sábado, 15 de maio de 2010

A educação e a questão feminista no final do século XX (Parte I)



“Uma pedagogia da igualdade entre os sexos, é uma pedagogia que tem em conta que a realidade humana não é una mas é dupla, feita de dois entes semelhantes e diferentes, ao mesmo tempo que também tem em conta que o entendimento que o senso comum – e portanto, também, as práticas quotidianas da escola – faz dessa entidade feita de dois seres diferentes é um entendimento cultural e socialmente construído e, como tal, deve ser questionado pela escola de uma sociedade em mudança.”
Após um quase completo interregno de várias décadas, que corresponde em termos gerais ao regime salazarista (meados dos anos 30-finais dos anos 60), o discurso feminista ressurgiria em Portugal na década de 70. Primeiro de forma pouco articulada, resultando de iniciativas individuais ou de pequenos grupos de activistas, ainda durante os anos do chamado “marcelismo”, e depois de forma generosa mas novamente pouco consistente devido à atomização em inúmeras organizações, nos anos que se seguem à revolução de Abril, surgiria aquilo que alguns autores chamam um “feminismo de segunda vaga”.
Este(s) “novo(s)” feminismo(s), para além da grande intervalo de tempo que os separa, distingue(m)-se do “feminismo de primeira vaga” do início de Novecentos pelas prioridades das suas reivindicações e pelas estratégias de acção. A caracterização da natureza destes movimentos feministas e a análise das principais linhas que os orientaram já foram objecto de uma análise recente (Magalhães 1998) que destacou exactamente a transformação que sofreu a questão da educação enquanto tema do discurso feminista português.
Substituindo a luta pelo acesso ao ensino, o feminismo dos anos 70 elegeu como preferencial ou prioritária a luta contra o papel da Escola na reprodução dos estereótipos sexuais dominantes numa sociedade tida como patriarcal e discriminatória para com o papel das mulheres na vida pública e privada, desde a família ao mercado de trabalho. A clivagem ideológica entre as diversas tendências sensíveis entre as feministas portuguesas impediu, contudo, uma intervenção na área da Educação equiparável na mobilização e nos resultados ao que se passou entre 1978 e 1984 com a campanha “pelos direitos reprodutivos” ou, de forma mais clara, pelo direito à interrupção voluntária da gravidez.
A indefinição ou as contradições quanto à prioridade da “luta pela igualdade” ou pelo “direito à diferença” também dificultou uma definição mais clara dos contornos do discurso feminista português neste período e uma explicitação mais evidente das suas aspirações.
No Boletim da Comissão da Condição Feminina, publicado desde Junho de 1975, a questão da Educação feminina só é tratada com alguma atenção em Setembro de 1977 num artigo sobre a “Situação das mulheres portuguesas perante a Educação” baseado nos dados do censo de 1970 e nos indicadores disponíveis para o sistema educativo até 1975. Aí se constatava, entre outros aspectos, a quase completa feminização do pessoal docente, excepção feita ao Ensino Superior.
(cont.)