terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Alcoolemia: quando a multa dá em cadeia!

Se é verdade que o alcoól pode matar, também é verdade que a Justiça sai ferida com a questão da (punição da) alcoolemia. Numa decisão de que resultarão contrariedades para a recolha de contraprovas nos casos de condução sob influência de álcool, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade da norma do Código da Estrada que estabelece que "o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial", seguindo o entendimento jurisprudencial adoptado em Setembro. Para mais, persiste a questão da recolha de sangue para efeitos de contraprova, quando o condutor se recusa a fazê-la, que os tribunais superiores também consideram inconstitucional, o que levou o Ministério da Justiça a admitir a alteração do decreto-lei que criminaliza aquela recusa.
A matéria é juridicamente complexa, por estar em causa uma inconstitucionalidade orgânica e que apenas abrange as situações em que as quantidades de álcool no sangue do condutor são susceptíveis de infracção criminal. Pelo contrário, nas demais situações, em que a taxa de alcoolemia subsume somente uma contra-ordenação, já não existe tal inconstitucionalidade. A questão coloca-se porque a alteração ao Código da Estrada que introduziu a dita norma partiu do Governo, ao abrigo de uma autorização legislativa da AR. Ora, os juízes do TC entendem que, quando aplicada em processo penal, ela reveste-se de natureza processual, obrigando a um específico regime de prova, matéria que sai fora da abrangência daquela autorização, que se restringia à revisão do Código da Estrada.
Nesta mais recente decisão, estava em causa um processo do Tribunal das Caldas da Rainha, tendo os juízes reafirmado as conclusões do acórdão de 28 de Setembro, suscitado por um processo do Tribunal de Cantanhede.
Deste modo, o governo terá de rever alguns dos artigos do Código da Estrada que regulamentam a fiscalização de condutores sob a influência de álcool, introduzidos em 2005, aquando da última revisão do Código. Estão postos em causa os processos penais pendentes contra as infracções cometidas por condutores que apresentaram valores acima de 1,2 g/l sangue - taxa que constitui crime. Depois de terem sido suscitadas dúvidas nos acórdãos na segunda instância, o TC confirma já três decisões no mesmo sentido. A terceira declaração de inconstitucionalidade permite que, a qualquer momento, um juiz do TC ou procuradores do Ministério Público requeiram a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
A situação encontra-se a ser apreciada na Secretaria de Estado da Protecção Civil, que tem competência delegada nessa matéria, até porque se trata de uma matéria juridicamente complexa e aplica-se a apenas alguns procedimentos da fiscalização de condutores. Como acontece com a obrigação de realizar a colheita de sangue, para efeito de contraprova e com a norma que determina que o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial. O Ministério da Administração Interna pode agora: ou rever as normas, propondo um regime menos penalizador para o condutor; ou enviar uma proposta ao Parlamento para que este intervenha cirurgicamente, regulando a matéria.
O entendimento preconizado pelo TC e por outras decisões de tribunais da Relação é o de que quem se recusar a ceder amostras de sangue para medição do grau de alcoolemia não pode sequer ser punido. Até 2005, a lei previa a possibilidade de recusa, mas o condutor acabava por ser penalizado, por incorrer no crime de desobediência. Com a última alteração, passou a ser obrigatória a cedência de amostra sanguínea. Note-se que a questão da inconstitucionalidade não se coloca relativamente ao teste do balão, porque aqui o regime legal se manteve. Em Dezembro de 2009, a Relação do Porto anulou a condenação de uma multa de €400, bem como, a proibição de conduzir durante 3 meses aplicada a um vendedor de 41 anos que acusara uma taxa de 1,59 g/l, depois de ter ficado ferido num acidente de carro e de ter sido submetido, no hospital, a teste sanguíneo.
Uma falha jurídica que pode ter como efeito a despenalização de algumas "falhas" humanas! E, isso sim, é preocupante!