quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Judeus ... sempre uma questão (de Honra)

Quase 200.000 judeus formam hoje uma comunidade que vice a maior crise do pós-guerra. Com origem numa vaga de imigração das antigas repúblicas soviéticas e uma nova geração, para a qual Israel e o Holocausto (ou Shoah) estão muito distantes (relata o Die Zeit).
Conta-se uma piada supostamente reflexora do espírito judaico. Um Robinson Crusoe judeu naufraga numa ilha deserta. Anos depois, é encontrado e mostra a ilha aos seus salvadores. Tinha construído nela duas pequenas sinagogas. “Porquê duas?”, perguntam. “Uma é onde vou. A outra é onde nunca porei os pés, aconteça o que acontecer!” (Lena Gorelik, “Hochzeit in Jerusalem” [Casamento em Jerusalém]). Esse Robinson judeu, um náufrago, um sobrevivente, que constrói duas sinagogas, é uma boa parábola do judaísmo alemão após o Holocausto.
Uma das comunidades judias mais importantes da Alemanha é a de Berlim, dirigida por Charlotte Knobloch, presidente do Conselho Central dos Judeus da Alemanha. A questão que se coloca é simples: o seu mandato está a chegar, quando esta sobrevivente do Holocausto, de 77 anos, deixar o cargo, quem passará o testemunho? “A definição dos judeus pelo extermínio em massa está a terminar”, considera Cilly Kugelmann, do Museu Judaico de Berlim.
Um dos representantes de uma nova geração é o actor Oliver Polak que teve sucesso com o seu primeiro livro, cujo título – “Ich darf das, Ich bin Jude” [Tenho o direito de o fazer, sou judeu]. Filho de um sobrevivente do Holocausto evoca o quanto de loucura que existia na vida cómico-trágica de um jovem gorducho, que tinha tudo para crescer como qualquer outro, não fosse chamar-se Polak, ser judeu e ter um pai que encarnava “a má consciência da vila”: “E então apareci eu, como um memorial, ‘the next generation'. Queira-o ou não.” Polak mantém algum distanciamento das posições ortodoxas do Conselho Central; mas não do judaísmo. E segue a forma como os judeus vivem (de uma forma extrema) o processo que percorre todo o país: 90% dos membros da comunidade judia são imigrantes recentes. Chegaram nas duas últimas décadas, provenientes da antiga URSS. Só em 2002, a Alemanha acolheu mais judeus do espaço ex-soviético do que Israel. Ao ponto de a Jewish Agency tentar que o Estado alemão apertasse as condições de entrada de judeus russos, compelindo-os a instalar-se em Israel. O que é irónico! Judeus a pedirem ao Estado alemão para não ser tão generoso para com ... os judeus!
Um outro factor altera a apreciação da questão do judaísmo. Uma minoria que pratica uma religião análoga, mas estranha, ao judaísmo, e que a maioria sente como um desafio à sua identidade - não é judia mas muçulmana. Talvez por isso muitos judeus temam que o debate sobre o Islão se torne numa batalha defensiva da maioria inquieta contra uma sociedade multiconfessional. A situação assume contornos paradoxais: a minoria judia cresceu, mas o interesse que suscita junto da opinião pública diminuiu. O que possibilita um regresso à calma. (Ou, para utilizar uma palavra tabu nos meios judaico-germânicos, um passo para a normalidade.)
Recentemente, o Libération relatou que, "face às ameaças de anti-semitismo e para facilitar a integração no tecido social, muitas famílias judias francesas decidiram, após a Segunda Guerra Mundial, afrancesar o apelido. Os Rozenkopf passaram a ser os Rosent, os Rubinstein tornaram-se os Raimbaud, os Wolkowicz, os Volcot, etc. Agora, os seus descendente querem recuperar o apelido original e reuniram-se em torno da associação A Força do Nome. Apresentaram a sua pretensão ao Conselho de Estado (a mais alta jurisdição administrativa). A lei francesa autoriza os estrangeiros a afrancesarem o nome, mas não permite a reversão do processo, ao contrário do que acontece nos EUA, há já alguns anos. "
A história de Portugal é, em muito, uma história de judeus. Portugal, um dos países mais católicos da Europa, sempre afirmou as origens judaicas da sua população. A tradição popular portuguesa indica que as famílias com apelidos associados a flores ou vegetais são, supostamente, de origem judaica, sendo frequente um português assumir «que tem uma costela judaica» mesmo desconhecendo as bases do judaísmo ou da história hebraica de Portugal. Este estudo revela a veracidade do credo luso. Com base em investigações no ADN das populações da Península Ibérica foi revelado que 20%o da população portuguesa e espanhola são de origem judaica e 11% de origem árabe e berbere (mouros). Este índice registado é interpretado como a consequência das conversões forçadas da população judaica durante os séculos XIV e XV com o estabelecimento da Inquisição, enquanto a origem árabe é o resultado da ocupação da Península Ibérica no século XII. O estudo tem como base os cromossomas Y que foi realizado por biologistas da universidade de Leicester na Inglaterra e Pompeu Fabra de Barcelona. Os investigadores concentraram-se no desenvolvimento da assinatura dos cromossomas Y nos homens sefaraditas (ramo judeu com origem na Península Ibérica) das comunidades judaicas onde as populações hebraicas migraram ou foram expulsas nos finais do século XIV. A forte ascendência judaica dos portugueses e espanhóis é para Jonathan S. Ray, da universidade de Georgetown, EUA, a prova que «os judeus representavam uma parte importante das populações urbanas até as grandes conversões forçadas». Eis alguns dos homens de descendência judaica que marcam a nossa História. Camilo Castelo Branco, Amato Lusitano, Garcia de Orta, Jorge Sampaio (Sampaio podia ser contado para minyan: a sua avó materna era de uma família judia marroquina; é primo do Presidente da Comunidade Judaica de Lisboa e tem diversos familiares afastados, a viver em Israel), Nuno Krus Abecassis, António de Oliveira Salazar (da família ELAZAR que por corruptela deu Salazar, tanto por parte de pai como da parte materna). Os Bensaúde, os Espírito Santo, os Champallimaud, os Lucena, os Bragança, os Pombal. (Leiam "Os Judeus em Portugal", de Esther Mucznik, Revista História n.º 15, Jun.1999).
Mas, se, na Alemanha, há uma nova geração disposta a preservar a história dos judeus, é certo que, desde 2005 com a morte de Simon Wiesenthal - o "caçador de nazis" que levou perante à justiça mais de 1100 criminosos de guerra, que sobreviveu a vários campos de concentração após a anexação da Áustria pela Alemanha nazi, que era a "consciência do Holocausto", que aceitou a tenebrosa façanha de ser o representante permanente das vítimas (quando os aliados já estavam concentrados na Guerra Fria e os sobreviventes estavam a tentar reconstruir as suas vidas quebradas) de permanecer sozinho na acusação de uma sociedade que não olhava para trás (provavelmente, porque conheciam a história da mulher de , e morriam de medo de se transformar numa estátua de sal) - existe o risco premente de a dor judaica ser esquecida. Até porque a Alemanha sempre quis esquecer!
Para além de uma (eventual) costela judia, é uma causa (como o são todas as outras que defendem minorias) que não podemos relegar. À qual não podemos fechar olhos ou deixar cair os braços. Vivemos numa época em que judeofobia, antijudaísmo ou anti-semitismo, para além da subtileza das palavras contém uma muito dura realidade: os atentados às Sinagogas na Turquia, o incêndio de um liceu judaico perto de Paris, a conspurcação do cemitério judaico de Marselha... Segundo um relatório do Observatório Europeu sobre o Racismo e a Xenofobia (não publicado por ser “politicamente incorrecto”), estas manifestações vêm em parte da extrema direita (em Marselha, a assinatura “Poder Branco” é inconfundível) mas, sobretudo de “islamistas radicais e jovens muçulmanos em conjunto com uma esquerda pró-palestiniana” que em nome dos direitos do povo palestiniano, não só não combate este anti-semitismo, mas alimenta-o assimilando o sionismo ao nazismo.
Perante esta situação ocorrem-nos duas alternativas: ou nos fechamos na concha, mergulhamos a cabeça na areia (o que parece ser uma herança adversa à atlântica, que essa é uma de que nos orgulhamos) seguindo como nos habituaram quase 50 anos a política do "orgulhosamente sós" (e não esqueçamos que foi um judeu que o disse (não vale a pena chorar, porque em desabona os demais, afinal há sempre uma .... em todas as boas famílias), ou afirmamos que os judeus têm, que nós, que todos, temos o direito colectivo à vida e ao futuro.
O primeiro caminho já demonstrou trágica e cruelmente a sua impotência. O segundo é o único que nos pode levar ao fortalecimento. Até porque, ao menos para 20% dos portugueses (pelo que confirmou o dito estudo), têm no seu mapa genético um cromossoma: o de pertencerem a um povo único. Com uma história única. Pode ser uma percentagem pequena, mas têm uma História muito grande. Que é a História de muitos de nós!