sábado, 15 de maio de 2010

A educação e a questão feminista no final do século XX (Parte V)



Aliás, um dos aspectos mais curiosos da inversão de posições que se tem vindo a constatar é o das interrogações formuladas, em particular nos países anglo-saxónicos, por diversas(os) investigadoras(es) quanto às razões do actual insucesso escolar comparativo dos rapazes. Ultrapassando as meras exposições académicas, esta é uma problemática que se alargou à imprensa com diversas polémicas como a que se seguiu à publicação por Christina Sommers do longo e crítico artigo “The War Against Boys” nas páginas da revista The Atlantic Monthly em Maio de 2000 ou ao provocador título de Madsen Pirie, “How exams are fixed in favour of girls” no The Spectator de Janeiro de 2001, para apenas citar alguns exemplos de grande divulgação.
Uma resposta equilibrada para algumas destas questões é adiantada num estudo de Luísa Arsénio Nunes de que temos vindo a usar alguns dados, no qual se sublinha a conjugação de diferentes factores sócio-demográficos para o maior sucesso das mulheres no sistema educativo: “O maior sucesso escolar das raparigas em relação aos rapazes, em todas as sociedades ocidentais, não parece surgir como um resultado de acções positivas no campo da Igualdade de Oportunidades, mas parece estar sobretudo ligado à mudança da estrutura familiar: à generalização das famílias nucleares, ao aumento das famílias monoparentais e ao crescente número de mulheres vivendo sozinhas. Nestes contextos, as raparigas não podem mais contar com uma família que as sustente a troco de trabalho doméstico, e têm que encontrar os seus próprios meios de subsistência.
A escola surge então, para as raparigas, como o único meio socializador que capacita para a vida profissional.”
Mais do que a aplicação de teorias pedagógicas igualitárias, a acção mais eficaz parece partir das dinâmicas em movimento numa sociedade em mudança e que tem vindo a criar condições e possibilidades novas e diferentes para os indivíduos de ambos os sexos. A opção/aposta pela escolaridade das raparigas, por elas próprias e respectivas famílias, e um maior sucesso escolar feminino são imperativos perante as novas condições de vida que não permitem que, em sociedades desenvolvidas, metade da população continue afastada da Educação e do Trabalho.
A permanência de discursos feministas “agressivos” na área da Educação é, na conjuntura actual, um relativo anacronismo. Tendo sido muito importantes em determinados contextos, alguns sectores muito activos na promoção de acções visando uma “Pedagogia da Igualdade” parecem falhar, ou não compreender, o cerne da questão actual e estar desatententos à evolução da sociedade actual. Os principais mecanismos que provocam desigualdade de oportunidades nas escolas portuguesas e impedem uma efectiva democratização do sucesso escolar não são gerados internamente, nem se fazem sentir principalmente sobre o sexo feminino. Pelo contrário, partem da sociedade envolvente que, independentemente dos sexos, condiciona as oportunidades de cada indivíduo à chegada à Escola e o espera, mais ou menos depois, à saída, na transição para o mundo do trabalho.
Numa perspectiva mais ampla e decisiva do que a relação entre os géneros, a Escola pode tentar diminuir os handicaps de determinados grupos de indivíduos que nela passam oito horas por dia durante nove ou mais anos, mas dificilmente tem meios para erradicar as situações socio-económicas desfavoráveis que os envolvem no seu contexto familiar e limitam severamente as aspirações futuras.
“Não é estranho, no entanto, que haja esta acentuação dos aspectos relativos ao sistema escolar, ao seu funcionamento pedagógico e administrativo. É que não é socialmente isento de escândalo o facto de uma sociedade canalizar compulsivamente todos os seus membros para o acesso e usufruto de um bem social que considera essencial, alimentando inclusivamente fortes expectativas sociais em torno desse benefício, quando, depois, mais parece não fazer do que preparar, para uma certa parcela de cidadãos, a armadilha social da exclusão. Como se uma parte dos convidados para o banquete fosse dele expulsa, sem mais, ao fim da sopa.”