quarta-feira, 5 de maio de 2010

Margaret Mead e a mulher da mulher africana




Gosto do trabalho de Margaret Mead. Fez-me perceber como ninguém a história da mulher africana. Depois de o Eugénio Ferreira me dar cabo do juízo, debate após debate da Academia de Estudos Laicos e Republicanos, apercebi-me de como ignorava, de uma forma devastadora, o tema. Eu, que gosto de saber a história e de perceber as histórias das mulheres, para apreender o sentido da verdadeira feminilidade. Quando o Joffre Justino fala sobre a cultura angolana sinto-me bacienta e palidamente ignorante. Ela ajudou-me a perceber o que perdia no desconhecimento. Através das suas etnografias, as mulheres começaram a receber mais atenção numa outra qualidade: a de objectos de estudo por parte dos investigadores sociais.
"Claro que pela perspectiva de uma antropóloga, as metodologias e as questões eram vistas à luz de uma lógica diferente. Partindo do contexto colonial a par dos movimentos feministas, que começaram a aparecer nos anos 30 do século passado, emprestavam um cunho algo ideológico à problemática e, de certa forma, como uma realidade alternativa à cultura ocidental. Nalguns casos, como no caso das colónias francesas, deu-se uma espécie de “movimento de libertação” das mulheres africanas por parte das feministas francesas tentando “resgata-las” do jugo de uma sociedade que as reprimia. O ponto de vista emic não foi aqui compreendido e por conseguinte, o papel real que a mulher tinha na sociedade..
Passada a época colonial e o “calor” dos movimentos feministas da primeira metade do séc. XX, a importância da mulher dentro da sua sociedade começou a ser melhor compreendida quando se observou o seu papel de actor social interveniente na economia, politica e religiosidade da sua própria cultura. Mas mesmo assim os ecos desse passado recente é retido pelos investigadores que, se deparam com uma situação algo paradoxal em que por um lado a mulher é detentora de uma relativa independência económica em praticamente toda a Africa, podendo ascender a um determinado status social e politico e por outro, estar submetida aos seus parentes masculinos e a determinados ritos de passagem para ser completamente aceite na sociedade. A questão de géneros não deixa de estar completamente entrelaçada em todos os aspectos da vida das comunidades africanas, cabendo compreender estas estruturas que sustentam as suas culturas. Questões como a honra e o prestígio parecem estar nas mãos das mulheres, daí ser necessário um controlo sobre elas, seja através da autoridade masculina ou das balizas culturais hegemónicas. Aparece-nos assim uma nova visão da mulher africana, em particular nas questões económicas, podendo-se observar mesmo nos lugares onde as mulheres mantêm rendimentos separados dos maridos ou demais familiares com uma relativa independência, quando não totalmente independentes.
As esferas masculinas e femininas mantêm-se separadas e em muitas sociedades o estatuto social ou político é obtido independente dos homens. Não se observa uma igualdade “democrática” entre géneros estando cada um consciente do seu papel na sociedade. Aparentemente a questão da equidade é algo que o relativismo cultural ocidental procura em algumas sociedades africanas.
Para muitos investigadores o matriarcado puro nunca existiu, apenas uma questão de status social, provavelmente numa altura em que as sociedades dependiam quase exclusivamente da agricultura praticada pelas mulheres em que detinham um prestígio muito maior do que aquele que se observa actualmente. As mulheres africanas como detentoras da economia familiar sempre se tem verificado, inclusive durante o período colonial em que as estruturas sociais foram modificadas ao ponto de lhes retirarem poderes, quer a nível político, quer a nível económico. O papel dos cultos de possessão em que seriam as principais intervenientes também se traduzia em poder politico, que acabou por se perder com a chegada dos missionários e com as politicas coloniais com não eram de forma alguma compatíveis com o sistema social que equilibrava os dois sexos. Claro que antes e depois do colonialismo os processos de interacção dos dois sexos não se apresentam estáticos e estão sempre a modificar-se, mas o colonialismo veio trazer perda de status com repercussões que ainda se reflectem dos dias de hoje. Mas se o seu poder, salientando o económico, foi devastado pelo colonialismo a reacção ao problema também não foi pacífico. As mulheres reagiram de varias formas numa tentativa de o restaurar. Assim, ilustra-se como uma introdução de elementos estranhos a uma cultura pode altera-la por vezes de modo permanente, descaracterizando-a. Essas alterações repercutem-se a todos os níveis da sociedade, não só a nível económico, mas como no caso dos rituais de iniciação, em que os valores culturais são reafirmados, assumem um papel de integração e contribuem para a coesão social, as dinâmicas sociais acrescentam ou subtraem valores contribuindo para uma preocupação acrescida dos mais velhos em relação aos mais jovens.
Durante a época colonial muitos rituais foram suprimidos pelas políticas coloniais e pela igreja católica numa tentativa de aniquilar as culturas das comunidades consideradas “atrasadas”. O afastamento das missões acabou por ser uma forma de preservarem os seus costumes, honrarem os antepassados e elevarem a mulher socialmente sem constrangimentos para a sua família. Através da resistência ao cristianismo e insistência nos seus costumes tornaram os rituais num fenómeno cultural sólido. Não ignorando a continuidade dos costumes, não pôde ser evitada uma brecha cultural que possibilitou aos missionários católicos a facilidade de incorporação de rituais africanos nas suas liturgias, graças ás politicas de apropriação da cultura dos povos “purificando-a” mas que ao mesmo tempo descaracterizando-o na sua essência e simbologia. Sabendo que sexo e género não significam a mesma coisa e que devem ser tratados com cautela dentro do seu contexto ou atrevendo-me - a apropriar-me da exegese de Turner, não para explicar símbolos, mas factos sociais."