"Só" é obra de leitura emblemática em si mesma e do fim-de-século português. Combina na perfeição a herança romântica com a estética do Decadentismo e do Simbolismo, que o poeta bem conhecia (como aliás toda a geração coimbrã a que pertence). A obra enquadra a construção de um sujeito dramatizado, narcísico e dândi, mas que, sob a máscara da ironia, esconde o pessimismo e o dolorismo de uma descrença individual que retrata a sua época. No centro desse mundo está um eu forte, escorado na memória das paisagens e das gentes que foram cenário dos tempos felizes, muito vívidos mas sem possibilidade de retorno; os poemas tentam combater essa decepção procedendo ao inventário dos bens passados (lugares, figuras, nomes, circunstâncias), tentando, pela presentificação e pela hipotipose, ancoradas numa memória fotográfica, combater a desaparição de tudo isso no abismo da lembrança. Assim, o sujeito lírico sobrepõe a voz presente com os ecos do passado - o seu, pessoal ou mesmo familiar, e o dos tempos ancestrais, que o fundam como indivíduo e como Lusíada, epítome dos feitos heróicos da História nacional. O eu cinde-se entre o adulto, António, e Anto, sua face ora infantil, ora dândi, representando-se como herói e protagonista mas também como outro, distante de si, numa antecipação do eu fragmentado que os poetas modernistas viriam a trabalhar mais fundamente. O sujeito assume a carga simbólica de ser um avatar do povo português, o que virá a prolongar-se no protagonista do poema inacabado “O Desejado“ (in Despedidas): Anrique, nome arcaizante, corporiza uma variação sobre o mito sebástico, pondo o mito em ruínas ao espelho do Portugal do fim de oitocentos. Herói derrotado, António é, no Só, o Princípe fadado para ser “poeta e desgraçado”, narciso marcado pela memória deceptiva de tudo o que foi e não volta mais, só face a si mesmo e à sua excepcional condição de visionário. Uma leitura cuidada do Só mostra bem que a pretensa ingenuidade visível a uma primeira leitura é um logro: além do que no plano técnico atrás se assinalou, para isso contribui muito o labor poético visível no confronto entre as duas edições feitas em vida de António Nobre, em 1892 e em 1898, não deixando dúvidas a muito detalhada elaboração que sustenta esta poética e o seu universo de motivos, de símbolos e de mitos.
Melhor de ler e reler agora a edição "Só”, que transforma um dos livros mais nostálgicos da história da Literatura Portuguesa, suavizando-o com uma auto-ironia e uma ruptura com a estrutura formal do género poético em que se insere. “Com este Só, de Nobre e Sousa Pereira, ficamos com a mais adulta das leituras da infância, a que a ela regressa, quando isso importa, mas a que dela se liberta, quando nos apetece pensar sobretudo em nós”, escreve Mário Cláudio no prefácio. Pedro Sousa Pereira é co-autor de Comandante Hussi (vencedor do Prémio de Literatura Gulbenkian), Nem Tudo Começa com um Beijo, Paralelo 75 e Cinco Balas Contra a América, e, em 2006, ilustrou o livro Mensagem de Fernando Pessoa e, em 2007, O Livro de Cesário Verde.
Melhor de ler e reler agora a edição "Só”, que transforma um dos livros mais nostálgicos da história da Literatura Portuguesa, suavizando-o com uma auto-ironia e uma ruptura com a estrutura formal do género poético em que se insere. “Com este Só, de Nobre e Sousa Pereira, ficamos com a mais adulta das leituras da infância, a que a ela regressa, quando isso importa, mas a que dela se liberta, quando nos apetece pensar sobretudo em nós”, escreve Mário Cláudio no prefácio. Pedro Sousa Pereira é co-autor de Comandante Hussi (vencedor do Prémio de Literatura Gulbenkian), Nem Tudo Começa com um Beijo, Paralelo 75 e Cinco Balas Contra a América, e, em 2006, ilustrou o livro Mensagem de Fernando Pessoa e, em 2007, O Livro de Cesário Verde.
Mil razões para não o perder e pôr estrategicamente colocado à mesinha de cabeceira a rivalizar com o orginal.