domingo, 21 de fevereiro de 2010

A 8 de Março: Faça uma pausa e pense na Mulher

“Mesmo nos lugares onde não há guerra, os corpos das mulheres continuam a ser campos de batalha. As mulheres e as raparigas correm o risco de ser vítimas de violência no decurso das suas actividades quotidianas – em suas casas, quando se deslocam a pé, quando utilizam transportes públicos para ir trabalhar ou quando vão buscar água ou apanhar lenha. Exigir o fim da violência contra as mulheres tem que ver com proteger os direitos humanos e assegurar que as mulheres vivam em segurança e com dignidade”, diz Thoraya Ahmed Obaid, Directora Executiva do UNFPA (Fundo das Nações Unidas para a População).
Segundo os dados das Nações Unidas, pelo menos uma em cada três mulheres no mundo corre o risco de ser espancada, coagida a ter relações sexuais ou ser alvo de outro tipo de violência durante a vida, e uma mulher em cada cinco será vítima de violação ou de tentativa de violação. O tráfico de mulheres, o assédio sexual, a mutilação genital feminina, os crimes ligados ao dote, os crimes de honra e o infanticídio feminino fazem também parte do problema.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) recebeu em 2009 mais 5,3% de queixas de violação e mais 3,5% de abuso sexual do que em 2008.
O dia internacional da mulher é a 8 de Março. Uma boa ocasião para trazer à tona o problema.
A violação é um acto cruel, como mutilar o corpo e, mais grave, roubar a alma. A reacção da vítima, após a violação, entre a vergonha, a dor, o medo e a raiva, é um dos factores inibidores de que a investigação clínica leve à descoberta do autor do crime. Polícias e médicos dão alguns apontamentos para que não se contaminem as provas: Não se lave, não tome banho, nem escove o cabelo. Guarde as roupas que usava num saco de papel ou em papel de embrulho ou de jornal (o plástico deteriora as provas). Conserve todos os objectos em que o violador tocou ou com que entrou em contacto (nem que seja a ponta de um cigarro). Não toque em nada no local onde se deu a violação. Dirija-se ao hospital mais próximo, para receber o tratamento adequado e para que lhe sejam feitos os exames clínicos. Apresente queixa na esquadra da PSP, piquete da PJ, posto da GNR, ou no Tribunal, o mais rapidamente possível. Procure apoio psicológico.
Depois do choque, a hipótese de reviver o horror é um novo suplício. Para a vítima e para a família. Muitas optam pelo silêncio. Tomadas pelo medo, pela culpabilização, pela vergonha, pelo constrangimento de se expôr em público perante os receptores da denúncia, de se sujeitar aos juízos, aos comentários… A falta de crer na descoberta e na detenção do culpado e do sistema policial e judicial também não ajuda. A recuperação é um processo de luto face à perda, à invasão e ao roubo no seu próprio corpo, à debilidade da auto-estima. Pode querer não acreditar e até negar a situação, como se não tivesse acontecido. Isola-se. Chora. Tem insónias e falta de apetite. Emagrece. Tem dores de estômago e de cabeça. Depois, a culpabilização: o que fez que pudesse incentivar ou chamar a atenção do violador? Como o poderia ter evitado? Segue-se a raiva e o desejo de vingança. Ripostar e fazer pagar. Por fim, a aceitação, reaprender a viver, com a mágoa e as marcas psicológicas, com a tristeza. Até se aceitar que não foi o fim do mundo, pareceu o fim do mundo.
“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.” (Jean Paul-Sartre)
A Convenção CEDAW - Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres - (a magna carta dos Direitos Humanos das Mulheres) - e a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, não desistem, relatam, informam, advertem, apoiam.
Casos extremos da violência e da violação é o das mulheres no Paquistão, em que a violação é o início de uma longa jornada para o inferno. Como se a violação não fosse já uma marca dificilmente superável, enfrentam a depressão, a repressão e a vulnerabilidade. Mais opressão ainda se vierem de famílias pobres. A violação não é, aqui, uma agressão ao auto-respeito e à integridade de uma mulher, mas uma afronta à honra da família. O estigma social arruina as suas vidas para sempre. Se for solteira, perde a honra, o seu “preço” como noiva. Se for casada, o marido não a defenderá, divorciar-se-á dela. Os olhares de que é uma “mulher dissoluta” que “atraiu a desgraça sobre si própria” duram o resto da sua vida. Se a família não a apoiar, será morta para “limpar a mancha” ou levada ao suicídio. Ao abrigo das leis vigentes, os casos de violação são julgados em tribunais islâmicos e se as vítimas quiserem defender-se têm de ter o testemunho de quatro homens, "bons muçulmanos". Se a violação não for provada, a mulher pode ser condenada por adultério (crime punível com a morte por lapidação). Hode, a nova Lei de Protecção das Mulheres obriga a que seja um juiz a decidir se os processos por violação serão julgados por uma entidade islâmica ou por um tribunal civil, dispensando a apresentação de testemunhas masculinas.
Em situações de guerra, o corpo das mulheres é outro campo de batalha. No Ruanda (Centro de Genebra para o Controlo Democrático das Forças Armadas), cerca de meio milhão de mulheres foram vítimas de violação durante o genocídio de 1994. Na Serra Leoa, entre 50 000 a 64 000 mulheres deslocadas no interior do país foram alvo de violência sexual pelos combatentes armados. Mais de metade das mulheres da província de Lofa, no Norte da Libéria, sofreu, pelo menos, um incidente de violência sexual, durante o conflito de 1999 a 2003. 90% sofreu, pelo menos, um incidente de violência física e quase metade declarou que lhe foi proposto mais de 4 vezes ter relações sexuais em troca de favores. No conflito que se seguiu às eleições no Quénia, o hospital de mulheres de Nairobi e o hospital geral da costa de Mombaça registaram um aumento para o dobro ou o triplo, face ao ano anterior, do número de mulheres e crianças que procuraram um tratamento na sequência de violência sexual, em especial após violações perpetradas por gangues de homens. México, Ruanda, Kuwait, Haiti e Colômbia, foram palcos de guerra especialmente duros quanto à violência feminina. Os sucessivos governos da Bósnia e Herzegovina não proporcionaram justiça a milhares de mulheres e raparigas violadas sexualmente na guerra de 1992-1995, afirmou a Amnistia Internacional, num relatório publicado a 30 de Setembro. Um novo relatório da Amnistia Internacional revela que, apesar da presença das forças de segurança das Nações Unidas nos campos de refugiados no leste do Chade, as mulheres e raparigas refugiadas do Darfur, Sudão, enfrentam diariamente um elevado risco de violação sexual e de outras formas de agressão, tanto no interior, como no exterior, dos campos.
Mulheres afegãs manifestaram-se recentemente contra a «violação» legalizada, que as obriga a ter, pelo menos, 4x relações com os maridos. Violar mulheres presas políticas é uma prática comum na República Islâmica do Irão desde que existe. Em 1980, quando os Pasdaran, os “Guardas Revolucionários” dos regime, prenderam raparigas adolescentes como membros ou apoiantes de organizações revolucionárias ou por distribuírem folhetos, tornou-se uso, antes de as executarem, violarem-nas, para que não morressem virgens e pudessem assim ir para o “céu”.
No dia 8 de Março, há uma séria reflexão a fazer. Por aplicadores da justiça, por legisladores, pelor órgãos de investigação criminal, e por todos nós. Porque "A Violência sobre as Mulheres é um cancro que devora o coração de qualquer sociedade, em qualquer parte do mundo" (Irene Khan, Secretária Geral da Amnistia Internacional).