sábado, 8 de maio de 2010

"O Holocausto, parte triste de nós"

Espero que as imagens choquem. Deve mexer com a nosse estrutura humana rever os rostos dos homens que se julgavam à porta do céu porque terminara o inferno. Corriam os meses de março a julho de 1944, e, face às centenas de milhares de judeus húngaros deportados para o complexo de extermínio nazista de Auschwitz-Birkenau, líderes e entidades judaicas faziam apelos desesperados aos governos norte-americano e britânico, implorando que a força aérea aliada bombardeasse as ferrovias de acesso.
Todos os anos, cresce o número de pessoas que participam nas comemorações pelos mortos, um ritual que alguns, no início dos anos 70, diziam estar em vias de desaparecimento. Há um fluxo crescente de publicações com a guerra por tema. E uma mudança constante de perspectiva. A imponente obra de Loe de Jong [historiador holandês] parecia cobrir todo o campo da investigação, do ponto de vista geográfico e temático. Mas depois dele, o trabalho de investigação passou por todo o tipo de matizes e os historiadores começaram a interessar-se pelas vicissitudes individuais dos que estiveram implicados de alguma forma na guerra. Depois de ouvidos os últimos sobreviventes, a atenção deslocou-se para a depuração desordenada posterior a 1945, a colaboração e a nossa relação com o conflito, no pós-guerra. E assim se vai alimentando a historiografia da guerra.
“Penso que a Segunda Guerra Mundial alcançará um dia o nível da Guerra dos Oitenta Anos [que opôs os holandeses aos espanhóis e que conduziu à separação das Províncias Unidas, em 1648]”, disse um dia o escritor e jornalista Ad van Liempt neste jornal. “Mas o massacre dos judeus continuará a amplificar-se na nossa memória.” Não será apenas como consequência inevitável da história europeia, mas também pela missão que os historiadores assumiram. Quanto mais o Holocausto se afasta no tempo, mais claro se torna que marca a maior linha de demarcação deste continente – o centro de todo o mal, o campo de acção dos culpados e dos seus cúmplices.
Após o Holocausto, os europeus ponderados perderam a confiança em si próprios e no poder salvador das ideologias e da inovação tecnológica. O progresso que, no final do século precedente, enchia os europeus de esperança num futuro melhor, não conseguiu impedir o massacre dos povos. Pior: o progresso, simbolizado pelos comboios, os aviões, as fábricas e a vida em sociedade, tornou possível o assassínio organizado. Nunca, em parte alguma, a desilusão sobre o poder de destruição do progresso foi sentida com tanta força como na Europa. Inversamente, nenhum continente foi tão purificado pelo seu passado sombrio. A Segunda Guerra Mundial criou as condições para a unificação europeia e a pacificação das nações beligerantes. O verdadeiro milagre alemão não foi tanto a rápida reconstrução do país devastado, mas a sua purificação moral. Há séculos que a Alemanha – Estado unitário desde 1871 – era uma fonte de agitação e de guerra. É hoje o pilar de uma Europa pacífica e próspera.
Precisamente porque o Holocausto é determinante para a identidade europeia, a Alemanha contribui para a diferença de mentalidades entre a Europa e outras partes do mundo. O significado que o Holocausto tem para os europeus não é universal – como se infere da relação desapegada do mundo árabe em relação a este tema. Sessenta e cinco anos depois da Segunda Guerra Mundial, o massacre dos judeus marca o incontestável abismo da história europeia, o padrão colectivo dos antigos culpados e das antigas vítimas. Ao mesmo tempo, marca um fosso profundo entre os europeus e aqueles para quem o Holocausto não tem este significado fundamental. (Presseurope)