sábado, 15 de maio de 2010

Uma moderna definição de Europa Central

Como definir “Europa Central”? Para o universitário checo Jiri Travnicek, a região é caracterizada por uma perpétua evolução em relação com a história, a geografia e a cultura.
Existe realmente uma Europa Central?
É uma questão de ponto de vista. Se aplicarmos uma grelha de leitura rígida, cruzando história e geopolítica, torna-se difícil distinguir claramente uma Europa Central. Em contrapartida, com uma grelha de leitura mais matizada, ou seja, cultural, encontramos algo de mais concreto. A Europa Central é um tipo conceptual extremamente arisco. Convém, pois, ter cuidado com ele. Não tem fronteiras, nem império, nem território, que são sempre fonte de disputas e de histeria, ao contrário da cultura, mesmo a mais básica (nomeadamente a cultura gastronómica), que reúne, liga as coisas entre elas e procura os pontos comuns.
O conceito de Europa Central remete, então, unicamente para uma certa atmosfera cultural, ou também para um território específico? Considera-se sobretudo ligado a uma certa atmosfera; mas penso que se deve igualmente falar de território. Convém dar-lhe contornos concretos, tanto temporais como geográficos. Senão, não fica uma coisa etérea. Julgo possível delimitar o seu território da seguinte forma: Munique a oeste, Szczecin e Gdansk a norte, Vilnius a leste, Novi Sad [Belgrado] e Trieste a sul… Se a Europa Central é concebível sem a Alemanha, é inconcebível sem os alemães e menos ainda sem a língua alemã, cuja presença neste espaço era outrora culturalmente obrigatória.
Como descreveria o espírito centro-europeu a um estrangeiro? Defini-lo-ia pela negativa. Diria que ele difere da Europa Ocidental, cujas tradições estão bem estabelecidas, mas também da Europa de Leste (principalmente da Rússia). É um meio termo entre a ordem ocidental, a civilização e a Ásia nascente, que Metternich aliás apontava como começando para oriente da Rennweg de Viena. Explicaria igualmente que o conceito se manteve por muito tempo na esfera política. E acrescentaria que a Europa Central está intimamente ligada a experiências de exílio. Nos anos 80, exilados como Milan Kundera [nascido na Checoslováquia, vive em França desde 1975] e Czeslaw Milosz [1911-2004, poeta e romancista polaco, naturalizado norte-americano, galardoado com o Nobel da Literatura em 1980], para quem o facto de serem considerados província soviética era inaceitável, interrogaram-se repetidamente sobre o significado do conceito de Europa Central. Acabaram a falar de “história roubada” ou de “Ocidente sequestrado”. Nos anos 90, redescobrimos todos a Europa, mas, de certo modo, esquecemo-nos de retomar a Europa Central. Entre nós há ainda a muito presente temática do cadáver no armário. Veja-se, por exemplo, o caso de Peter Esterhazy [escritor húngaro] e o seu romance “Harmonia Caelestis”, em que retrata o pai com grande admiração. Depois de publicado, foi revelado que o pai tinha colaborado com a polícia comunista. O escritor teve de publicar nova edição do livro, revista e corrigida. Na Europa Central, é aconselhável não se incensar nem aplaudir nada cedo de mais, não escrever nada antes de consultar os arquivos.
A Europa Central esteve sempre banhada na nostalgia do passado, sobretudo da época austro-húngara, mas também do período antes de Ialta. Ora nos deixamos abater pela nostalgia, pensando no passado, ora sonhamos, imaginando o futuro. Erhard Busek [político austríaco muito envolvido nas questões centro-europeias e balcânicas] considerou que o conceito de Europa Central significava uma recusa do “statu quo”, uma revolta contra a chamada “realpolitik”. Tratar-se-ia de uma espécie de presença diferida.
A expressão “Europa Central” não é um exclusivo da época actual. Após 1989 [queda do regime soviético], o termo passou a ser utilizado por eslovenos, croatas, habitantes da Voivodina [na Sérvia] e também por alguns sérvios para invocar uma “exteriorização dos Balcãs” e até por bielorrussos que procuravam na Europa Central um meio de se distanciarem do seu Presidente Lukachenko.