sábado, 29 de maio de 2010

A verdade da crise segundo Ivan Krastev, politólogo búlgaro



Durante anos, a UE viveu uma ficção politicamente correcta: todos os países tinham os mesmos direitos. Mas, em prol do modelo europeu, cidadãos e dirigentes têm de dizer a verdade, considera Ivan Krastev, politólogo búlgaro.
Será que a crise grega é grave? Estaremos ameaçados pela desintegração da zona euro? É. Sim, há o risco de insolvência de um Estado. A Grécia é o primeiro teste ao euro, com uma contradição no centro da crise: a esfera económica carece do reforço da integração europeia. Mas a tendência política vai na direcção contrária e a opinião pública europeia mostra-se cada vez mais eurocéptica.
Em que medida terá esta crise dividido a Europa? Já não se trata da divisão Leste/Oeste. Agora temos a divisão Norte/Sul. Países como a Estónia e a Polónia estão muito mais próximos da Alemanha do que Itália ou Espanha. Os países do Norte estão menos dispostos a repartir e não querem recompensar a Grécia pelo que ela fez. A divisão Norte/Sul é a mais importante de uma série de outras divisões. Assistimos à criação de novas alianças, no centro das quais França tenta posicionar-se. A segunda divisão é entre a zona euro e o resto. Neste momento temos duas Europas. Mas os novos Estados-membros da UE e outros países periféricos tudo fizeram para que isso não acontecesse.
A outra divisão é a que separa os países grandes dos países pequenos. Durante 10 anos, vivemos uma ficção que tinha a vantagem de ser politicamente correcta: fazíamos de conta que a Alemanha e a Grécia tinham os mesmos direitos. Neste momento não podemos continuar a fazer de conta que os grandes não são grandes e que os pequenos não são pequenos. A quarta e a mais importante divisão é a que separa os países governáveis dos que não se deixam governar.
Que países poria nesta última categoria, sem contar com a Grécia? Espanha, Itália e Bulgária e Roménia. Estes dois últimos estão um pouco mais preparados para apertar o cinto, pois é o que têm andado a fazer nestes últimos dez anos para entrar na UE. Mas isso não acontece com a Grécia nem com Portugal. Estes países caracterizam-se pela sua disfunção política, os seus sindicatos são poderosos e a sociedade pensa em função dos privilégios e não em função da realidade.
Na Europa do Norte existe um sentimento antieuropeu ligado ao facto de a UE não tratar todos os seus membros da mesma maneira. Os alemães castigaram a chanceler Angela Merkel nas eleições regionais na Renânia do Norte-Vestefália [9 de Maio] pela maneira indulgente como tratou o caso grego. Foi uma situação semelhante ao que aconteceu na Holanda, por altura das eleições municipais, no passado mês de Março. Os partidos radicais dizem: basta de distribuições. O protesto grego é diferente e, em substância, afirma: querem fazer de nós um protectorado. É uma atitude tipicamente anticolonialista.
Estas duas tendências vão ser politicamente dominantes, o que significa que a UE está prestes a perder os seus princípios políticos. Se a isto acrescentarmos a questão demográfica – a economia europeia carece de mais imigrantes do que a política europeia pode suportar – torna-se evidente que estamos mesmo metidos numa embrulhada!
Que atitude devem tomar os políticos para salvar a Europa comum, supondo que ainda são capazes de a salvar? Os especialistas afirmam a necessidade de uma integração mais firme das políticas económicas. De que maneira conseguiremos que este princípio seja aceite pela opinião pública? Nos últimos países a entrar para a UE, isso foi possível durante muito tempo, sem reflexos políticos eleitorais. Porque prometiam mais qualquer coisa, para além de sangue, suor e lágrimas.
E é aqui que reside o verdadeiro problema. Quase toda a gente ameaça, ninguém promete nada. A Europa marginaliza-se à nossa frente e é tratada como uma marginal. Ela própria se considera marginal. Ainda há dois anos, toda a gente sabia que a Europa era, provavelmente, o melhor sítio do mundo para se viver, mas não o melhor sítio para se sonhar. A Europa é o presente, não é o futuro. Temos o dever de dizer aos cidadãos europeus que tipo de vida vão ter num futuro próximo. Os europeus estão habituados ao seu estilo de vida e aos seus direitos cívicos, mas também ao seu nível de vida. A defesa deste estilo de vida representa a defesa da UE.
Se pretende continuar a viver com dantes, ir de férias para países exóticos, ter um bom carro e uma casa condigna, apoie a UE! É preciso que isto seja dito claramente. A Alemanha não pode defender sozinha o seu estilo de vida sem falar da Bulgária ou da Roménia, países que apenas aspiram a este estilo de vida. O discurso dominante na UE não pode limitar-se à discussão de procedimentos e da transparência das instituições.
Há que regressar à política antiga, cimentar a confiança, esclarecer os cidadãos. Porque, se houver alguma coisa a fazer em termos económicos, e se a tentarmos fazer às escondidas da opinião pública, esta irá reagir mal, não porque seja contra, mas por ser mais fácil protestar contra a conspiração dos dirigentes do que fazer uma coisa construtiva.
Os dirigentes têm de compreender que a única forma de salvar o projecto europeu é admitir que não podem fazer tudo sozinhos. (Presseurope)