sábado, 22 de maio de 2010

O motor Paris/Berlim precisa de reparação, já!

A amizade franco-alemã, que alimentou a Comunidade Europeia no pós-guerra, é hoje um casamento de "corações frios", "uma comunidade (meramente) funcional", onde predominam os cálculos de poder (Die WeltI). Angela Merkel terá cometido erros ao defender sanções duras contra os países endividados, mas tem razão na questão de fundo. "Nesta crise, a Alemanha está isolada como nunca antes na história da UE. E Paris contribuiu fortemente para isso. É este o drama europeu." Merkel e Nicolas Sarkozy, "uma brandeburguesa protestante e um francês desinquieto, que não têm nada a dizer um ao outro", defendem concepções diferentes. Paris defende uma política económica voluntariosa, que deixa ampla margem de actuação aos responsáveis políticos e apoia uma União de transferências, em que os fortes ajudam os fracos. Berlim, pelo contrário, resiste a qualquer europeização e defende a ideia de regras estritas, em que cada um mobiliza as suas próprias forças e preserva a sua soberania. Neste braço de ferro, é – para já – Sarkozy quem ganha e arrasta a UE para uma governação económica comum, conclui Die Welt. Para o exterior, multiplicam-se as manifestações de unidade. Os governos dos Estados da UE decidiram instaurar medidas para salvar a Grécia, um fundo de auxílio de 750 mil milhões para o euro, novos regulamentos para os fundos especulativos e estarão mesmo à beira de um acordo sobre a escaldante questão das taxas sobre transacções financeiras. Mas é apenas uma coesão de fachada. Nos bastidores, forças centrífugas agem com um efeito destrutivo. Em vez de se unirem neste momento de crise histórica, entregam-se a uma luta brutal pelo poder, contornando as instituições da UE, impondo soluções unilaterais, ignorando os parceiros. Cava-se um novo fosso entre os dois principais actores, a Alemanha e a França. Foi esta semana que chegou a primeira prova pública desta ruptura, quando o Governo alemão, sem pré-aviso, proclamou a sua intenção de proibir as vendas [de produtos financeiros] a descoberto. No dia 20 de Maio, teve lugar em Berlim uma conferência internacional sobre regulação dos mercados financeiros – fora da UE. “A Alemanha volta as costas à União Europeia”, vocifera um representante governamental de alta patente no Conselho Europeu. “Estas medidas seriam muito mais eficazes se fossem coordenadas a nível europeu”, recorda Michel Barnier, o comissário europeu responsável pelo Mercado Interno. No entanto, as instituições da UE são vítimas de um conflito de interesses desencadeado por Berlim e Paris. Só mais tarde se conseguiu saber o que se tinha passado nos bastidores da cimeira de emergência convocada na sequência do pânico de 7 de Maio. Devido a um encontro prévio entre a chanceler alemã, Angela Merkel, e o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, a reunião começou com 2 horas de atraso. Enquanto os outros chefes de Governo aguardavam, a discussão transformou-se num duelo de gritos. Segundo alguns membros da delegação, não se deveram apenas às medidas de recuperação do euro, mas também à política monetária do Banco Central Europeu (BCE), à coordenação económica e ao Pacto de Estabilidade do euro. Ambos saíram da sala de reuniões de semblante carregado. E prosseguiram o despique na presença dos 25 outros chefes de Estado e de Governo. Sarkozy fez finca-pé e chegou a ameaçar retirar-se do euro, contou depois o PM espanhol, José Luis Zapatero.
O Presidente francês tinha criado, com o apoio da Itália, da Espanha e de Portugal, uma frente contra Merkel, a qual acusavam, sobretudo, de hesitação durante a crise grega. “Com isso, custou-nos milhares de milhões de euros”, insurgiu-se um representante governamental. Contra os interesses alemães, Sarkozy obteve o apoio de um BCE que, até então, agia de forma independente. O fosso é “ideológico e motivado por interesses nacionais”. De um lado, temos Paris e os seus parceiros do espaço mediterrânico, que se esforçam, em plena crise, por impor o que sempre quiseram, nomeadamente mais influência política sobre o BCE e uma flexibilização da política de taxas e de valor monetário. E reclamam uma coordenação económica europeia, capaz de minar a competitividade alemã. Do outro lado, fica a Alemanha, que enjeita qualquer culpa e continua a exigir, sozinha, um endurecimento das sanções para defender uma estabilidade rigorosa do euro. A advertência lançada por Angela Merkel foi sintomática: “O euro está em perigo” e apelou a “uma cultura de poupança” mais forte por parte dos Estados da UE. Christine Lagarde, ministra francesa da Economia, ripostou: “Não considero de forma nenhuma que o euro esteja perigo”.
“A UE vive uma crise de confiança interna e externa” (politólogo Paul Luif. Interna), porque as instituições da UE foram redundamente neutralizadas por decisões unilaterais – a Comissão Europeia falhou na função de controladora do sistema. Esta comunidade internacional de Estados já não transmite uma imagem da estabilidade, como o confirma a queda do euro. Em vez de se esforçarem por resolver internamente os problemas e as diferenças estruturais, “procuram outros culpados, como os fundos especulativos e os especuladores”.