quinta-feira, 13 de maio de 2010

Arte da azulejaria no Ribatejo: reviver e ficar feliz


Al-zuleique é a palavra árabe que originou o português azulejo, aquela "pequena pedra lisa e polida" usada pelos muçulmanos, no tempo da Idade Média.
A forma como usavam os azulejos para decorar chão e paredes agradou aos nossos reis e começaram a ser produzidos em Portugal no final do século XV. Ganharam um lugar privilegiado na arquitectura ao longo dos séculos e podemos dizer que Portugal os adoptou de forma ímpar, como em nenhum outro país europeu.
Foi no século XVIII que o azulejo "invadiu" igrejas e conventos, palácios e casas, jardins, fontes e escadarias. Com padrões geométricos, contando histórias da vida de santos ou temas profanos como as fábulas de La Fontaine, por vezes legendados como uma versão antiga de banda desenhada, tornou-se um dos principais elementos decorativos portugueses. Para quem ama azulejaria não perca a visita à Igreja de Stª Maria do Olival, a Capela de N. Srª da Piedade, o Convento de Stª Iria e a toponímia e paineis de azulejos das ruas da Cidade. Mas não perca também a graciosidade dos abundantes jardins arrendados de azulejaria do século XVII e XVIII da Casa dos Patudos.
Há todo um património azulejar extraordinaramente rico, que ostenta séculos de História, e não se importa em se deizra ver numa das mais recôndita igrejinhas das terras da Charneca ou num simples coreto, pintando de matizes e paletes as pequenas aldeias das Serras D’Aire e Candeeiros. O azulejo está tão vivo, ainda, na vivência do dia a dia, que se corre o risco de não se dar por ele, apesar de ele aí estar, enquanto se espera pelo comboio numa estação de caminho de ferro ou quando valor aliviar o stress ou fazer compras a sério no antigo mercado municipal scalabitano.
Abranje várias - diz-se que todas - as épocas da produção azulejar, desde as mais antigas presenças da cerâmica árabe, via Sevilha, até ao último século do milénio, regateando composições decorativas que revestem as fachadas urbanas e traduzem a simbologia das lojas tradicionais.
Isto é Ribatejo! A pena de um povo que dá corte ao mais pálido dos tons do cinzento. Pega, com um ar desinteressado, em pequenos e grandes espaços e campos de luz, de Norte para o Sul, e reflecte a força da sua alma do azulejo. Deu-lhe vida, ofereceu-lhes animação e emprestou uma cor mais cintilante ao revestimento no interior das igrejas ou alma e carácter ao exterior de edifícios citadinos, onde partilhamos a cerâmica e azulejaria no nosso quotidiano.
Ribatejo para se percorrer, aldeia a aldeia, cidade a cidade, numa volúptia de recusa em deixar passar o tempo, a ir vendo, pensando, vivendo. Eis diante de nós lindos painéis de azulejos – pintura popular ou de mestres – que embelezam a atmosfera da província.
Porque os templos religiosos como espaços fechados, de ambiência claustral, só a beleza do azulejojá recriaria a viva religiosidade destes locais. Presentes em todo o Ribatejo, em força em Santarém, mas também nas mais afastadas vilas e aldeias. Pode variar o formato, a clarividência da sua luz, a alegria da sua cor, mas o resultado final é a franquia das portas de muitas igrejas ribatejanas. A redescobrir.
As primeiras obras conhecidas do azulejo no Ribatejo, como revestimento religioso, são do século XVI (azulejaria arcaica). Vá por Coruche, e maravilhe-se com a Igreja de São Pedro uma riquíssima nave revestida de azulejos dos tipos padrão e tapete. Passe depois por Santarém, e perda-se ante a beleza das Igrejas de Santa Iria e São Nicolau, ou na capela de Nossa Senhora do Monte, com um silhar de azulejos seiscentistas do tipo padrão. Não perce a Igreja de Santa Cruz, na capital ribatejana, em que azulejos do tipo tapete, azuis e amarelos seiscentistas forram os parietais da nave e da capela-mor. Na casa da Irmandade, anexa à Igreja, admira-se um magnífico silhar de azulejos setecentistas com vários painéis azuis e brancos decorados por temas religiosos e paisagísticos. Na Igreja do Santíssimo Milagre, para além de azulejos do tipo padrão, aprecie-se um silhar do tipo enxadrezado, seiscentista. Na Igreja Matriz da Chamusca, delicie-se com a belíssima nave revestida por silhares de azulejos verdes e branco. Na Golegã, visite a Igreja Matriz e a Igreja da Misericórdia, às quais o azulejo não deixa de imprimir um toque de sobriedade e o contraste da luz e da sombra contribui para um ambiente belo e sereno. Bem perto da Golegã, na Igreja Matriz da Azinhaga, sobressai uma cartela central com a reprodução cerâmica da Sagrada Eucaristia.
Chegados ao século XIX, verifica-se um aumento da produção na decoração de palácios, mercados, monumentos religiosos, casa comerciais e estações de caminho de ferro por todo o Portugal, por todo o Ribatejo.
A Casa-Museu dos Patudos, em Alpiarça, exibe um riquíssimo património cerâmico, único em todo o país. Imperdoável se não a visitar.
Primeiro foi o tempo do coleccionador José Relvas pesquisar e adquirir por toda a Península Ibérica. Simultaneamente deu-se liberdade para que Raul Lino criasse, ele próprio, modelos que retratassem a família, o Ribatejo, Portugal. Um distinto e diversificado espólio, que nos enobrece e se torna imperdoável não conhecer tão peculiar beleza.
Rodeada de altos arvoredos e emoldurada pelas belas lezírias ribatejanas, entramos na Casa-Museu. Começemos a visita pela sala de São Francisco, onde nos maravilhados com os painéis de azulejos que decoram este recinto e que representam passagens da vida de São Francisco. Os painéis, que pertencem à Igreja de Sto. António da Chamusca, datam do século XVIII. Também a sala de jantar está revestida de belíssimos silhares de azulejos mudéjares de origem sevilhana, de grande efeito decorativo e alto valor dos mais antigos entre nós.
Antes de visitar os aposentos de José Relvas, admire, na escada francesa de acesso, o painel de azulejos que decora as paredes. Representa ao fundo A Casa dos Patudos, e em primeiro plano, a Arte e a Agricultura, actividades a que José Relvas, político republicano e agricultor ribatejano, se dedicava com afinco.
Passa o comboio todos os dias, a toda a hora, século e meio depois de aqui, pelo Ribatejo, ter nascido o primeiro troço ferroviário português (Lisboa – Carregado, 1856). A história está no azulejo. Nas estações de caminho de ferro estão retratadas, no azulejo, a vivência do trabalho e o património monumental da província.
O Ribatejo orgulha-se de possuir duas estações ferroviárias com maior valor azulejar: Santarém e Azambuja. Detenha-se um pouco na Estação de Caminhos de Ferro de Santarém e admire os 16 painéis produzidos, em 1927, pela Fábrica Aleluia, em Aveiro. Reveja a ponte sobre o Tejo, reviva a tomada de Santarém aos mouros ou imagine-se na pele de um verdadeiro campino, típica figura ribatejana, bem representada nestas magníficas obras de arte.
Uma paragem na Azambuja impõ-se para se agarrar, pictoricamente, à simbologia do trabalho agrícola e fluvial ribatejanos. A faina do labor no campo e o vigor do retrato – a azul – do quotidiano no Tejo, onde coabitam os transportes (a fragata) e a pesca (avieiros).
Faça uma ida às compras no Mercado Municipal de Santarém. A história e geografia do Ribatejo é retratada no azulejo. Baseados num gosto historicista e nacionalista, estes painéis representam alguns marcos históricos de Portugal e cenas das principais actividades laborais e de lazer.
Entre 1932 e 1934, decorreu uma autêntica campanha azulejar no nosso país. O Mercado Municipal ostenta um valioso núcleo de azulejos de pintura naturalista que aludem à província do Ribatejo. Os painéis revestem as paredes do mercado, entre o Campo Sá da Bandeira e o Largo do Município, paredes meias com o Jardim da República. É um vasto espaço azulejado, composto por moldura imitando o rococó e cornucópias de que saem flores e frutos. Se admirar com mais pormenor a fachada, poderá vislumbrar, sobre a porta principal, um frontão em que é representada uma cena de mercado.
Vale a pena! Recordar Portugal é urgente!