sábado, 8 de maio de 2010

Rating e crises: aferição de culpa e mensurabilidade de responsabilidades



É, definitivamente, uma honra escrever para o Jornal Alpiarcense e para o Notícias do Ribatejo. Escrevi para eles um artigo que será publicado amanhã sobre a crise (não a financeira, que essa preocupa mas é superável) identitária de Alpiarça. Um outro colaborador, o Rui Namorado, redigiu um artigo absolutamente revelador sobre a crise financeira que atravessa o País e que subscrevo na íntegra. Aqui vai tal como publicado.
"As agências de “rating” desempenharam um papel de claro agravamento, quanto ao modo e ao grau como as consequências da crise do capitalismo mundial se têm feito sentir sobre a Grécia. Disso, hoje, ninguém duvida.
Também parece claro que o risco de se fazerem sentir esses efeitos com intensidade semelhante, em países como Espanha, Irlanda, Portugal, além de outros, deriva, quase por completo, de se admitir que essas agências se venham a comportar para com esses países como se comportaram com a Grécia. Aliás, elas deram já nesse sentido os primeiros passos.
Elas podem ter agido por simples incompetência, podem ter actuado sob o impulso de preconceitos ideológicos ou, simplesmente, como agentes participantes em complexos processos de fraude, planeados e concertados em articulação com os seus beneficiários. Mas essas manobras fraudulentas, ou simplesmente levianas, vieram a repercutir-se na vida de milhões de pessoas, de muitas e muitas empresas, de vários países.
Por fraudes menos graves e por serem causadores de um leque de infelicidades muito mais modesto, são julgadas e condenadas, todos os dias, em todo o mundo, pessoas e responsabilizadas organizações. Como aspecto normal da vida das instâncias políticas democráticas, em muitos casos, os resultados eleitorais penalizaram fortemente forças partidárias responsáveis por erros e prejuízos muito menores do que aqueles que foram causados pelas referidas agências.
E, no entanto, ninguém parece disposto a incomodá-las, acontecendo até que a superfície mais ostensiva de muitos discursos políticos oficiais deixa transparecer com frequência, implicitamente, a quase completa absolvição das agências de “rating”, pela sua participação fraudulenta na crise. Pelo contrário, ao mesmo tempo, parece condenar exclusivamente um, outro e outro povo, pelas políticas que foram seguidas pelos respectivos governos. Isto, apesar de, na grande maioria dos casos, esses governos terem estado, no essencial, em consonância com as principais recomendações das instâncias internacionais públicas de controle económico. Instâncias que, aliás, hoje mais ou menos claramente, parecem querer admoestá-los. Tudo isto sem falar no ridículo que é o de se dizer que o país A ou B vive, viveu ou quer viver, acima das suas possibilidades, como se em todos eles não houvesse ricos nem pobres, mas apenas uma hipotética seara de pessoas iguais. E sem falar no escândalo de, para corrigir o país “gastador”, se pretender cortar no pouco pão dos que têm menos, deixando-se à solta o desperdício dos que têm demais.
Aliás,em consonância com esses cínicos acordes de um ressequido neoliberalismo, pelo menos em Portugal, alguns políticos de direita, e um ou outro fazedor de opinião, tiveram a desfaçatez de culpar o nosso país, por ter ficado na mira das agências de “rating”. Como se a possível fraqueza de uma vítima alguma vez deva ser passível de uma qualquer censura em detrimento da que há-de naturalmente resultar da culpa visível, ostensiva e grosseira do respectivo agressor."