sexta-feira, 7 de maio de 2010

Nas causas da crise financeira ...


Na Exame, Expresso, de Março, um artigo de repetida leitura. Sobre a crise, ainda.
A crise financeira actual, vivida desde meados de 2007, implementou novos palavrões financeiros como o subprime ou os credit default swaps, mas o que trouxe de novo fundamentalmente foi a revelação de que o sistema financeiro sofrera alterações profundas, sobretudo a partir dos anos 1980 e que não se esgota na ideia de que há uma "sistema bancário sombra" desregulado.
O ecossistema que se criou é bem mais complexo. É o que afirma Gary Dymski (professor de Economia na Universidade da Califórnia, em Riverside), que diz também que a pior coisa que os economistas, os banqueiros centrais e os políticos fazem é ignorar as novas realidades do ecossistema financeiro e, como dizia ironicamente Benoit Mandelbrot, o "pai" dos fractais, "esconder o explosivo debaixo do tapete". Desvendar esse novo ecossistema foi o ponto de investigação de Dymski que verificou que o modelo de compreensão do sistema financeiro está obsoleto. Num artigo sobre os resultados da sua investigação, publicado recentemente no 'Cambridge Journal of Economics', ele refere que os bancos não são mais as entidades com maior alavancagem no sistema e que inclusive não estão mais no ponto fulcral dessa dinâmica de financeirização. "O capital financeiro não se tornou só dominante, nem só os ganhos financeiros se tornaram dominantes nos fluxos de rendimento nacionais. Para perceber a dinâmica desta crise e as possibilidades para a dinâmica capitalista pós-crise temos de dar atenção à dinâmica "interna" do sistema financeiro".
O que aconteceu é que um ecossistema de intermediários financeiros conseguiu adaptar-se estrategicamente aos choques nos últimos vinte anos identificando uma cadeia de valor globalizada de rendas financeiras baseada no que já foi designada por estrutura financeira em "partículas" (particle finance, uma expressão cunhada por Charles Sanford, presidente do Bankers Trust, em 1993), ou seja, que pode ser "cortada" como uma morcela em pequeníssimas fatias, "partículas", com dinâmica própria, gerando um sem fim de transacções.
Também a tradicional visão de um sector financeiro a preto e branco, dividido entre o sector bancário tradicional e o "sector sombra", não colhe mais: "Agora temos megabancos com um pé na 'sombra' (o sector desregulado, altamente alavancado, fora das contas) e outro no sector formal, tal como temos novas formas de sector 'sombra' como as firmas de private equity e hedge funds". Trata-se de uma "situação muito fluida". O que isso implica é que as políticas monetárias dirigidas ao sistema bancário e mesmo as políticas orçamentais que visam dinamizar o crédito à economia real podem falhar a sua missão se a reforma do sistema financeiro não for cirúrgica, não atacar o ponto nevrálgico do que gerou esta crise financeira de grande magnitude. Uma das reformas necessárias: reduzir ao mínimo, ou mesmo bloquear, os pontos da cadeia de valor financeira em que se possa criar essa "atomização" de processos e de veículos financeiros. diz Dymski.
Marcam-se duas vagas da financeirização. Esta alteração estratégica ocorrida dentro do sector financeiro a que se refere Dymski tem a ver com uma alteração fundamental que aconteceu no seio do capital financeiro na segunda metade do século XX, modificando radicalmente o panorama que era conhecido desde 1850/1860 quando emergem os primeiros trusts financeiros. Segundo um estudo publicado pelo National Bureau of Economic Research norte-americano, da autoria dos economistas Moritz Schularick, da Universidade Livre de Berlin, e Alan Taylor, da Universidade da Califórnia, em Davis, é possível identificar empiricamente uma mudança de fundo em 14 países desenvolvidos (Alemanha, Austrália, Canadá, Dinamarca, Espanha, EUA, França, Holanda, Itália, Japão, Noruega, Reino Unido, Suécia e Suíça) no que respeita ao capital financeiro ao longo de mais de um século e meio. Em "Credit Booms Gone Bust: Monetary Policy, Levarage Cycles and Financial Crisis, 1870-2008", os autores identificaram "duas eras do capital financeiro". Uma entre 1870 e 1939. Esta primeira vaga de financeirização acabaria por sofrer um colapso dos agregados monetários e do crédito com a Grande Depressão dos anos 1930. Nesta época, apesar da alavancagem, que geraria diversos grandes pânicos financeiros, como em 1873, 1890/1892, 1907 e 1929/1932, "o crescimento da massa monetária e o aumento do crédito eram essencialmente dois lados da mesma moeda", dizem os autores. Seguiu-se uma transição a partir de 1945, com os 30 anos em crescendo no Ocidente e a retoma rápida dos níveis de crédito de antes da 2ª Guerra Mundial por volta dos anos 1970, seguindo-se, depois, um disparo da alavancagem e do risco de uma forma sem precedentes que "desligou" o crédito dos agregados monetários. A anterior relação foi "quebrada". Essa tendência dos últimos 40 anos acabaria por gerar a grave crise financeira dos últimos 3 anos. Mais uma tese a ponderar.