões entre estas bases de dados, quer a nível nacional quer internacional, não garantem totalmente, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. E quer a Comissão Nacional de Protecção de Dados quer o Conselho Nacional de Ética e das Ciências da Vida fizeram já algumas contundentes observações.
Pelo sim pelo não, e como estamos em fim-de-semana prolongado, aproveite e veja Os Crimes dos Rios de Púrpura, de Mathieu Kassovitz, com Jean Reno, Vincent Cassel, Nadia Farès, Dominique Sanda, Jean-Pierre Cassel e Karim Belkhadra (França, 2000).
Lembrar-mo-nos é preciso. Não esquecer é fundamental.