sábado, 15 de maio de 2010

Que mulheres encontramos no Portugal do início do século XX?



Eis o retrato pincelado por Virgínia de Castro e Almeida: "Gatas Borralheiras com o cérebro vazio, que esperam, sentadas na lareira e com estremecimentos mórbidos, a hipotética aparição do príncipe encantado; criadas graves, que passam a vida com as chaves na mão, sem terem a menor noção de economia doméstica nem de higiene [...]; animais de carga ou de reprodução, rodeadas de filhos que não sabem criar nem educar [...]; bonecas de luxo, vestidas como as senhoras de Paris e com a inteligência toda absorvida na decifração de modas, incapazes de outro interesse ou de outra compreensão; pequenos fenómenos absurdos criados pela excepção de uma instrução levemente superior e que, na vacuidade do meio, aparecem como prodigiosos foles cheiros de vento, assoprados de vaidade [...]".
Este é um dos pontos frágeis da condição feminina no alvor do século: educação e instrução. Com uma taxa de analfabetismo altíssima, só através da escolarização seria possível o reposicionamento sócio-profissional das mulheres e uma maior mobilização na luta pela igualdade de direitos.
Só com mais instrução as mulheres poderiam almejar melhores empregos e salários mais altos, que lhes permitiriam a tão desejada independência económica. A maioria ocupava-se ainda nos trabalhos do campo ou da casa ou em fábricas. Eram poucas as que estavam empregadas nos serviços e comércio ou mesmo na administração pública.
Um caminho que deveria ser acompanhado por profundas alterações legislativas, sobretudo ao nível do Código Civil, mas também do Penal e das leis laborais. O Código Civil obrigava a mulher casada a residir no domicílio do marido, a obedecer-lhe e a pedir--lhe autorização para administrar, adquirir, alienar bens, publicar escritos ou apresentar-se em juízo.
Preceitos não só legais, mas também morais. Em casa, as meninas eram ensinadas a obedecerem ao pai e aos irmãos mais velhos, aprendiam a ser boas donas de casa e como cuidar dos filhos. Os rapazes eram preparados para exercerem uma profissão e a ocuparem-se dos negócios públicos e dos da família.
É contra esta mulher tutelada e discriminada que a par - para não dizer mesmo a reboque - do republicanismo surgem as primeiras movimentações feministas. Mulheres, como Ana de Castro Osório e Maria Veleda, fazem-se ouvir através da escrita ou nos comícios do Partido Republicano para os quais são convidadas.
Auto-intitulam-se feministas, mas dizem que tal não significava "querer as mulheres insexuais [...], mas sim desejá-las criaturas de inteligência e de razão, educadas útil e praticamente de modo a verem-se ao abrigo de qualquer dependência, sempre amarfanhante para a dignidade humana".
A República prometeu-lhes apoio nesta luta. Os principais líderes republicanos estiveram presentes na criação das diversas associações feministas que surgiram ao longo dos 16 anos do regime. Apostaram no ensino feminino, normal e técnico-profissional; aprovaram o divórcio (mais contra a Igreja Católica do que a favor da emancipação das mulheres) e alteraram o Código Civil, mas deixaram neste resquícios de uma visão tradicionalista da mulher.
A República frustrou a maioria das aspirações feministas. A da co-educação foi uma delas. Mas a maior desilusão prendeu-se com a retirada do direito de voto às mulheres.
Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar na Península Ibérica, em 1911, fê-lo ao abrigo de uma lei da Monarquia
Os republicanos foram intransigentes nesta matéria, considerando que a vida política apenas dizia respeito aos homens. Na revisão da Lei Eleitoral, em 1913, ficou explícito que apenas os "cidadãos portugueses do sexo masculino" poderiam votar.
No virar para a década de 20 assistiu-se a uma mudança no comportamento das mulheres. Assistiu-se àquilo a que Gabriela Mota Marques apelida de "virilização da mulher". Inspiradas essencialmente na moda francesa, as portuguesas começam a adoptar novos visuais e novos hábitos. Cortam os cabelos curtos ("cabelo à Joãozinho") e usam vestidos de talhe esguio, que realcem a silhueta, mostrem as pernas, os braços nus e tenham decotes generosos.
Nos locais públicos não têm pejo em fumar, consumir drogas ou bebidas alcoólicas. Vão a clubes e cabarés ouvir novos ritmos e experimentar novas danças. Discutem abertamente os mais variados assuntos, praticam desporto e conduzem automóveis.
Mas com a chegada do Estado Novo são de novo remetidas para o espaço doméstico.