domingo, 7 de fevereiro de 2010

Shakespeare, Socrates e ... Hamlet. Ser ou não ser, eis a questão!

A propósito da guerrilha lançada contra José Socrates e das suspeitas lançadas sobre si, veio-me à ideia a célebre "Ser ou não ser - eis a questão". Num país em que arguidos se prazenteiam com cargos públicos e sobre os quais se diz que foi mesmo no seu exercício de funções, por causa e em virtude desses mesmos cargos, que terão cometidos actos ilícitos, querer culpabilizar alguém porque se diz que disse ou que pensou é uma paródia circense. Para compreender esta amálgama de factos, quase trágico, quase comédia, revisitar as obras de Shakespeare pode ser um bom exercício e o início de uma boa reflexão.
Depois de ter dado uma escapadinha a Bucelas, degustado um bom colheita tardia no Chão-do-Prado acompanhado das inegualáveis iguarias da Mafalda, ter lançado um brevissímo olhar sobre a minha querida casinha, alimentado os meus cães, e pensar numas poucas obras que tenho de por lá fazer, cheguei ontem a casa cedo. E aproveitei para reler Hamlet do célebre dramaturgo. E é mesmo provável que alguém tenha bebido a história desta obra para armar uma cena destas. Embora, como sempre a realidade tenha ultrapassado a ficção!
Se têm dúvidas, vá ver "As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos" (The Complete Works Of William Shakespeare - Abridged) de Jess Borgeson, Adam Long, Daniel Singer). Falando de Hamlet, veja também o filme de Laurence Olivier’s (1948); o de Franco Zeffirelli’s (1990); o de Kenneth Branagh’s (1996) e o de Michael Almereyda’s (2000). Veja, porque todos ficam a dever em muito aos protagonistas deste enredo real.
Numa época em que se demanda " To be or not to be, that's the question" ao PM e até ao Governo, numa tentativa de comparar Sócrates a Berlusconi (leia o artigo "l'inoxydable", do Figaro, sobre as repercussões do controlo exercido por Berlusconi sobre os meios de comunicação social - o que é admissível até porque são da sua propriedade, contrariamente a Socrates que, ao que se conhece, não tem interesses pessoais em nenhum dos media, aliás se quiséssemos comparar algum político/controlador seria Pinto Balsemão (alguns dos produtos seus: Sojornal/Expresso, VASP, Controljornal, Exame, IMPRESA, SIC, Visão, Caras, Activa, IMPRESA Digital e IMPRESA Publishing) e, ao que se sabe, Balsemão está hoje afastado das guerrilhas políticas do PSD (como o estão todos os seus fundadores)), para além que sempre se afastou deste tipo de guerrilha - era conveniente que os inimigos do PM acompanhassem Hamlet e percebessem que o seu fim pode ser o de uma personagem de teatro, à beira do trágico, à beira da comédia.
A propósito, hoje publica-se um artigo que recomendo sobre como a audiência se comportava nos tempos de Shakespeare.
E, apesar de ter coadjuvado na administração da AR (com Luís Madureira, então Secretário-Geral e Barbosa de Melo, Presidente), e saiba que é difícil implantar hábitos novos nos cidadãos que assistem aos debates parlamentares, tenho a certeza que Adelina de Sá Carvalho (que conheci no TC, então Juiza Conselheira, e actual SG da AR, mulher de magnífica inteligência e dotada de uma tecnicidade jurídica invejável) se lembrará de alguma coisa. Imaginem-se os Passos Perdidos ou o Salão Nobre, cheio de povo a assistir a mais uma revolução da oposição (já que agora nos querem fazer crer que ministros falam abertamente nos restaurantes e pelos telefones, também a oposição podia congeminar e formar barricadas e entorpias em São Bento, de forma pública, em discussão aberta, para que todos pudéssemos degustar esses gláudios e impropérios parlamentares), saboreando, como outrora, no tempo de Shakespeare, ostras, frutos secos, figos, caranguejos, amêijoas, mexilhão, nozes, passas de uva, ameixas, cerejas e pêssegos, ou até tartes de amora e bifes de esturjão. Tudo acompanhado com um bom cachimbo. Assemelhar o interior de São Bento ao interior dos teatros. Um sonho absolutamente concretizável!
E imagino-me a recomendar frases de Hamlet.
A Socrates diria "Tem cuidado em não entrar em uma briga, mas uma vez nela, faze tudo para que teu adversário sinta temor" - Cena III, Ato I (Polónio).
Sobre Mário Crespo "Sou muito orgulhoso, vingativo, ambicioso, com mais pecados na cabeça do que pensamentos para concebê-los, imaginação para dar-lhes forma ou tempo para executá-los." - Cena I, Ato III (Hamlet).
Até porque bem podia ser do PM a frase "Ser ou não ser... Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes? Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se. Morrer..., dormir... dormir... Talvez sonhar... É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando a fim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos. É essa idéia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa! Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis morosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados? De todos faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de nossa resolução definha sob a máscara do pensamento, e empresas momentosas se desviam da meta diante dessas reflexões, e até o nome de acção perdem." Ato III, cena I
Quanto mais se conhece a História e as cenas irreais de heróis e de vítimas das trágico-comédias de Shakespeare, mais se compreende Sócrates.
Falta que alguém descubra que o PM é humano e que, de quando em vez, até deseja afastar do percurso um ou outro inimigo - que, na linguagem do actual PR seria algo como "Deixem-me trabalhar!" - e leve esse processo de intenções à PJ, ao DIAP, e à PGR, e até consiga que essas intenções - que eu julgava acometerem todos os mortais - passem a subsumir um tipo de crime e a ser punidas como tal! E logo irá o PM preso por uns bons anos (por desconhecer que as intenções passaram a ser criminalizadas).
Ele e todos os outros seres humanos à face da Terra, claro se vê!