A propósito de “Eros” e sobre “As Saias de Elvira”, diz Eduardo Lourenço, quando lhe falam de erotismo serôdio, que deu um curso na América, em Providence, sobre “Eros e Cristo”, que vai desde Almeida Garrett até Jorge de Sena, numa tentativa de ler esses nossos dois séculos, do Romantismo ao Jorge de Sena, não segundo a lógica tradicional das escolas que se sucedem empiricamente umas às outras, mas descobrindo um núcleo central em torno do qual as coisas funcionassem. É mais fácil fazer isso na ordem da poesia do que na da ficção, mas ambas obedecem aos mesmos cânones. No ano passado, quando viu que estava a chegar ao fim do ano sem publicar nenhum livro, lembrou-se, à última da hora, de organizar este livrinho.
Se se admiraram com “As Saias de Elvira”, será bom lembrarem-se que escreveu o primeiro texto escrito em Portugal sobre o marquês de Sade. Esse texto sobre o Sade foi uma audácia.
As “Saias de Elvira” reúne textos sobre vários escritores, mas é clara a sua predilecção pelo Eça. Conta que Eça de Queiroz foi o primeiro autor moderno que leu. E considera que Eça é uma referência fundamental para a sua geração. Ele morre em 1900 e é então que a Pátria realmente o descobre. A partir daí, em Portugal, é tudo mais ou menos queirosiano. A “Presença” marca depois uma certa reacção. É visível que a grande referência do Régio é o Camilo. E o Torga idem aspas: gostava do Eça, e até andou a comprar uma cadeira que tinha sido dele, mas aquele Eça escarninho, muito Fradique Mendes, não ia lá muito bem com o seu telurismo.
Em “As Saias de Elvira” também realça a modernidade do Eça, por contraste com a dos seus companheiros geracionais. A diferença entre o Eça e os outros é que era o mais viajado. Chegou a França quando já conhecia bem a América e tinha uma noção clara do que aquilo era. Parece que teve uns amores em Havana. A sua visão era muito cosmopolita e universalizante. Todos os outros são mais provincianos, na ordem dos sentimentos e na maneira de ser. O Eça também teve duas fases, porque depois quis regressar ao ninho paterno. Mas viveu, de facto, a crise universal da civilização, e interessou-se por tudo. Era um homem mesmo muito inteligente, e com uma graça que nenhum dos seus companheiros tinha. O Oliveira Martins, ao lado dele, é um provincial. Como eu. Esse sarcasmo do Eça, se não excluía o afecto que tinha por Portugal, também apresentava o país como uma coisa sem remédio, sem saída. Um olhar que hoje se pode encontrar, por exemplo, no Vasco Pulido Valente... Sim, sim, vem dali direitinho.
A sua obra, desde “O Labirinto da Saudade”, não passa também um pouco essa ideia de que o país sofre de uma espécie de bloqueio profundo. A história de Portugal é, de facto, singular. Os portugueses foram para todo o lado, mas nunca saíram, levaram a casinha com eles. Fizeram a mesma coisa na Europa. Salvo uma elite, que se preocupava com o que se passava lá fora – e imitava ou recusava –, a todos os outros foi a Europa que lhes chegou: veio por aí abaixo com os caminhos-de-ferro. Veja-se que o TGV francês já vai em 582 km/hora e o nosso ainda não saiu na estação. E até se percebe que o Governo hesite nestas opções, porque se calhar não há sequer gente que chegue para ir a Madrid.
A geração de 70 foi a primeira a dar-se conta de que, com o Sud-Express, a Europa lhe tinha chegado. Primeiro veio o Napoleão, depois algumas ideias e livros, e finalmente a Europa entrou materialmente por aqui dentro, como aconteceu em Espanha.
Mas a nossa tendência é a de vivermos guetizados. Agora estamos todos, seja aqui ou na Patagónia, a ver o mesmo ecrã. É como o cosmonauta que viu a Terra de fora pela primeira vez. Só que agora a vemos na televisão ou na internet. No entanto, a verdade mais profunda é que a televisão serviu, sobretudo, para aproximar internamente o país. Vila Real e Bragança estão em Lisboa e vice-versa. O país está mais pequeno, mais compacto. Mas, ao mesmo tempo, há uma auto-guetização. Veja um acontecimento como o das qualificações académicas do primeiro-ministro, sem dimensão, sem interesse, nem dentro nem fora de fronteiras, mas que pode ocupar o país um mês inteiro – e ainda a procissão vai na praça. Isto numa altura em que se estão a passar no mundo coisas importantes, que interessam aos destinos da humanidade.
A televisão tem esta capacidade de estar em toda a parte, mas é um espelho que também nos pode reduzir à dimensão de um quarto de dormir. Estamos todos na mesma casa-de-banho. Continuamos numa ilha, agora com vistas para o mundo inteiro, mas que são só vistas. O que nos interessa mesmo é o que se passa cá em casa. Mais uma vez, o Eça ilustrou isto: “O que nos interessa é o pé da Luisinha”.
Os jornais ocupam-se do que acontece lá fora e caem-nos aqui as notícias a dizer o que se passa no mundo. Mas a única coisa que verdadeiramente nos interessa, na ordem internacional, é Timor, e interessa-nos porque que foi nosso, porque se fala lá a nossa língua. Para tudo o resto, estamo-nos nas tintas, são apenas “fait-divers” para divertimento do nosso tédio.
As “Saias de Elvira” reúne textos sobre vários escritores, mas é clara a sua predilecção pelo Eça. Conta que Eça de Queiroz foi o primeiro autor moderno que leu. E considera que Eça é uma referência fundamental para a sua geração. Ele morre em 1900 e é então que a Pátria realmente o descobre. A partir daí, em Portugal, é tudo mais ou menos queirosiano. A “Presença” marca depois uma certa reacção. É visível que a grande referência do Régio é o Camilo. E o Torga idem aspas: gostava do Eça, e até andou a comprar uma cadeira que tinha sido dele, mas aquele Eça escarninho, muito Fradique Mendes, não ia lá muito bem com o seu telurismo.
Em “As Saias de Elvira” também realça a modernidade do Eça, por contraste com a dos seus companheiros geracionais. A diferença entre o Eça e os outros é que era o mais viajado. Chegou a França quando já conhecia bem a América e tinha uma noção clara do que aquilo era. Parece que teve uns amores em Havana. A sua visão era muito cosmopolita e universalizante. Todos os outros são mais provincianos, na ordem dos sentimentos e na maneira de ser. O Eça também teve duas fases, porque depois quis regressar ao ninho paterno. Mas viveu, de facto, a crise universal da civilização, e interessou-se por tudo. Era um homem mesmo muito inteligente, e com uma graça que nenhum dos seus companheiros tinha. O Oliveira Martins, ao lado dele, é um provincial. Como eu. Esse sarcasmo do Eça, se não excluía o afecto que tinha por Portugal, também apresentava o país como uma coisa sem remédio, sem saída. Um olhar que hoje se pode encontrar, por exemplo, no Vasco Pulido Valente... Sim, sim, vem dali direitinho.
A sua obra, desde “O Labirinto da Saudade”, não passa também um pouco essa ideia de que o país sofre de uma espécie de bloqueio profundo. A história de Portugal é, de facto, singular. Os portugueses foram para todo o lado, mas nunca saíram, levaram a casinha com eles. Fizeram a mesma coisa na Europa. Salvo uma elite, que se preocupava com o que se passava lá fora – e imitava ou recusava –, a todos os outros foi a Europa que lhes chegou: veio por aí abaixo com os caminhos-de-ferro. Veja-se que o TGV francês já vai em 582 km/hora e o nosso ainda não saiu na estação. E até se percebe que o Governo hesite nestas opções, porque se calhar não há sequer gente que chegue para ir a Madrid.
A geração de 70 foi a primeira a dar-se conta de que, com o Sud-Express, a Europa lhe tinha chegado. Primeiro veio o Napoleão, depois algumas ideias e livros, e finalmente a Europa entrou materialmente por aqui dentro, como aconteceu em Espanha.
Mas a nossa tendência é a de vivermos guetizados. Agora estamos todos, seja aqui ou na Patagónia, a ver o mesmo ecrã. É como o cosmonauta que viu a Terra de fora pela primeira vez. Só que agora a vemos na televisão ou na internet. No entanto, a verdade mais profunda é que a televisão serviu, sobretudo, para aproximar internamente o país. Vila Real e Bragança estão em Lisboa e vice-versa. O país está mais pequeno, mais compacto. Mas, ao mesmo tempo, há uma auto-guetização. Veja um acontecimento como o das qualificações académicas do primeiro-ministro, sem dimensão, sem interesse, nem dentro nem fora de fronteiras, mas que pode ocupar o país um mês inteiro – e ainda a procissão vai na praça. Isto numa altura em que se estão a passar no mundo coisas importantes, que interessam aos destinos da humanidade.
A televisão tem esta capacidade de estar em toda a parte, mas é um espelho que também nos pode reduzir à dimensão de um quarto de dormir. Estamos todos na mesma casa-de-banho. Continuamos numa ilha, agora com vistas para o mundo inteiro, mas que são só vistas. O que nos interessa mesmo é o que se passa cá em casa. Mais uma vez, o Eça ilustrou isto: “O que nos interessa é o pé da Luisinha”.
Os jornais ocupam-se do que acontece lá fora e caem-nos aqui as notícias a dizer o que se passa no mundo. Mas a única coisa que verdadeiramente nos interessa, na ordem internacional, é Timor, e interessa-nos porque que foi nosso, porque se fala lá a nossa língua. Para tudo o resto, estamo-nos nas tintas, são apenas “fait-divers” para divertimento do nosso tédio.