sábado, 8 de maio de 2010

A Justiça: a começar pelas carreiras...


António da Silva Gonçalves afirma, com o que julgo ser alguma nostalgia e óbvia preocupação, que quando iniciou as suas funções na Magistratura do Ministério Público (em Nov.1973) se sentia orgulhoso por estar integrado numa instituição onde os magistrados do Ministério Público e Juízes eram uma classe civil prestigiada, ocupando a primazia na consideração social em que eram tidas todas as outras categorias de pessoas no concernente ao desempenho da sua carreira - há algo de “divino”, de “superior”, de inabalável independência, "como se estivéssemos perante uma casta intocável". Diz que estava orgulhoso por ter abraçado esta rara carreira - como diz Laborinho Lúcio, “a judicatura é uma tarefa invulgar feita por pessoas normais”.
Hoje esta apetecida respeitabilidade já não é como era outrora; estudos de opinião (p.ex., na “Visão”) colocam os magistrados abaixo dos médicos, professores, engenheiros, polícias e até jornalistas; Abaixo deles, só ministros e deputados. Igualmente a sondagem difundida pelo “Expresso” de 09.09.2009 dá conta que os Magistrados estão até negativamente abaixo dos políticos: 48,6 % (juízes); 43,3 % (Ministério Público); os Juízes apresentam um saldo negativo de 38,7 %, os Procuradores de 25,3 %, o Governo de 22,2 % e o Parlamento de 9,4 %.
A exteriorização das mútuas acusações entre os magistrados tornada pública através dos principais responsáveis pela área da justiça, incondicional e sublimadamente apoiada pela nossa múltipla comunicação social, faz difundir negativamente a imagem de todos quantos se empenham na causa da justiça. Para além desta singular adversidade reconhecemos nós também que há magistrados que aparecem, inusitada e despropositadamente sem qualquer explicação, a disputar participação em debates públicos sem a necessária discrição ou prudência, tudo isto com a garantia da sua divulgação nas estações de TV, rádio, jornais ou capas de revista.
A remodelação da justiça há-de recair, essencialmente, na elaboração de novas regras a constar dos nossos fundamentais diplomas legislativos, simplificando, tornando-a mais expedita, a vigente tramitação que integra o nosso Código de Processo Civil, expurgando-o da usual burocracia e da inerente força especulativa que os seus múltiplos, variados e particularizados incidentes lhe conferem. Esta denotada e desejada agilização da justiça só será possível se, tendo na devida conta que há que extirpar de cada um dos regimes processuais todas as figuras incidentais desnecessárias e opositoras ao bom andamento da sua tramitação, estiver enraizada na melhor e mais creditada doutrina; e este objectivo terá de ser, inexoravelmente, afiançado pela autoridade das nossas melhores Escolas de Direito que à ciência jurídica dedicam o seu labor, orientado na investigação e procura do saber.
Concretizada a anunciada medida em relação aos Códigos de Processo Penal e Penal, nem sempre bem conseguida, o que esperamos agora é que o Código de Processo Civil mereça uma pronunciada e pensada atenção, humildemente segredando a quem está confiado este objectivo que um tal cuidado deve ser cometido aos nossos conhecidos e eminentes juristas - que os temos entre nós - que da ciência jurídica fazem o seu único desígnio.
O nosso Supremo Tribunal de Justiça, situado na cúpula da nossa organização judiciária faz-se erguer na zona do apoliticismo dos juízes de carreira, fiel ao princípio de defesa do cidadão comum. Igualmente, erigido no cimo desta estrutura organizativa, está também o Tribunal Constitucional. Inevitavelmente um tribunal político vai buscar o seu fundamento ao espaço natural da “justiça política”. É o que Orwell pretende dizer com "o que hoje é verdade amanhã é mentira; basta que quem manda queira." Acondicionados que estamos neste modo de encarar a reforma da Justiça, não querem os Juízes estar no apavorante e ameaçador lugar de Dâmocles, onde uma espada, enorme e pontiaguda o mirava bem na sua testa, presa por uma única ténue crina da cauda de um cavalo e que podia soltar-se a qualquer momento.
Não nos esqueçamos que, como questiona William Shakespeare, "Haverá alguém tão firme que seja insusceptível de ser seduzido?", pelo que urge reinvocar a boa imagem dos juizes, até porque, nas democracias, o poder está cada vez menos “na ponta da espingarda (como dizia Mao Tse Tung), mas na barra de um tribunal.
O que, a julgar pelos casos de Baltazar Garzón (Espanha) e de Maria Lourdes Afiuni Mora (Venezuela), não parece trazer um bom auguro para os juízes.