A Justiça e o Direito comportam-se, cada vez de forma mais óbvia, como gémeos falsos. Sou leitora assídua do blogue do Sindicato dos Magistrados do MP e as opiniões que por lá proliferam demonstram isso mesmo. Num artigo intitulado "A JUSTIÇA A QUE TEMOS DIREITO", datado de Fev.5, António Vilar publica opiniões de extraordinária acuidade para o tema da justiça. Diz que a questão essencial é do domínio da política e que exige que se encontrem soluções globais e concretas. Reconhece que o tempo da actualidade está minado por várias dificuldades. Que é "um tempo pleno de desafios e em que novos horizontes, e melhores que os presentes, são possíveis". E cita Vitorino Magalhães Godinho (”Os problemas de Portugal, Colibri, 2009″), “Nestas circunstâncias adversas, será bom que ressurjam as inquietações, e não se desista de reflectir na pergunta inevitável: que rumo para Portugal?”.
Que rumo para a justiça? O sistema de justiça sofre de esclerose múltipla. O que corrói valores essenciais do Direito, nomeadamente a segurança através do Direito, a segurança do Direito e a estabilidade das situações jurídicas. E apela a reformas urgentes. Incluindo a de formar os agentes da justiça numa sociedade de risco acrescido, volátil e cada vez mais complexa. O Direito reflecte a sociedade que rege, cabe-lhe guiar e organizar essa sociedade numa perspectiva de reforma social. "E as patologias sociais não deixam de ter repercussão na realização histórica e normativa do Direito. O que vale por dizer que a questão essencial é do domínio da política e é aí que terá de encontrar soluções globais e concretas."
António Vilar não pode ser um homem com muitos seguidores e dificilmente encontrará acólitos.
Veio no DN um artigo intitulado "Magistrados contra crime de enriquecimento ilícito". Parece que o CSM está contra a introdução (no Código Penal) de um novo artigo: o de enriquecimento ilícito (que condenaria quem não conseguisse provar a origem dos seus rendimentos). “Ofende princípios básicos” do Direito, como o da presunção da inocência, disse o juiz Rui Moreira, falando oficialmente em nome do CSM, ontem, numa reunião da Comissão Parlamentar de Combate à Corrupção. O presidente do CSM, Noronha do Nascimento, disse que a tipificação deste crime só se faz acompanhada de um “acto de coragem”: que os legisladores assumam “a inversão do ónus da prova” (um suspeito não tem de provar a inocência, a justiça é que tem de provar a sua culpa) e, portanto, o fim do princípio (constitucional) da presunção da inocência. Os representantes do CSM disseram que é “irrazoável” aumentarem-se as penas. Sublinharam também que o problema da eficácia no combate à corrupção está na investigação e não nos tribunais. “Ou há coragem ou não há coragem para se fazer a inversão do ónus da prova [a prova da inocência passa a ficara cargo dos suspeitos]”. “Os megaprocessos são um mal a evitar As investigações nunca mais acabam. A comunidade fica com a ideia de que a justiça não funciona” diz Rui Moreira (Juiz, membro do CSM).
Falando em megaprocessos, o CSM mantém um só juiz para megaprocessos. Carlos Alexandre vai continuar a decidir sozinho processos como a Operação Furacão, BPN e Portucale. O CSM afasta a hipótese de colocar um novo juiz no TCIC, de Lisboa, onde, nos próximos meses, se deverão decidir alguns dos mais mediáticos processos da justiça portuguesa.
Será Carlos Alexandre, o único juiz a exercer no TCIC, a decidir sozinho quem vai ou não a julgamento em processos como o Portucale e Universidade Independente. Casos como o Freeport, o BPN e a Operação Furacão também estão na agenda do magistrado.
Em declarações ao PÚBLICO, Fernando Girão, vice-presidente daquele órgão de gestão e disciplina dos juízes, esclarece que o CSM “não tem qualquer estudo no sentido de criar mais um lugar para mais uma pessoa” naquele tribunal. E classifica como um “facto fabricado” a notícia que veiculava a hipótese de o juiz CA abandonar o cargo caso fosse nomeado um segundo juiz. Segundo notícias recentes, a colocação desse novo magistrado não tinha em vista proceder a uma substituição do único juiz ali em funções, CA, mas reforçar o quadro de magistrados do Ticão (tribunal que recebe processos de carácter nacional, com uma especificidade: só criminalidade grave e complexa).
De acordo com o Expresso, que cita “fontes próximas” do magistrado, CA “já manifestou em privado a ideia de que, num cenário desses, a sua opção seria bater com a porta”, por entender que a nomeação de outro juiz condicionaria a sua “capacidade de acção”. Girão, que preside ao órgão ao qual compete a colocação dos juízes, diz que não sabe de onde nem como surgiu a notícia, mas garante que nunca foi contactado por aquele magistrado quanto à sua situação no TCIC, à necessidade de um juiz auxiliar ou à sua vontade ou decisão de abandonar o lugar. Não exclui, no entanto, que a criação de “um lugar para mais uma pessoa” naquele tribunal possa vir a ser analisada na altura de um futuro movimento de magistrados. À hipótese, CA limita-se a dizer que não tomará posição acerca do assunto, para não alimentar o “ruído” sobre a questão.
A existência de mais do que um juiz nos tribunais de instrução criminal do país foi defendida em 2007 pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses num parecer sobre o projecto de lei do novo mapa judiciário. Entendimento que tem como fundamento “evitar a existência de tribunais unipessoais”. Ou seja, tribunais em que se sabe que é sempre aquele juiz que vai decidir sobre os processos que ali dão entrada. No mesmo parecer, a ASJP defendia a criação de um tribunal central para efeitos de julgamento, também com mais de um juiz no quadro.
De facto, mais uma das grandes questões em que aplicadores da lei e juizes divergem. Mais um ponto a favor da incerteza e da indecisão sobre as reformas judiciais necessárias à correcção das falhas do sistema de justiça.
Quem fica a ganhar é de somenos, mas quem fica a perder somos todos nós! Porque o ideal é que Justiça e Direito se fundam e não que entrem em rota de colisão! Enfim, gémeos verdadeiros, isso sim!