A propósito da luta pela igualdade e nos 35 anos da 1ª manifestação pública feminista em Portugal – Parque Eduardo VII, 13/1/1975. No século XX, atravessado por quatro regimes políticos diferentes – o final da monarquia, a I República, o Estado Novo e a democracia -, a situação das mulheres em Portugal mudou radicalmente.
No princípio do século XX, a situação da mulher no seio da família era regulada pelo Código Civil napoleónico de 1867 – Código de «Seabra» -, que obrigava a mulher casada a residir no domicílio do marido; a prestar-lhe obediência e não a autorizava, sem o consentimento dele, a administrar, adquirir, alienar bens, publicar escritos e apresentar-se em juízo.
Em vigor até 1967, esse Código tinha várias outras cláusulas que se diferenciavam consoante se referissem ao homem ou à mulher: por exemplo, o homem podia solicitar o divórcio sempre que a mulher praticasse adultério, enquanto que esta só o podia fazer se o adultério tivesse sido praticado «com escândalo público».
O regime republicano atenuou desde logo algumas dessas normas que subjugavam as mulheres casadas aos maridos e aboliu certas diferenciações jurídicas consoante o sexo. As leis do Divórcio e da Família de 1910 estabeleceram a igualdade entre os cônjuges quanto às causas da separação e na sociedade conjugal. Entre outras coisas, a lei do Divórcio eliminou um artigo do Código Penal de 1886, segundo o qual a esposa adúltera era punida com prisão maior celular de dois a 8 anos, enquanto o homem casado adúltero era condenado a uma simples multa que podia ir de 3 meses a 3 anos do seu rendimento.
O que nunca foi conseguido durante a I República foi o sufrágio feminino. Lembre-se que o regime republicano concedeu, em 1911, o direito de voto aos portugueses com mais de vinte e um anos que soubessem ler e escrever e aos chefes de família, sem especificar o sexo dos eleitores. Esse argumento foi utilizado por Carolina Beatriz Ângelo, que era viúva e chefe de família, para votar, mas, a partir de 1913, o regime republicano especificou que só os «chefes de família do sexo masculino» podiam eleger e ser eleitos.
Com o advento do Estado Novo, a situação da mulher regrediu. Em 1932, em resposta a uma pergunta de António Ferro sobre qual seria o papel destinado à mulher no novo governo e regime, o recém-empossado Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, afirmou que «…a mulher casada, como o homem casado, é uma coluna da família, base indispensável de uma obra de reconstrução moral» e «a sua função de mãe, de educadora dos seus filhos, não era inferior à do homem». Segundo ele, devia-se deixar «o homem a lutar com a vida no exterior, na rua… E a mulher a defendê-la, no interior da casa».
Para Salazar, os homens e as mulheres não eram encarados como indivíduos mas como membros da família, o núcleo primário «natural» e «orgânico» do Estado Novo corporativo. As mulheres, que constituíam o «esteio» dessa família tradicional defendida pela ideologia salazarista, tinham sido atiradas pelo regime liberal para o mercado de trabalho onde entravam em concorrência com os homens e por isso, com o novo regime, deveriam regressar ao «lar». Para defender esse regresso à família e a separação de esferas de actuação entre homens e mulheres, Salazar aparentemente valorizou o papel de mãe e de esposa.
Mas a apregoada «superioridade» feminina era derivada da sua função «natural» – portanto biológica. Como a ideologia salazarista não se pautou pelos conceitos de «cidadania», de «igualdade» e de «liberdade», só aceitou o princípio da «diferença sem a igualdade» em vez «da igualdade na diferença», reservou às mulheres uma esfera própria de actuação – privada e pública – mas não atribuiu ao espaço feminino um valor igual ao do masculino porque o subalternizou hierarquicamente em função do sexo.
As leis que, no regime salazarista, regularam os direitos políticos das mulheres e a sua situação na família, no trabalho e na sociedade basearam-se na Constituição de 1933. Embora afirmando a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e negando «o privilégio do sexo», esta incluía uma cláusula que consagrava as excepções ao princípio de igualdade constitucional: «salvo, quanto às mulheres, as diferenças da sua natureza e do bem da família». Ou seja, em nome de um factor biológico – a «natureza» – e de um factor ideológico – o «bem da família», as mulheres seriam discriminadas.
Os traços discricionários do Código Civil de 1867, atenuados pelo regime republicano, voltaram em força com o Estado Novo. O Código do Processo Civil de 1939 reintroduziu o poder concedido ao marido de requerer a entrega e «depósito» judicial da mulher casada. Este possibilitava ao marido, em caso de saída da mulher da casa familiar, exigir judicialmente que ela fosse aí compulsivamente «depositada» em sua casa, como se fosse um fardo. As mulheres deixaram também de poder exercer comércio, viajar para fora do país, celebrar contratos e administrar bens sem o consentimento do marido.
Quanto ao divórcio, o grande golpe à lei republicana de 1910 foi desferido com a celebração da Concordata entre a Santa Sé e o Estado português, em 1940, que passou a reconhecer os efeitos civis do casamento celebrado segundo as leis canónicas. O casamento tornou-se indissolúvel a partir de então e, por conseguinte, todos os casados pela Igreja – a larguíssima maioria -, que se separavam, já não se podiam voltar a casar. Esta situação que vigorou até 1974, gerou muitas situações de ligações extra-matrimoniais não legalizadas e aumentou o número já de si grande, dos filhos ilegítimos.
Em 1961, um novo Código do Processo Civil substituiu o de 1939 mas manteve «a entrega e o depósito judicial da mulher casada», que só seria anulada em 1967, quando entrou finalmente em vigor o novo Código Civil.
No Código Civil de 1967, continuou, porém, a prevalecer a autoridade masculina, pois o marido permanecia «chefe da família» com poderes decisórios relativamente a todos os actos da vida conjugal. Quanto à mulher era responsabilizada pelo governo doméstico mesmo se trabalhasse fora do lar. A administração dos bens do casal continuava a caber ao marido e a mulher continuava obrigada a adoptar a residência do marido e a estar impossibilitada de sair do país, exercer comércio ou movimentar depósitos bancários sem o consentimento dele.
Também o Direito Penal tinha normas que penalizavam particularmente as mulheres e alguns crimes ditos «femininos». No Código Penal de 1886, que vigorou durante o Estado Novo, o homicídio da mulher cometido pelo homem casado era punido com 3 meses de desterro fora da comarca, enquanto no crime cometido pela esposa, a pena tinha o mesmo grau de brandura só se o marido mantivesse «concubina teúda e manteúda na casa conjugal»
O Estado Novo manteve a autorização da prostituição em casas toleradas, tendo o Estado Novo mantido a situação, limitando-se, inicialmente, a regular a matéria por via administrativa e só considerando o proxenetismo como crime quando exercido relativamente a menores. Em 1962, a prostituição foi proibida e as prostitutas, equiparadas a «vadios», foram sujeitas a 1 ano de prisão e a multa. Relativamente à prática de aborto, o Código Penal punia-o com pena de prisão maior celular de 2 a 8 anos.
Quanto ao direito ao voto, a Ditadura estabelecera, em 1931 que «as mulheres, chefes de família viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente e as mulheres casadas cujo marido está ausente nas colónias ou no estrangeiro» podiam pertencer às juntas de freguesia e, em 1933, o direito de voto das mulheres foi estendido às eleições para as câmaras. Note-se que a capacidade eleitoral das mulheres, tal como a dos homens era determinada em função da chefia da família. Em 1934, novo diploma possibilitou o sufrágio e a elegibilidade para a Assembleia Nacional e para a Câmara Corporativa, às mulheres com mais de 21 anos, solteiras com rendimento próprio, assim como às casadas e às chefes de família com diploma do ensino secundário ou que pagassem determinada contribuição predial.
Foi assim, por paradoxo, que o Estado Novo foi o primeiro regime português a conceder em Portugal o direito de voto e de elegibilidade às mulheres, embora sob certas condições. Como disse a deputada Cândida Parreira, Salazar abrira as portas do hemiciclo às mulheres, porque percebera a sua importância no combate pela moralização, educação, assistência e defesa da família. Mas especificou que o voto feminino não tinha sido conquistado pelas mulheres mas «decretado»pelo «Chefe».
Em vigor até 1967, esse Código tinha várias outras cláusulas que se diferenciavam consoante se referissem ao homem ou à mulher: por exemplo, o homem podia solicitar o divórcio sempre que a mulher praticasse adultério, enquanto que esta só o podia fazer se o adultério tivesse sido praticado «com escândalo público».
O regime republicano atenuou desde logo algumas dessas normas que subjugavam as mulheres casadas aos maridos e aboliu certas diferenciações jurídicas consoante o sexo. As leis do Divórcio e da Família de 1910 estabeleceram a igualdade entre os cônjuges quanto às causas da separação e na sociedade conjugal. Entre outras coisas, a lei do Divórcio eliminou um artigo do Código Penal de 1886, segundo o qual a esposa adúltera era punida com prisão maior celular de dois a 8 anos, enquanto o homem casado adúltero era condenado a uma simples multa que podia ir de 3 meses a 3 anos do seu rendimento.
O que nunca foi conseguido durante a I República foi o sufrágio feminino. Lembre-se que o regime republicano concedeu, em 1911, o direito de voto aos portugueses com mais de vinte e um anos que soubessem ler e escrever e aos chefes de família, sem especificar o sexo dos eleitores. Esse argumento foi utilizado por Carolina Beatriz Ângelo, que era viúva e chefe de família, para votar, mas, a partir de 1913, o regime republicano especificou que só os «chefes de família do sexo masculino» podiam eleger e ser eleitos.
Com o advento do Estado Novo, a situação da mulher regrediu. Em 1932, em resposta a uma pergunta de António Ferro sobre qual seria o papel destinado à mulher no novo governo e regime, o recém-empossado Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, afirmou que «…a mulher casada, como o homem casado, é uma coluna da família, base indispensável de uma obra de reconstrução moral» e «a sua função de mãe, de educadora dos seus filhos, não era inferior à do homem». Segundo ele, devia-se deixar «o homem a lutar com a vida no exterior, na rua… E a mulher a defendê-la, no interior da casa».
Para Salazar, os homens e as mulheres não eram encarados como indivíduos mas como membros da família, o núcleo primário «natural» e «orgânico» do Estado Novo corporativo. As mulheres, que constituíam o «esteio» dessa família tradicional defendida pela ideologia salazarista, tinham sido atiradas pelo regime liberal para o mercado de trabalho onde entravam em concorrência com os homens e por isso, com o novo regime, deveriam regressar ao «lar». Para defender esse regresso à família e a separação de esferas de actuação entre homens e mulheres, Salazar aparentemente valorizou o papel de mãe e de esposa.
Mas a apregoada «superioridade» feminina era derivada da sua função «natural» – portanto biológica. Como a ideologia salazarista não se pautou pelos conceitos de «cidadania», de «igualdade» e de «liberdade», só aceitou o princípio da «diferença sem a igualdade» em vez «da igualdade na diferença», reservou às mulheres uma esfera própria de actuação – privada e pública – mas não atribuiu ao espaço feminino um valor igual ao do masculino porque o subalternizou hierarquicamente em função do sexo.
As leis que, no regime salazarista, regularam os direitos políticos das mulheres e a sua situação na família, no trabalho e na sociedade basearam-se na Constituição de 1933. Embora afirmando a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e negando «o privilégio do sexo», esta incluía uma cláusula que consagrava as excepções ao princípio de igualdade constitucional: «salvo, quanto às mulheres, as diferenças da sua natureza e do bem da família». Ou seja, em nome de um factor biológico – a «natureza» – e de um factor ideológico – o «bem da família», as mulheres seriam discriminadas.
Os traços discricionários do Código Civil de 1867, atenuados pelo regime republicano, voltaram em força com o Estado Novo. O Código do Processo Civil de 1939 reintroduziu o poder concedido ao marido de requerer a entrega e «depósito» judicial da mulher casada. Este possibilitava ao marido, em caso de saída da mulher da casa familiar, exigir judicialmente que ela fosse aí compulsivamente «depositada» em sua casa, como se fosse um fardo. As mulheres deixaram também de poder exercer comércio, viajar para fora do país, celebrar contratos e administrar bens sem o consentimento do marido.
Quanto ao divórcio, o grande golpe à lei republicana de 1910 foi desferido com a celebração da Concordata entre a Santa Sé e o Estado português, em 1940, que passou a reconhecer os efeitos civis do casamento celebrado segundo as leis canónicas. O casamento tornou-se indissolúvel a partir de então e, por conseguinte, todos os casados pela Igreja – a larguíssima maioria -, que se separavam, já não se podiam voltar a casar. Esta situação que vigorou até 1974, gerou muitas situações de ligações extra-matrimoniais não legalizadas e aumentou o número já de si grande, dos filhos ilegítimos.
Em 1961, um novo Código do Processo Civil substituiu o de 1939 mas manteve «a entrega e o depósito judicial da mulher casada», que só seria anulada em 1967, quando entrou finalmente em vigor o novo Código Civil.
No Código Civil de 1967, continuou, porém, a prevalecer a autoridade masculina, pois o marido permanecia «chefe da família» com poderes decisórios relativamente a todos os actos da vida conjugal. Quanto à mulher era responsabilizada pelo governo doméstico mesmo se trabalhasse fora do lar. A administração dos bens do casal continuava a caber ao marido e a mulher continuava obrigada a adoptar a residência do marido e a estar impossibilitada de sair do país, exercer comércio ou movimentar depósitos bancários sem o consentimento dele.
Também o Direito Penal tinha normas que penalizavam particularmente as mulheres e alguns crimes ditos «femininos». No Código Penal de 1886, que vigorou durante o Estado Novo, o homicídio da mulher cometido pelo homem casado era punido com 3 meses de desterro fora da comarca, enquanto no crime cometido pela esposa, a pena tinha o mesmo grau de brandura só se o marido mantivesse «concubina teúda e manteúda na casa conjugal»
O Estado Novo manteve a autorização da prostituição em casas toleradas, tendo o Estado Novo mantido a situação, limitando-se, inicialmente, a regular a matéria por via administrativa e só considerando o proxenetismo como crime quando exercido relativamente a menores. Em 1962, a prostituição foi proibida e as prostitutas, equiparadas a «vadios», foram sujeitas a 1 ano de prisão e a multa. Relativamente à prática de aborto, o Código Penal punia-o com pena de prisão maior celular de 2 a 8 anos.
Quanto ao direito ao voto, a Ditadura estabelecera, em 1931 que «as mulheres, chefes de família viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente e as mulheres casadas cujo marido está ausente nas colónias ou no estrangeiro» podiam pertencer às juntas de freguesia e, em 1933, o direito de voto das mulheres foi estendido às eleições para as câmaras. Note-se que a capacidade eleitoral das mulheres, tal como a dos homens era determinada em função da chefia da família. Em 1934, novo diploma possibilitou o sufrágio e a elegibilidade para a Assembleia Nacional e para a Câmara Corporativa, às mulheres com mais de 21 anos, solteiras com rendimento próprio, assim como às casadas e às chefes de família com diploma do ensino secundário ou que pagassem determinada contribuição predial.
Foi assim, por paradoxo, que o Estado Novo foi o primeiro regime português a conceder em Portugal o direito de voto e de elegibilidade às mulheres, embora sob certas condições. Como disse a deputada Cândida Parreira, Salazar abrira as portas do hemiciclo às mulheres, porque percebera a sua importância no combate pela moralização, educação, assistência e defesa da família. Mas especificou que o voto feminino não tinha sido conquistado pelas mulheres mas «decretado»pelo «Chefe».