quinta-feira, 6 de maio de 2010

«Bento XVI sabe que é totalmente impossível ter havido uma aparição»



As semanas que se avizinham, para além dos feriados, trazem-nos à memória Fátima. O Estado Novo era acusado de fomentar o milagre de Fátima, o Fado e o Futebol, numa remodelação e reorientação da simbologia do lema grego "Pão e Circo". O pretexto seria o de virar as atenções do povo português do subdesenvolvimento e do marasmo social em que vivia, em troca de um certo paternalismo. A hierarquia católica, encimada pelo Cardeal Cerejeira, apoiava, sob que forma a História ainda não o demonstrou cabalmente, a ditadura, com a digna e louvável excepção de D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto. Raúl Rego, escreveu, no opúsculo "Para um diálogo com o Sr. Cardeal Patriarca (1968): ?Não comprometerá a hierarquia (...) o facto de um bispo acompanhar, na sua diocese, um ministro, em toda a campanha eleitoral? Não comprometerá a hierarquia o facto de outros bispos mandarem o seminário assistir às sessões de propaganda da União Nacional? E, acima de tudo, não se sentirá comprometido o Sr. Cardeal Patriarca e não se sentirão comprometidos todos os Bispos de Portugal, pelo silêncio absoluto, perante tantos e tantos atropelos à liberdade individual e aos direitos mais sagrados do cidadão?"
A hierarquia católica, conluiada com Salazar, ao proclamar o discutível milagre de Fátima; o Governo, o estadonovista, aplaudia o futebol; o fado triste, fatalista e saudoso, faziam o jogo, segundo os oposicionistas do corporativismo salazarista, da Ditadura, inserindo-se abertamente na propaganda nacionalista-reaccionária.
E hoje, as coisas mudaram assim tanto? Conta-se que o meu avô, naquela linda terra de Vale de Cavalos, maldizia o andor que com velas lhe podia pegar fogo à propriedade, se então era inédito, também agora se sentiria assim. Se voltasse dos mortos, provavelmente voltaria a morrer, por ver um povo sucumbido a dias santos, devotado a um Estado Velho (o Vaticano) que levanta a maior controvérsia e véu pelos escândalos que o envolvem. Parece que aquela velha mão, lenta, rendilhosa e poderosa do Vaticano e dos Bispos portugueses continua a difundir e a propagar o milagre de Fátima, como se fosse a chave da saída para a crise; o futebol está bem - graças a Deus - e vai-se amesendado à gamela do orçamento, rodeado pelas administrações beócias de alguns políticos; o fado prossegue como um produto refinado da nossa melancolia congénita, esbanjando uma tristeza blandiciosa que nos entorpece e adormenta.
Claro que vivemos em democracia; que Salazar e Cerejeira já morreram e, para mais, nem deixaram descendentes; mas neste novo Portugal, em que continuam a ser poucos os que prestam orelha deferente aos dirigentes dos partidos de extrema-direita, os três éfes (Fado, Fátima e Futebol), persistem em manietar a alma de um Povo. Não em deixar-se simplesmente seguir pelos acólitos mas em demandar autos de fé a todos, incluindo aos que nem sequer acreditam em Deus.
Diz-se que a Câmara Municipal de Ourém gastará € 0,5 milhão em Fátima para a visita do Papa Bento XVI, segundo o vereador da autarquia Nazareno do Carmo.
Vai daí a saber que entre os milhares de peregrinos que caminham até Fátima para cumprir promessa ou pedir protecção, um fálo em nome de outros. É um tal Carlos Gil. Um pagador de promessas. Há 10 anos que o faz por outras pessoas, a troco de € 2500.
Julgava eu que só os laicos demandavam a veracidade do fenómeno e o autor da obra «Fátima Nunca Mais», Mário de Oliveira, padre sem paróquia, mantém o tom controverso em relação às aparições da Cova da Iria e afirma que a própria devoção de Fátima «é um engano, é uma ilusão». «As populações não têm culpa de terem sido mal preparadas, mal informadas, de não terem sido esclarecidas ao nível da fé», disse, defendendo que Fátima é «o expoente máximo da alienação e da idolatria». «Não tem nada que ver com Jesus, com as suas práticas, que são práticas políticas, libertadoras, que promovem as pessoas a sujeito» para que intervenham e transformem a sociedade, realçou. Por isso, o «Padre Mário da Lixa», como é conhecido, insurge-se contra a vinda de Bento XVI a Fátima, em Maio. «Ele é um teólogo, e como teólogo sabe que é totalmente impossível alguma vez ter aparecido ou vir a aparecer uma aparição. Se admitirmos isso é melhor rasgar toda a teologia», concluiu.
E são os outros os laicos pecadores que duvidam?