Francisco Grandella (1853-1934) nasceu em Aveiras de Cima, filho de médico, e veio para Lisboa trabalhar no comércio ainda muito jovem. De marçano na rua dos Fanqueiros não tardou que se estabelecesse por conta própria aos 27 anos na rua da Prata. A loja chamava-se Fazendas Baratas. Em 1881, no Rossio, abria a Loja do Povo. Quando, em 1907, abriram os Armazéns Grandella, eles eram simultaneamente um exemplo de Engenharia e Arquitectura de vanguarda, modelo do comércio moderno e um exemplo de «pequeno estado social» ímpar nas relações patrão-empregado nessa época. Levou apenas 9 anos da primeira lojinha aos Armazéns. Acusado de contrabando por participar preços baixos, Grandella anunciava nova remessa: "Chegaram mais fazendas de contrabando". Grandella viajara pela Europa e tinha-se impressionado com o Printemps de Paris. Grandella introduziu o anúncio, as trocas e os reembolsos, caso o cliente ficasse insatisfeito, a entrega ao domicílio e os catálogos com as colecções. Os Grandes Armazéns democratizariam o comércio da moda e impuseram modelos de vestuário e um novo gosto. Do ponto de vista arquitectónico, os Armazéns Grandella exibiam o ferro e as escadarias imponentes. Os Armazéns comercializavam a confecção de malhas, as manufacturas de fiação e a tecelagem de algodão e lã e o mobiliário em ferro, com fábricas em Alhandra e Benfica.
Grandella tinha a instrução primária, muito importante ao tempo, e aprendeu francês. Tornou-se um activista no combate ao analfabetismo, e edificou escolas primárias em vários locais (Aveiras, Benfica, Tagarro, Foz do Arelho). Aqui, funcionava o seu ideal republicano, a que juntara a adesão à maçonaria, visível nos símbolos arquitectónicos da escola de Benfica, actual Biblioteca-Museu República e Resistência. Grandella passara igualmente pela política, tendo sido vereador na câmara de Lisboa em 1908.
Juntamente com mais 12 amigos, fundou o clube dos Makavenkos (1884). A divisa escolhida foi a da britânica Ordem da Jarreteira, a comenda da liga azul, "honni soit qui mal y pense". Mas a sua visão extraordinária do futuro e o espírito aventureiro dos sócios fez com que o clube extravasasse a cave e se internacionalizasse. Na casa da metrópole, os trabalhos revolucionários - assim se lia nas convocatórias escritas pelo punho do advogado e grão-mestre adjunto da Maçonaria José de Castro - não se realizavam à sexta-feira, porque era dia das makavenkadas, nem às terças, porque as noites estavam ocupadas pela Academia Real dos Camelos, uma subdivisão do clube presidida pelo ex-padre e republicano João Bonança, transformando-se uma das salas a preceito, com panos de Arraz a tapar as paredes e, nos lambrins, desenhos alusivos a caravanas no deserto, para que os discursos pós-refeição estivessem bem enquadrados. Mas do que a Comissão de Resistência da Maçonaria (nomeada por decisão unânime do "Povo Maçónico", reunido a 14 de Junho de 1910) não abdicava era dos petiscos de Josué dos Santos (um cidadão do mundo, que fez amizade, na Abissínia, quando foi visitar uns companheiros da armada italiana ali presos, com o rei Negus, o qual, lembrando-se dos belos carapaus que este lhe cozinhara, enviaria à família uma mensagem de condolências ao saber da sua morte). É, aliás, da autoria do despenseiro, por vezes cozinheiro, a explicação 'científica' do nome da sociedade... inventado por Grandella: um povo de origem asiática, das ilhas Curilas, que habitara na península ibérica "antes do desaparecimento da Atlântida e tinham uma seita que professava uma espécie de culto pela mulher esbelta, mundana, com quem conviviam e protegiam aproveitando-a mesmo para fins de utilidade geral". A palavra 'makavenko' ficou, de tal forma agarrada aos seus sócios, que era, só por si, controversa: uns, por inveja, e outros por ... a confundirem com falta de vergonha. Chegou a ser objecto de discussão na Câmara dos Pares do Reino, a seguir ao assassínio do rei D. Carlos, durante o governo de "acalmação", quando Francisco Joaquim Ferreira do Amaral se tornou presidente do Conselho. No Parlamento, acusaram-no de ser makavenko, ao que ele respondeu ter muita honra em pertencer a um grupo de homens que se juntava "em cavaco despreocupado e ameno, e que, ao fim das refeições que compram com o seu dinheiro, se não esquecem de dar de comer a quem tem fome, e de proporcionar instrução a quem dela precisa para ganhar honradamente a sua vida". Oficialmente, estava suspenso (uma das regras obrigava o detentor de um cargo político a suspender a sua qualidade de sócio). Na mesma altura, também o acusaram de perseguir Francisco Grandella, mandando a polícia fazer buscas nas suas residências, dizendo procurar o escritor "anarquista" Aquilino Ribeiro que se evadira da prisão. Até nos makavenkos fizeram rusgas, sob o pretexto de jogo clandestino. Ferreira do Amaral, mais tarde presidente honorário da sociedade, conhecera Grandella por ocasião do Centenário do Descobrimento da Índia, em 1898. O engenheiro makavenko Ângelo de Sárrea Prado levou o almirante e outro membro da Sociedade de Geografia à fala com a direcção do clube. Queriam pedir-lhes que fizessem o possível em prol das comemorações, dizendo-se preocupados com a falta de hotéis, face ao número de pessoas esperadas em Lisboa. E sugeriram que um makavenko abrisse um grande hotel, "de confiança e que não escaldasse, para poder ser recomendado pela Sociedade de Geografia". Logo Josué, com dois sócios por detrás, se prontificou a tratar da logística e uma das damas presentes assumiu a gerência, porque "l'amour oblige...", escreveu Grandella. Num instante, tomaram um prédio, na Avenida da Liberdade, onde fora o Hotel Mata, e, em três tempos, se inaugurou com um "sumptuoso jantar" servido em loiça da Índia.
Dos encontros da Comissão de Resistência não deu Francisco Grandella conta no seu livro "Memórias e Receitas Culinárias dos Makavenkos" (1919). Nem sobre as reuniões dos maçons com "plenos poderes para velar pela segurança dos irmãos, defender a maçonaria dos ataques da reacção política e religiosa, guiando o trabalho dos obreiros no mundo profano no interesse superior da pátria e da segurança dos cidadãos", nem sobre outros episódios susceptíveis de escândalo, confessou o proprietário dos Armazéns Grandella numa carta ao amigo arquitecto e, a dada altura, presidente dos makavenkos, Rosendo Carvalheira. Mas a outros não perdoou, como no caso de Sebastião, o escrivão da Boa Hora castigado por mau comportamento. É que esse sócio, a seguir a um banquete, atravessou as salas, meteu-se na última com a sua Chica dos Camarões, "sem se importar do que pudessem dizer e... ouvir..." Grandella não gostou e fez queixa formal à direcção. Foram nomeados o juiz (o médico patologista Azevedo Neves), os advogados e os jurados, e o réu foi condenado a ver o seu retrato pendurado na sala do crime, tapado por uma parra da faiança do makavenko Bordalo Pinheiro. O queixoso ficou satisfeito, embirrava com o homem desde que dissera mal de uma das suas sopas e das suas palavras. Fora-lhe, portanto, aplicado o Degredo da Parra, mas o castigo podia ter sido o de se pintar a óleo o seu retrato num banco para que todos se sentassem em cima dele. Ou o Suplício do Penico, que constava de colocar a fotografia do condenado no fundo de um bacio. Ou, ainda, obrigá-lo a beber, quase sem respirar, 12 capilés de cavalinho, o xarope de avencas, água fresca, casca de limão e gelo, que se sugava por um tubo de lata com a figura colorida de um cavaleiro tauromáquico e era considerado uma bebida de gente fraca. Mas teve sorte, Sebastião, porque podia ter ficado sem as ligas...
Dos encontros da Comissão de Resistência não deu Francisco Grandella conta no seu livro "Memórias e Receitas Culinárias dos Makavenkos" (1919). Nem sobre as reuniões dos maçons com "plenos poderes para velar pela segurança dos irmãos, defender a maçonaria dos ataques da reacção política e religiosa, guiando o trabalho dos obreiros no mundo profano no interesse superior da pátria e da segurança dos cidadãos", nem sobre outros episódios susceptíveis de escândalo, confessou o proprietário dos Armazéns Grandella numa carta ao amigo arquitecto e, a dada altura, presidente dos makavenkos, Rosendo Carvalheira. Mas a outros não perdoou, como no caso de Sebastião, o escrivão da Boa Hora castigado por mau comportamento. É que esse sócio, a seguir a um banquete, atravessou as salas, meteu-se na última com a sua Chica dos Camarões, "sem se importar do que pudessem dizer e... ouvir..." Grandella não gostou e fez queixa formal à direcção. Foram nomeados o juiz (o médico patologista Azevedo Neves), os advogados e os jurados, e o réu foi condenado a ver o seu retrato pendurado na sala do crime, tapado por uma parra da faiança do makavenko Bordalo Pinheiro. O queixoso ficou satisfeito, embirrava com o homem desde que dissera mal de uma das suas sopas e das suas palavras. Fora-lhe, portanto, aplicado o Degredo da Parra, mas o castigo podia ter sido o de se pintar a óleo o seu retrato num banco para que todos se sentassem em cima dele. Ou o Suplício do Penico, que constava de colocar a fotografia do condenado no fundo de um bacio. Ou, ainda, obrigá-lo a beber, quase sem respirar, 12 capilés de cavalinho, o xarope de avencas, água fresca, casca de limão e gelo, que se sugava por um tubo de lata com a figura colorida de um cavaleiro tauromáquico e era considerado uma bebida de gente fraca. Mas teve sorte, Sebastião, porque podia ter ficado sem as ligas...
Por regra, nos solstícios, a Estrada de Benfica, 419 – Lisboa (Museu da República e Resistência), presenteia-nos com maravilhosas exposições de temática maçónica, ali, naquela espaço, construído por Grandella, o maçon que criou este bairro para os seus trabalhadores. Construiu dois espaços – este, que era um hospital, e o do lado, que era um infantário. A arquitectura de ambos, ainda hoje denuncia, a alma do homem que os edificou: o triângulo no cimo e as colunas.