sábado, 29 de maio de 2010

A grande história de Baltasar Garzón


Herói incorruptível para alguns; megalómano politizado para outros, depois de ter sido o “derrubador” de Augusto Pinochet e dos ditadores argentinos, entre outros, Baltasar Garzón foi acusado, a 7 de Março, pelo Supremo Tribunal espanhol, de ter faltado aos seus deveres. O juiz mais célebre de Espanha – talvez, mesmo, do mundo – terá abusado do seu poder para investigar a ditadura de Franco, um assunto ainda tabu, coisa que a direita espanhola não lhe perdoa, e arrisca-se a não poder exercer nunca mais.
No decurso dos seus 22 anos de carreira judicial, Baltasar Garzón incomodou muita gente. - Por cá incomodam pouco! Garzón nunca foi um homem discreto. Por cá diriam que "não tinha perfil para o cargo". Nunca fugir e sempre arranjou maneira (ou outros o fizeram por ele) de os dossiês mais escaldantes lhe caissem na secretária. Por cá acontece pouco!
Interessou-se pelo terrorismo puro e duro, passando pelo terrorismo do Estado e seus derivados: a utilização de fundos reservados. E não largou o osso da corrupção urbanística. Garzón conseguiu exportar o seu prestígio para o estrangeiro ao ocupar-se de assuntos também eles apaixonantes: a instrução do processo contra Silvio Berlusconi [por supostos abusos da sua filial espanhola Telecinco] e a emissão de mandatos de prisão contra o ditador chileno, Augusto Pinochet, e Osama Bin Laden.
Os rivais, que nem direito ao seu minutinho de estrelato tiveram, dizem que não se contam entre as suas vítimas nenhum grande administrador de empresas, mas foi precisamente Garzón que se filou como um justiceiro à escala internacional. E, se não se ocupou da falência do banco espanhol Banesto há quem afirme que a sua agressividade diminuiu em certos assuntos complicados ligados aos grandes bancos do país, como o BBVA e o Santander.
A sua trajectória continuava em frente e Garzón, infatigável, continuou a ocupar-se de grandes casos. Mas parecia destinado a ser, apenas, o mesmo magistrado célebre por muitos e muitos séculos porque as suas tentativas para obter um lugar mais importante na Audiência Nacional, no Supremo Tribunal ou no Tribunal Internacional de Haia se saldavam sempre por fracassos. Garzón parecia não ter apoio suficiente por parte dos seus colegas. Havia sempre qualquer coisa a trabalhar contra ele: à direita ou à esquerda formava-se, fatalmente, uma maioria que não o apoiava.
Vendo tudo o que conseguiu, poder-se-ia pensar que a única coisa que faltava a Garzón era a menção no seu curriculum de uma personagem histórica, um cromo para completar a sua colecção. Depois de ter passado pelo crivo a democracia e as suas falhas faltava-lhe examinar o passado. E tirar partido de uma personagem como Franco. Garzón já tinha acertado contas com muita gente, mas nunca se tinha aventurado no território do ditador. Apoiando-se na Lei da Memória Histórica, nas suas imperfeições e nas demandas negligenciadas das famílias de milhares de vítimas de fuzilamentos, Garzón quis instaurar um processo ao franquismo. E como a sua insónia e o seu carácter lhe permitem ter uma capacidade de trabalho notável, lançou-se nesta aventura ao mesmo tempo que punha de pernas para o ar o Partido Popular, por causa do caso Gürtel [um caso de corrupção, fraude e branqueamento que implicava dirigentes do PP].
Garzón viveu sempre acossado pelos aliados da parte afectada pelas suas investigações. Conhece o guião. Está preparado para sofrer pressões, tal como o manifestou num livro em que expõe os seus pensamentos e as suas inquietações (El Mundo sin Miedo, Plaza y Janés, 2005). Soube sempre sair das piores situações com a eficácia de um equilibrista. A outra parte vinha sempre em sua defesa.
Mas não é essa a impressão que têm tido, nestes últimos tempos, os membros dessa sociedade muito fechada que é a magistratura. Desta vez, são muitos os que estão convencidos de que o seu fim está próximo. São muitos os que pensam que Garzón já teve a sua época, que já não é necessário, sobretudo para os políticos. Todos eles foram vítimas da sua inclemência. As suas memórias dão-nos a imagens de um homem convencido de que veio ao mundo com uma missão e que aceita o sacrifício que essa missão lhe exige. O problema é saber se está pronto para viver um final que não tinha previsto. (Presseurope)