sábado, 8 de maio de 2010

Uma explicação para "A Crise das Identidades" (Claude Dubar)



Foi bom ter relido Dubar, C. (2006), A Crise das Identidades. A interpretação de uma mutação (Porto: Edições Afrontamento). A interpretação de uma mutação em que Claude Dubar aborda os processos de construção identitária e suas transformações na contemporaneidade, fenómenos que analisa a partir da identificação de duas lógicas em presença: as identidades defensivas de tipo comunitário e as identidades construtivas de tipo societário. No último capítulo, inclui um breve texto dedicado ao tema dos processos identitários associados a trajectórias de imigração, onde o autor procura dar conta de factores de conflito e crise identitários.
Claude Dubar é professor da Universidade de Versailles-Saint-Quentin-en-Yvelines, director do laboratório Printemps (CNRS) e investigador que se tem dedicado ao estudo das inter-relações entre educação, trabalho e emprego e dos processos de construção de identidades sócio-profissionais.
Diz o autor ainda em fase introdutória: "Antes de abordar esta questão da subjectividade na sociologia actual, debruçar-me-ei sobre algumas grandes teorias sociológicas que têm, cada uma à sua maneira, levantado esta questão colocando-a no centro de processos históricos considerados como elucidativos (cap. 1). Um ponto comum a estas teorias é a hipótese de que a própria definição de indivíduo e do seu lugar no processo social muda progressivamente ao longo da história. O ponto de vista inicial da determinação, a que Durkheim chamava as «maneiras de fazer, de sentir e de pensar», pela pertença social «objectiva», já não pode bastar a partir do momento em que passa, por exemplo segundo a formulação de Weber, de formas maciçamente «comunitárias» a formas cada vez mais «societárias». Falta saber qual é a natureza desta nova forma de relação social que emerge do processo histórico.
Voltando às teorias que tentaram esta conceptualização duma nova «forma social» (que eu chamo «societária», apoiando-me principalmente em Max Weber), tentei dotar-me de instrumentos de análise e de esquemas de interpretação das evoluções recentes na sociedade francesa. A hipótese é a duma mutação ao longo dos últimos trinta anos da configuração das formas identitárias, no campo da família e das relações entre os sexos (cap. 2), do trabalho e das relações profissionais (cap. 3), do religioso e do político e das relações com as instituições (cap. 4). Mais precisamente, a configuração das formas identitárias, constituídas num período precedente, perdeu a sua legitimidade. E é aqui que se pode falar duma crise de identidades, no sentido de destabilização do agenciamento anterior das formas identitárias.
Qual é o ponto de vista sociológico a adoptar para compreender a emergência destas formas sociais «societárias»? A minha hipótese é que a sociologia clássica tem dificuldades porque tem tendência, como Durkheim, a reduzir o social às formas comunitárias. Mas não existe nenhuma alternativa conjunta à «sociologia clássica», de maneira unificada, ou em vias de unificação, na comunidade sociológica. A razão que eu encontro é a seguinte: as novas «formas sociais» que emergem historicamente das «formas comunitárias» são conceptualizadas sociologicamente de forma, muitas vezes, ambivalente. Os termos «individualismo», «modernização», «racionalização», assim como os qualificativos «liberal», «pós-industrial» ou, a fortiori, «pós-moderno» são demasiado polissémicos e controversos. De facto, é muitas vezes a conceptualização económica que toma o lugar deixado vago pela falta duma conceptualização sociológica satisfatória. A «societária» é, então, assimilada à económica e a identidade pessoal ao modelo abstracto de homo oeconomicus. Ora, a metáfora do capital para designar uma coisa diferente das riquezas quantificáveis (capital «humano», «cultural», «simbólico», «estético», etc.) é tudo menos inocente: ela traz consigo o projecto duma «economia geral das práticas» que consiste em converter todas as identificações em «posições» sobre uma hierarquia e, reagrupando aqueles que têm o mesmo «nível», considerar que eles possuem os mesmos «valores», convertíveis em capitais económicos. Esta é a forma mais comum que a «sociologia clássica» adopta para reduzir o social ao económico, os valores simbólicos aos valores económicos, isto é, só aos seus interesses. Espero que este livro sirva para que se tome consciência desta redução e para abrir outras perspectivas." Claude Dubar "Introdução", pp. 15-16