domingo, 31 de janeiro de 2010

Intriga política - os palcos norte-americano e português

Revi “Intrigas de Estado” com Russel Crowe, Ben Affleck, Rachel McAdams e Robin Wright Penn,Helen Mirren, Jeff Daniels e Viola Davis. E, ao ler o comentário de Paulo Rangel ao «Sol», desta sexta-feira, sobre a afirmação de que Durão Barroso o teria convencido a candidatar-se à liderança do PSD, diz o próprio que isso não passa de «intriga política». Rangel confirma que, nos últimos 15 dias, «esteve presente em seis rounds de negociações, entre seis deputados e seis elementos da comissão, entre os quais Durão Barroso», mas diz igualmente que nada falaram sobre o tema.
No fim do Verão passado, Pedro Silva Pereira afirmou, sobre as escutas ao PR, que "Os disparates de Verão devem ser tratados como tal e é por isso que o Governo se tem esforçado para não alimentar com comentários aquilo é uma pura intriga suscitada nos jornais sem nenhuma espécie de fundamento e ainda por cima originada em fontes anónimas. Este assunto merece exactamente este distanciamento".
Em comum, um e outro tema, tal como o filme, falam de intriga política.
Acaba de estrear nas montras um livro que irá pôr os círculos políticos americanos em polvorosa. Chama-se "Game Change: Obama and the Clintons, McCain and Palin, and the Race of Lifetime" e é o último e explosivo livro de John Heilemann, da "New York Magazine", e Mark Halperin, da "Time". Durante o último ano, os jornalistas entrevistaram mais de 200 colaboradores próximos da máquina do partido republicano e do partido democrata e revelam agora histórias surpreendentes de intriga política, traição e ignorância. Nas 464 páginas do livro lê-se, por exemplo, que Hillary Clinton montou um gabinete de crise antevendo que o marido, Bill Clinton, pudesse implodir a sua campanha com mais um escândalo sexual. Hillary "tinha um trio de assessores que formava um gabinete de guerra dentro da sala de guerra." Os assessores - especialistas em técnicas de combate a boatos - acabaram por descobrir que Bill mantinha uma relação extraconjugal permanente. "Não era uma relação de uma noite. Era romântica e sólida" dizem. Em matéria de traição, os republicanos não se ficam a rir. Cindy McCain, a mulher de John - o candidato republicano à presidência - também é acusada de infidelidade e foi confrontada directamente com essa possibilidade pelo próprio staff do marido. Neste novo relato da campanha presidencial de 2008, Sarah Palin não fica bem na fotografia. "Quando os seus tutores começavam os briefings, ela desligava de forma rotineira - queixo no peito, braços inertes, olhos no chão, calada e imóvel, perdida naquilo a que os que estavam à sua volta descreviam como estado catatónico" escrevem os jornalistas a propósito da candidata à vice-presidência. Palin - uma desconhecida política conservadora, adepta de caça e mãe de família no longínquo Alasca - foi uma escolha de última hora do Partido Republicano, quando todos pensavam (incluindo John McCain) que era Joe Lieberman a ter o nome inscrito no 'ticket' presidencial. Palin teve um efeito arrasador nas sondagens mas não demorou muito até começar a surgir os problemas. A propósito dos polémicos relatos de "Game Change", Steve Schmidt, conselheiro de topo da campanha do GOP, confirmou a história à CBS: "Palin não sabia nada de nada sobre vastas áreas, incluindo a segurança nacional ou política internacional. Uma semana depois de estar a trabalhar connosco ainda não sabia porque razão há duas Coreias e ainda acreditava que Saddam Hussein estava por trás dos ataques de 11 de Setembro."A energia de Palin era extraordinária e durava para 15 ou 16 horas de estudo diário. Mas uma coisa Palin não conseguia aprender: o nome do seu oponente, Joe Biden. "Sim, é verdade, chamava-lhe sempre senador Obiden", conta Schmidt, expondo as debilidades psicológicas de Sarah: "Num minuto era o seu lado feliz e intenso; no seguinte, caia no seu lado depressivo." Talvez por isto, Palin tenha admitido: "Se soubesse o que sei hoje nunca teria feito isto", escrevem Halperin e Heilemann citando a antiga governadora do Alasca. Desafiando a sabedoria política convencional, e voltando ao campo democrata, Halperin e Heilemann dizem que era Obama, e não Clinton, a candidatura do sistema: "Obama era o candidato do establishment e havia um número apreciável de senadores e líderes democratas que, em público ou em privado, o encorajavam a concorrer apunhalando Hillary." A verdade é que Clinton "estava tão confiante que conseguiria a nomeação democrata que [em 2007] já tinha formado um gabinete de conselheiros especiais para tratar da transição para a Casa Branca". Ficou-se pelo Departamento de Estado, depois de um telefonema de Obama.
Ambientes que estravazam o palco da política nacional e que retratam, com a fidelidade possível, a dimensão da intriga política como mecanismo vulcanizador de governos e de oposições.
Uma diferença, porém. Enquanto que aqui todos se preocupam em desmentir a existência de intriga política, no palco norte-americano ela é sinónima de praxis poltítica, sem pudor, com mais mentira, engenharia e marketing. As máquinas partidárias têm potências e velocidades bem diferentes. Graças a Deus que neste campo as nossas ainda são mais pequenas e maneirinhas. Até porque também aqui se vê que somos povo de "brandos costumes". E, aqui, francamente, ainda bem.

Obama/Hillary: Inteligência política e políticos eucaliptos

"A vocação de um político de carreira é fazer de cada solução um problema", diz Woody Allen. Acompanho de perto a política americana, por duas razões: uma é por Jon Stewart (The Daily Show) e outra é por Bill Maher (Real Time). E a outra chama-se Hillary Clinton. E por Barack Obama.
A senadora afirma que: “As campanhas escrevem-se em poesia, mas governemos em prosa”. (Alguém imagina que um político português se desse ao desplante de dizer uma coisa destas? Manuel Alegre, talvez!). O casal Clinton foi o casal-exemplo. A secretária de Estado diz que o "amor" a fez superar experiências pessoais amargas (referindo-se ao episódio entre o marido Bill Clinton e a estagiária Mônica Lewinsky).
Não creio que foi o "amor" que a fez continuar. Que não a fez perder de vista o que, para ela, é essencial: o poder. Chamar-me-ão descrédula nestas coisas de afectos. Por acaso, sou uma pessoa que acredita no amor. Ferozmente. Mas o vírus da política está muito mais presente em Hillary que todo o eventual afecto que possa ter por Bill. O que a fez enfrentar a matéria publicada por Mike Isikoff sobre o affair do marido prende-se mais com uma estratégia de casal com vista ao poder. E, isto nada tem de mal. Isto significa que Hillary é extraordinariamente inteligente.
Igualmente inteligente foi a entourage de Obama. Barack Hussein Obama começou a ser apresentado como um poeta, um poeta com projectos, números e calendários concretos para uma América cindida entre uma ideologia de maniqueísmo teológico, capaz de criar Guantánamo ou gerir a galeria de horrores de Abu Ghraib, e os bastiões liberais sem réstea de tolerância para o léxico imperfeito do Presidente Bush, que se comprazem nas páginas de Noam Chomsky ou no novel ambientalismo de Al Gore. Obama fez-se acompanhar por uma equipa de voluntariosos, mais ou menos geniais, que o ajudaram a compreender que as tarefas da governação convocam os lideres a encontrar, a usar, as palavras certas. Por detrás da máquina do estribilho "yes we can", Obama teve um notório cuidado em usar as palavras certas, quer nas primárias quer no confronto com o republicano John McCain, cuja aura de maverick era à partida insuficiente para remover a pátina de anos acumulada na vida asséptica do Senado.
Uma boa parte dos pundits norte-americanos, a que se aliaram algumas consciências intelectuais da Europa, acredita que Barack Obama conseguiu vender a sua ideia sobre um projecto para a América no dia em que McCain interrompeu a campanha eleitoral. Enquanto o senador do Arizona titubeava, sem um roteiro, Obama começou a ser apresentado como um homem sereno que, a 20 de Janeiro, estaria preparado para enfrentar a Hidra de Lerna que ameaçava devolver os Estados Unidos às ruínas de 1929. Se os pilares do sistema capitalista norte-americano mostravam problemas estruturais, o candidato afro-americano, cosmopolita, articulado e democrata semeou uma (nova) estrutura de mudança, dos corredores do poder em Washington à cupidez de Wall Street. E a mensagem passou bem. De tal modo que nem os excessos de idealismo benfazejo preconizados para a política internacional serviram de arma de contra-ataque ao flanco republicano. Para a contabilidade negativa de McCain e de Sarah Palin contribuía a ausência de fé no Partido Republicano - desconfiado, numa primeira fase, da reputação de rebeldia do veterano do Vietname e glacial, numa fase ulterior, ao deixar cair uma candidatura condenada.
O equilíbrio entre os retratos de um poeta e de um líder nato foi perfeito como uma sinfonia, devida, em boa parte, a cirurgiões de estratégias como Joe Biden e a fazedores de opinião como Michiko Kakutani. Não terá sido ao acaso que Obama foi referido como um seguidor intrépido de “Parting the Waters” (o 1º tomo da biografia de Martin Luther King Jr. escrita por Taylor Branch), de Nietzche e de Santo Agostinho, de Herman Melville e até da Bíblia. Kakutani não hesitou em antever um nexo directo entre a leitura de “Team of Rivals”, de Doris Kearns Goodwin, e a escolha da antiga adversária Hillary Clinton para o Departamento de Estado: o livro desfia o momento em que Lincoln decidiu abrir o seu gabinete a opositores políticos.
Nenhum pormenor passou em branco a Obama. Daí que Lincoln se tenha erigido em seu espectro tutelar. No preâmbulo da cerimónia da tomada de posse, o sucessor de Bush foi de Filadélfia a Washington a bordo de um comboio engalanado. Pelo meio, parou em Delaware para apanhar o vice-presidente eleito Joe Biden e apeou-se em Baltimore para prometer, num exercício de poderosa retórica, uma “nova Declaração de Independência”. Dias antes fora fotografado e filmado em meditação ascética num símbolo de Washington, aos pés da estátua colossal do Presidente assassinado a tiro no Teatro Ford. Como Lincoln, o novo filho dilecto de uma certa América desencantada e de um certo Ocidente órfão apresentou-se à União com um apelo “não aos nossos instintos fáceis, mas aos nossos melhores anjos”.
As tarefas que se depararam à secretária de Barack Obama foram hercúleas. Desde convencer os norte-americanos de que deviam sufragar a revisão dos pressupostos liberais empreendida pelo secretário do Tesouro Henry Paulson, ao plano de relançamento da economia (a ascender os 900 mil milhões de dólares), à diminuição da taxa de desemprego (com níveis similares aos da década de 1970), ao crédito (a Reserva Federal reduziu a taxa directora a 0%).
Barack Obama assumiu, contando com Hillary, a sua arquétipa inimiga, o lugar vago de George W. Bush. O 44.º Presidente dos Estados Unidos, numa política coordenada com o que sai do gabinete da sua secretária, prometeu “devolver os desempregados ao trabalho”, dedicar 100 mil milhões de dólares à recuperação de infra-estruturas para evitar cenários dantescos como o de Nova Orleães, aliviar o jugo fiscal sobre a classe média, e fazer da América um farol de pioneirismo na protecção do ambiente. Mas as intervenções que precederam o espectáculo cénico e a poética da inauguration prenunciam um comandante-em-chefe bem mais pragmático.“Vai haver falsas partidas e contratempos, frustrações e desilusões. E vamos ser chamados a mostrar paciência mesmo quando temos de agir com urgência feroz”, afirmou Barack Obama.
O cenário é válido a dois tempos para a economia e para a política internacional. Nunca as expectativas da comunidade internacional voaram tão alto. E o Mundo parece ter olvidado que, durante um par de séculos, a América tratou sempre dos seus interesses antes de atender às necessidades exógenas. Diante de uma multidão reunida em Filadélfia, Obama prometeu aplicar o idealismo dos “pais fundadores” da América ao ataque às dificuldades do século XXI. Mas de que forma é que o idealismo encaixa, por exemplo, no peso do esforço de guerra dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão? O novo Presidente responde: a primeira ocupação “deve acabar de forma responsável”; a segunda deve continuar “de forma sábia”. A mesma questão é aplicável ao anunciado encerramento do campo de detenção de Guantánamo, onde prisioneiros da “guerra global contra o terrorismo” vegetam há mais de sete anos num limbo do Direito Internacional. Para lá da boa-vontade dos ideólogos de Obama persistem dúvidas sobre o destino a dar aos cativos. Chamada a convencer o Senado de que pode ser o rosto da diplomacia norte-americana, Hillary Clinton resumiu as ideias de Obama para a política internacional dos Estados Unidos com o conceito de “poder inteligente”.
Dentro de quatro anos, o Mundo saberá se a inteligência política de Barack Obama foi ou não capaz de iludir os 13 mil agentes de lobby que nos últimos dias assoberbaram os corredores do Capitólio, candidatando-se às respectivas fatias do plano de relançamento.
E, acabando com esta referência à inteligente política americana. deixam-se algumas referências aos políticos portugueses. Que têem emergido como "políticos eucaliptos". Que secam tudo à sua volta. Que usam os colaboradores como bodes expiatórios, em vez de lhes delegarem competências e responsabilidades. Que usurpam a legitimidade de se comportarem como senhores de um pequeno reino, em detrimento de um sustentado e consolidado desenvolvimento nacional e regional. Por isso, os partidos que asseguram a bipolaridade política do País estão hoje órfãos. O PSD sem Sá-Carneiro. O PS sem Mário Soares. O PCP/CDU sem Cunhal. Substituímos a legitimidade intelectual pela “ditadurocracia”, num contínuo exercício de incompatibilidade, de prepotências, de intolerâncias, de anulação de competências pessoais. É isto o político eucalipto, que, ao contrário de Obama, não congrega à sua volta competência e inteligência! Prefere a mediocridade e a subserviência, mecanismos que lhe asseguram a eliminação de potenciais concorrentes. Quando muito oferecem falsas simpatias exteriores, misturadas com um visceral autoritarismo interior.
Três décadas depois do 25 de Abril, os "políticos eucaliptos" mantêm técnicas de represália sobre aqueles que lhe pareçam representar uma eventual ameaça: os que ousam utilizar a sua própria intelectualidade e sobretudo os que se atrevem a pensar de forma diferente! Tornam o terreno político nacional numa terra seca e árida. A democracia candidata-se a ser um deserto, sem oásis!
Luís XIV, o Rei Sol, dizia: “O Estado sou eu”! O político eucalipto, actor e executor do mesmo espírito absolutista, determina: “O Partido sou eu”! O que evidencia uma triste verdade: olha-se pouco para o exemplo de Obama e de Hillary. Copie-se-lhes a inteligência política! Pura!

sábado, 30 de janeiro de 2010

Viver não é preciso. Amar É Preciso!

Os gestos de amor comovem-se sempre.
Somos um povo que não é muito dado a arrebatamentos amorosos. Dificilmente Romeu e Julieta seriam portugueses. A história de Pedro e Inês foi uma honrosa excepção. A de Sá-Carneiro e Snu outra. E ficaram faladas, foram faladas, deram muito, mesmo muito que falar. Nos tempos que correm, amar ficou fora de moda. Quando nos confessamos apaixonados olham-nos como se fôssemos bizarros e estranhos. Falar das histórias dos outros é feio, a não ser que sirvam de exemplo para provar que ainda exista quem se manifeste, com amor, sem medo do que os demais pensam, de serem ridicularizados. Só falo de Fernanda Câncio porque lhe aprecio o gesto de amor e porque, ao que se sabe, a história acabou.
A Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas, em plenário, indeferiu o recurso de FC, em que esta se indignava pela forma como os seus colegas-jornalistas (Pedro H. Gonçalves (Correio da Manhã), Amélia Moura Ramos (SIC) e Carolina Reis (Expresso)), a referiam, "a «namorada do primeiro-ministro»", e mandou arquivar o processo.
Fernanda Câncio é jornalista, no Diário de Notícias, onde assina uma coluna de opinião, e é redactora de um blogue colectivo, o Jugular, e utilizou o seu Twitter para manifestar o apoio à pessoa do primeiro-ministro. Ao seu carácter. Teria toda a legitimidade dado que se alguém conhece o PM, na intimidade é ela. Ora, se todos que não o conhecem se gastam a falar mal dele, não sei porque não pode ela, que o conhece, falar do que sabe, e que é falar dele bem. Num país em que amar já é incomum, e que se cultiva o silêncio, sobretudo nas classes sociais mais abastadas e na classe política, também, uma mulher que mantém uma relação afectiva com um PM deve, nesta lógica, vetar-se ao apagamento. Foi este o grande pecado da Fernanda. Ela sabia, com certeza, que qualquer atitude, fora do contexto da mediocridade latente e prevalecente, seria intolerada. FC, como mulher de cultura, deve ter pensado em Emile Zola.
FC, numa inocência própria de quem falou com o coração e com a razão emotiva, ofendeu-se pela forma pouco ética como os colegas a referiram e acha que a decisão da CCPJ “atenta contra a reserva da intimidade quem identifica publicamente outra pessoa com base numa sua relação íntima, sem que esta a isso autorize” (a jornalista reagia assim, num comentário publicado no blogue Jugular, intitulado “comissão de quê?), considerando “extraordinários” os termos utilizados no relatório. Pergunta “Por que meios e com que legitimidade e rigor e deontologia jornalística é que terá chegado ao conhecimento público [esta matéria]”. E questiona o “interesse jornalístico” da informação: “Será o mesmo que o interesse de vender jornais/revistas/folhas de couve?” O argumento principal da Comissão era que a sua relação seria pública (consta d'“O Menino de Ouro do PS”). “Na dita biografia (que se apelida de autorizada para significar que foi como que escrita ou pelo menos toda aprovada pelo biografado, o que a comissão se exime de provar ou sequer de consubstanciar) o biografado 'assume' a tal dita relação. Por acaso é falso.” E discorda que “uma comissão composta essencialmente por jornalistas decida que basta para a qualificar como tal a existência de uma (não existente, de resto) assunção da outra parte da alegada relação”.
A decisão da CCPJ, disse mais, que “a matéria em causa era do conhecimento público e de interesse jornalístico, dada a situação de conflito de interesses entretanto gerada”. “O conflito de interesses resulta de a autora do texto [Fernanda Câncio], à data dos factos e conforme é público e notório, ser namorada do primeiro-ministro – não se coibiu, todavia, de o defender, sem daquela relação ter dado conhecimento aos seus telespectadores”. Os factos reportam às opiniões que Câncio defendeu no programa “A Torto e a Direito”, transmitido na TVI24.
No relatório completo da CCPJ entendeu-se que não se pode falar em “infracção disciplinar” porque a relação de Sócrates e Câncio foi “assumida” na dita biografia, pelo que a queixosa “não podia ignorar a repercussão e as apreciações” que teriam as opiniões “coincidentes com as manifestadas pelo chefe de Governo”. A suposta relação entre FC e JS não teria projecção se não fosse aquela concreta circunstância de ela fazer ouvir a sua voz, em defesa de Sócrates. A jornalista escreveu uma declaração pública de indignação por aquilo que entendia ser uma injustiça, num texto de uma grande sensibilidade, uma manifestação de solidariedade, afecto e justiça. “O meu dever é falar, não quero ser cúmplice”, escreve a jornalista, citando Émile Zola. “É sempre boa altura para lhe honrar o repto”, acrescenta.
A verdade é que FC falou (bem) quando todos se calaram ou acompanharam as vozes atacantes. Devia achar-se que defender os que amamos (independentemente do tipo de amor) é louvável e esperável. Mas não é.
Ora, falou-se de Zola, porque a insurgência da Fernanda faz em muito lembrar o texto J’Accuse (de Émile Zola), e quando a sua voz se ergueu em defesa de um homem com quem convive e que sabe difamado, teve um acto sem precedentes, e foi um acto público. Não estamos habituados a posturas de defesa, Hillary Clinton, se vivesse aqui, talvez se tivesse calado, continuado, como se nada fosse, mas FC, num gesto que faz lembrar a afronta de Sá-Carneiro face à rejeição nos meios políticos da sua relação com Snu, pareceu "deslocada".
“Há 111 anos, a 13 de Janeiro de 1898, foi publicada a mais grandiosa peça jornalística de todos os tempos. Escrita como carta aberta ao Presidente de França, é um apelo indignado em nome de um inocente injustamente condenado, um libelo contra um sistema judicial corrupto e uma opinião pública contaminada pela manipulação da verdade e pelos seus preconceitos (o condenado era judeu), através de uma campanha mediática abominável”, escreveu a jornalista, contando como Zola, apesar de saber o risco que corria, conseguiu mudar o rumo da opinião pública. “O caso Dreyfus, como muitos outros antes e depois dele, mostra o lado negro do poder do sistema judicial. Quando um sistema, criado para certificar a procura e o triunfo da verdade, despreza a verdade e funciona como se estivesse acima das leis por cujo cumprimento lhe cumpre zelar, instrumentalizando o extraordinário poder que lhe é conferido, não há Estado de Direito.” Para terminar, a jornalista usa uma citação de Zola: “‘O meu dever é falar, não quero ser cúmplice’.
Nos comentários do seu blogue lia-se que “o artigo tem um forte sentido de oportunidade ou de oportunismo. E como em tudo o que escreve Fernanda Câncio sobre o Governo e o seu primeiro-ministro, abunda um forte sentido familiar, nesta terra onde todos se aconchegam, sejam namorados, irmãos, sobrinhos, tios ou primos. Falta-lhe é o pudor que impunha o sentido ético de não se transformar um jornal outrora prestigiado num boletim partidário ou numa folha oficial do Governo.” No Jugular este “honrar o repto” deu-lhe azo a polémica, entre a coragem e a reprovação (aduzindo-se que não teria sabido distanciar o coração da razão).
Judite de Sousa (casada com Fernando Seara, presidente (PSD) da Câmara de Sintra), saiu a terreiro em defesa da colega (convidada pelo "24 horas" a pronunciar-se sobre as críticas que a oposição e todos os adequadamente correctos teceram a FC, comentou que o ataque dos sociais-democratas "é uma coisa absolutamente inaceitável", reagindo à insinuação da direcção do PSD que afirmou que a participação de FC num programa que vai passar num canal público se devia apenas ao facto de ela ser namorada do PM - uma situação "escandalosa e até pornográfica", segundo os próprios. Judite foi peremptória: "Trata-se de um ataque inadmissível. Não se deve nunca misturar a esfera privada com a esfera profissional das pessoas.").
Como estes sociais-democratas estão longe dos tempos de Sá-Carneiro!
Curiosamente, os assessores de JS várias vezes o aconselharam a deixar-se ver em público com os amigos, as amigas, os filhos e naturalmente também com os amores. Mas foi a sua discrição a maior inimiga. O que leva à especulação. A reserva de JS quanto à sua vida privada suscita ditos e mexericos. Mas parece coerente. Se evita expôr os filhos, porque haveria de expôr a namorada? Pedro Adão e Silva já várias vezes afirmou que muito poderia ter servido a Sócrates usar a sua vida pessoal para fazer política. "Com a polémica que enfrentou na campanha de 2005, ter-lhe-ia sido vantajoso ser fotografado com os filhos ou com a namorada. Não o fez e isso é positivo", defende o politólogo. Para que os portugueses (re)lembrassem o amor, e, principalmente, o que são gestos de amor, era bom que o planeado filme sobre Francisco Sá Carneiro e Snu Abecassis fosse adiante. A produtora de Manuel Fonseca assumiu o compromisso de, até 2010, o fazer chegar ao ecrã. Vai chamar-se ‘Sá e Snu’. E pode voltar a lembrar que amar não tem de ser cinzento, mas que deve ser um sonho a cores.
Basta reler o poema "Os Amantes", de Daniel Filipe. Para compreender que uma simples história de amor pode incomodar o status quo. Pode até (e deve) ser subversivo. Porque amar é um sentimento genuíno. Sem contemplações. Sem hesitações. É ser inteiro, como dizia Pessoa!

PERSEGUIÇÕES, INTIMIDAÇÕES E COISAS AFINS

Tudo começou com Costa Pimenta, juiz de Direito, que contestou a decisão de ter sido aposentado compulsivamente na sequência de uma inspecção e que pôs em causa o que diz ser a “máfia” nos tribunais. "O Supremo Tribunal Administrativo é uma loja maçónica criada, instalada, dirigida e presidida por maçons: como, aliás, o Supremo Tribunal de justiça é uma loja maçónica, criada e instalada por maçons”. A afirmação é feita pelo próprio. As alegações foram proferidas num recurso para o STA, considerado improcedente no passado dia 14, e servem para contestar a decisão que determinou a aposentação. CP fala em pactos secretos nos tribunais. “A verdade é que as lojas maçónicas, incluindo o Supremo Tribunal Administrativo e a Relação de Lisboa, deixaram-se infiltrar pelo jesuitismo e profanos de avental, que constituíram uma máfia que opera nos tribunais portugueses”. E diz que há “um grupo de indivíduos incluindo juízes, magistrados do MP, ministros, advogados, banqueiros, empresários, embaixadores, autarcas, homens do teatro, do cinema e da televisão, que distribuem sentenças entre si em benefício dos seus irmãos.” O magistrado, que o Conselho Superior chegou a considerar em 1991 como de elevada craveira, contesta a decisão dos juízes do Supremo. “Não são um verdadeiro tribunal. Não estou contra a maçonaria, mas sim os pactos que aquela encerra. Os juízes decidem não em função da lei mas sim dos compromissos que assumiram disse ao CM.Refira-se, ainda, que embora o recurso tenha sido considerado improcedente, o Supremo não questiona as alegações. “Independentemente da exactidão dos factos, o motivo invocado não viciaria a nomeação (…) a referida associação [maçonaria] não sofre de qualquer objecção constitucional”.
O Acórdão foi divulgado pelo blogue "A Torto e a Direito"; num post do advogado Francisco Teixeira da Mota. O jurista que questiona o ” secretismo ” do acórdão, admite que a sua ocultação é um acto de “censura”. Constança Cunha e Sá, João Pereira Coutinho, Francisco Teixeira da Mota e Francisco José Viegas, partilham este blogue. Foi alvo de celeuma a publicação neste blogue do dito Acórdão do STA (Processo nº 043845, de 01/14/2010).
Pela sua importância, reproduzimo-lo, na parte que releva para os comentários finais (abreviando algumas denominações mais conhecidas).
Alega, em conclusões, o recorrente:"1ª O STA é uma loja maçónica criada, instalada, dirigida e presidida por maçons - como, aliás, o STJ é uma loja maçónica, criada e instalada por maçons, em aplicação do disposto no Ritual do Grau 27, e sendo o seu primeiro presidente — B… — e seguintes igualmente maçons. 2ª E sabe-se como ensina o maçon C… — ex-Grão Mestre do GOL, Soberano Grande Inspector Geral e presidente do Supremo Tribunal Maçónico — «onde está um Maçon está a Maçonaria» (António Arnaut, Introdução à Maçonaria, Coimbra Editora, p. 86). 3ª Isso é óptimo, porque significa, de acordo com o Ritual do Grau 27, que no STA, se põem em prática «as doze leis fundamentais da Redenção humana», incluindo a «Igualdade Social», o «Habeas Corpus», a «Liberdade de Imprensa», o «Direito de Reunião», a «Liberdade Pessoal, e «Liberdade de Trabalho». 4ª Além de que, por exemplo, os trabalhos do 4.° Grau — Mestre Secreto — têm por objecto demonstrar que a consciência do obreiro é o seu verdadeiro juiz, essencialmente equitativo e íntegro; sendo, por certo um dos objectivos do STA, enquanto loja maçónica, o de que «a Justiça reine na Terra», como se lê no Ritual do Grau 22, isto é, que se instale o «reinado da Razão, da Equidade e da Justiça», como diz o Ritual do Grau 12. 5ª Acresce que os maçons do STA, sendo-lhes perguntado «Sois Preboste e Juiz?», respondem invariavelmente «Distribuo justiça a todos os obreiros sem excepção». 6 ª Aliás, em virtude dos benefícios que resultam de se saber que o STA é uma loja maçónica, só por mero lapso ou falta de tempo se compreende que isso não seja amplamente divulgado e que os maçons do STA e outros não tenham dado a conhecer essa sua excelente qualidade, nem sequer às respectivas mulheres e família — sendo por isso que, para suprir a lacuna, o recorrente divulgará brevemente as listas dos juízes maçons, em benefício do povo, do STA, da Maçonaria e dos maçons, através da Internet e outros meios, e incluirá também os magistrados do MP e PGR, como D…, e arguidos, como E…, F…, G…, H…, etc. 7ª Naturalmente, também não serão esquecidos os apresentadores de televisão e os homens do teatro, como I… e J…. 8ª Aliás, sempre para conhecimento e benefício do povo e do STA, o recorrente já fez publicar, sob o a parte secreta dos graus maçónicos (ou «Cobridor») em apêndice ao seu livro Salazar, o maçon, bem como, o Ritual do Grau 33 e o Cobridor Geral, assim tomando conhecidos todos os sinais, todos os toques, todas as palavras sagradas, todas as palavras de passe, todas as palavras ocultas, todas as grandes palavras, todas as baterias, todas as marchas, todas as idades, todos os tempos de trabalho e todas as insígnias usados pelos maçons do STA desde os graus de aprendiz ao grau trinta e três e último do Rito Escocês Antigo e Aceito. 9ª É óptimo que o STA seja uma loja maçónica, como realmente é, porque os seus juízes maçons recebem conhecimentos tais como os seguintes: não se pode «consentir que nenhum juiz se afaste no mais mínimo do significado material da letra [Lei]» (Ritual do Grau 23); «o juiz mais puro é falível e pode ser enganado» (Ritual do Grau 23); «não há juiz, nem magistrado, rei ou membro do poder executivo, corpo legislativo ou autoridade que não seja falível, e devemos prevenir-nos contra a usurpação, a ignorância e a veleidade humanas; de modo que a nação goze do bem presente e garante o seu destino» (Ritual do Grau 27); «Todo o juízo humano é incerto e os erros que os Juízes cometem tem consequências tão sérias como o crime de outro homem» (Ritual do Grau 31). 10ª Além disso, enquanto loja maçónica que é, o STA sempre tem procurado seguir o ensino do grande maçon António de Oliveira Salazar, a saber: «criminosos arvoraram-se em juízes e condenaram pessoas de bem» (Discursos, vol. V, p. 52); «o que muitas vezes resulta em Portugal do funcionamento das instituições legais — o castigo dos justos» (vol. II, p. 357); «se os tribunais não fazem boa averiguação dos factos e recta aplicação da lei, temos (…) “a mentira da justiça” (vol. 1, p. 28); «os povos, como os indivíduos precisam ser tratados com justiça» (111:108); e «a sociedade tem de inspirar-se nas suas decisões pelo princípio da justiça devida a cada um (vol. IV, p. 108). 11ª Apesar de tudo isso que é favorável, a verdade é que as lojas maçónicas, incluindo o STA e a Relação de Lisboa, deixaram-se infiltrar pelo jesuitismo e profanos de avental, que constituíram uma máfia que opera nos tribunais portugueses — um grupo de indivíduos incluindo juízes, magistrados do MP, ministros (da Justiça e de outras pastas), advogados, banqueiros, empresários, embaixadores, autarcas, homens do teatro, do cinema e da televisão — que distribuem sentenças entre si em benefício dos seus irmãos. 12ª É nesta linha que surge a prancha cuja inexistência se impugnou e que o douto «acórdão» recorrido não julgou inexistente. Com efeito, os Licenciados que subscreveram a referida prancha, incluindo o relator, são membros da Máfia dos Tribunais Portugueses e também o é o presidente da entidade recorrida. 13ª Na verdade, entre tais Licenciados e o presidente da entidade recorrida, L…, existem além de outras, as seguintes relações que eles ocultam: os juízes subscritores da prancha arguida de inexistente têm um pacto de sangue firmado com juramento de proteger e beneficiar o presidente da entidade recorrida, Lic. L…; aqueles juízes subscritores da dita prancha e o Lic. L… cumprimentam-se com um beijo; todos adoptaram um nome de código ou «simbólico» com vista a ocultarem esse relacionamento de irmãos; têm combinados entre si, para comunicações ocultas, sinais, toques, as palavras, baterias, e maneiras de andar ou «marchas». 14ª O pacto secreto entre os juízes subscritores da prancha arguida de inexistente, incluindo o relator, e o presidente da parte recorrida, Lic. L… traduz-se também em rituais secretos em ambos participam utilizando caixões, esqueletos, caveiras, panos pretos, luvas brancas, espadas, sal, enxofre, ossos, tochas e aventais e o sinal de saudação nazi. 15ª Em consequência, o grupo de licenciados subscritores da prancha cuja inexistência se arguiu não são constituem um verdadeiro tribunal, tendo, se for decidido que eram juízes, cometido o crime de corrupção e abuso de poder — pelos quais o ora recorrente desencadeará processo crime no caso de não lhe ser feita a pedida justiça. 16ª Nenhum dos subscritores da prancha arguida de inexistente tem o direito de pertencer à Máfia que opera nos tribunais portugueses e menos de jurar fazer da lei dessa Máfia «a minha regra e a minha lei». 17ª Estes elementos da Máfia que actua nos tribunais portugueses, incluindo o relator, não são, pois, verdadeiros juízes. 18ª Nenhum juiz tem o direito de pertencer a tal Máfia. As decisões dos membros de tal Máfia são inexistentes, sendo, pois, inexistente a prancha em causa. 19ª Assim, ao não declarar a inexistência da prancha impugnada, o douto acórdão recorrido violou os artigos 2.°, 3.º, n.° 2, 20.º, n.°s 1 e 4, 203.º e 222.º, n.° 5, da Constituição, bem como o artigo 6.º, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que só reconhecem como tribunal uma entidade independente e imparcial, não dominada pela Máfia. 20ª Os artigos 27.°, n.°s 1 e 2, do ETAF (DL n.° 129/84, de 27 de Abril) e 9.º e 13.° da LPTA (DL n.° 267/85, de 16 de Julho) aplicados e interpretados como o foram, no sentido de poderem fazer parte do tribunal indivíduos elementos da Máfia que opera nos tribunais portugueses são inconstitucionais, por violação desses artigos 2.º, 3.º, n.° 2, 20.º, n.°s 1 e 4, 203.º e 222.º, n.° 5, da Constituição, bem como o artigo 6.º, n.° 1, da CEDH. 21ª A douta decisão infringiu as normas dos artigos 27.º, n.°s 1 e 2, do ETAF (DL n.° 129/84, de 27 de Abril) e 9.º e 13.º da LPTA (DL n.° 267/85, de 16 de Julho), dos artigos 2.°, 3.°, n.° 2, 20.º, n.°s 1 e 4, 203.º e 222.º, n.° 5, da Constituição, bem como do artigo 6.º, n.° 1, da CEDH. Nestes termos, requer que a prancha recorrida seja revogada para ser substituída por outra decisão legalmente cabível, declarando inexistente a douta prancha em causa”.O Conselho Superior dos TAF não contra alegou.O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Promoveu ainda o seguinte: “(…)Considerando o teor das alegações do recorrente, promove se extraia e me seja entregue, para eventual procedimento criminal contra o recorrente, certidão de fls., 421, 709-726; 736-738; 747; 755-764 e 767 e verso.”Sobre tal promoção recaiu o seguinte despacho do relator: “Como se promove”.Colhidos os vistos legais foi o processo submetido ao Pleno da 1ª Secção para julgamento do recurso. O acórdão recorrido apreciou a questão da existência jurídica do acórdão proferido neste ST decorrente de “um suposto vício dos respectivos actos de nomeação para juízes do STA”.
Julgou improcedente a alegação do requerente pelas seguintes razões: “Independentemente da exactidão dos factos alegados, o motivo invocado não viciaria a nomeação. Na verdade, primeiro, o direito geral à liberdade positiva de associação, juízes incluídos, está consagrado na Constituição (art. 46º/1) e a referida associação de «existência discreta» não sofre de qualquer objecção constitucional (Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, volume I, 4ª ed. revista, pp. 645/646). Segundo, o legislador da Lei Fundamental, no estatuto dos juízes, não elegeu a qualidade de membro daquela associação como facto impeditivo do recrutamento, nem, tão-pouco, como incompatível com o exercício da função (cf. Capítulo III do Titulo V da Parte III da CRP), posição que, em honra ao princípio da unidade da Constituição (Cf. Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª ed., p. 1209) deve interpretar-se com o sentido que aquela não é inconciliável com os demais preceitos e valores constitucionais, mormente com os que ora vêm alegados pelo requerente. Terceiro, da lei ordinária ao tempo em vigor, não decorre, sem qualquer mácula de inconstitucionalidade (pelas razões atrás aduzidas), a alegada invalidade absoluta da nomeação dos juízes em causa, uma vez que aquela mesma qualidade não fazia parte do elenco das restrições estatutariamente fixadas para o recrutamento e provimento (vide as disposições combinadas dos artigos 81º do ETAF aprovado pelo DL nº 129/84, de 27/4 e 22º do DL nº 498/88, de 30/12).”
No recurso para o Pleno o requerente volta a sublinhar que “o grupo de licenciados da prancha cuja inexistência se arguiu não constituem um verdadeiro tribunal” e caso assim se não entendesse que os artigos 27.°, n.°s 1 e 2, do ETAF (DL n.° 129/84, de 27 de Abril) e 9.º e 13.° da LPTA (DL n.° 267/85, de 16 de Julho) eram inconstitucionais.
O recurso deve ser julgado manifestamente improcedente. Com efeito, a decisão atacada do vício de inexistência jurídica foi proferida pelos Juízes nomeados pelo Conselho Superior dos TAF, nos termos da Constituição, o que não é posto em causa. Deste modo, a existência jurídica da decisão é uma realidade óbvia que não carece de qualquer outra demonstração.Por outro lado, o recurso tal como vem estruturado é, em si mesmo, incongruente. As razões invocadas para considerar inexistente a decisão em causa, são exactamente as mesmas que levariam à inexistência jurídica de toda e qualquer decisão deste Supremo Tribunal. Há, assim, uma contradição insolúvel na pretensão do recorrente neste recurso, visando a obtenção de uma decisão (na sua estranha lógica) inexistente. Finalmente, resulta dos preceitos constitucionais invocados pelo recorrente (artigos 2.°, 3.°, n.° 2, 20.º, n.°s 1 e 4, 203º e 222º, n.° 5,) e do art. 6º, 1 da CEDH que as decisões judiciais devem ser proferidas por Juízes nomeados pelos respectivos Conselhos Superiores, no estrito cumprimento das regras legais aplicáveis. Como nenhum destes aspectos é posto em causa e sendo certo que (como não poderia deixar de ser) os Juízes que intervieram na decisão em causa foram nomeados pela entidade competente e de acordo com o quadro legal aplicável, não tem qualquer sentido a invocada inconstitucionalidade dos artigos 27.°, n.°s 1 e 2, do ETAF (DL n.° 129/84, de 27 de Abril) e 9.º e 13.° da LPTA (DL n.° 267/85, de 16 de Julho)."

Salazar e Cunhal - convicções e percursos


Estou a escrever, em co-autoria com vários amigos, um comentário sobre políticos portugueses. Uns escrevemos porque simpatizamos com os ideais revolucionários e porque frequentamos meios à esquerda. Outros porque ... nem por isso. Os dois lados tentaram um exercício desafiador. Procurar pontos identitários em Salazar e Cunhal. É óbvio que nenhum dos lados é insuspeito. mais que não fosse porque faço parte da comissão contra a construção do museu salazarista e até já vos deixei algumas palavras sobre essa causa. Corro, assumidamente, o risco de tomar partido: ou melhor, tomá-lo-ei sempre. A ter um partido entre os dois homens seria o de Cunhal.
Começando.
Salazar vivia em Coimbra quando Cunhal, em 10.Nov.1913, ali nasce. Ainda não se formara em Direito, mas já se fazia notar com textos empolgados. Havia por ali uma boa margem de sem-vergonhice da República. Assim marcava as páginas do ‘Imparcial’ e proferia admiráveis conferências no Centro Académico da Democracia Cristã. A mãe de Cunhal, Mercedes, era devota senhora, e se não se cruzou com Salazar nas missas de domingo na Sé Nova foi por causa do costume de os homens ficarem à parte das mulheres. Separados por 24 anos, foram ambos crianças de saúde frágil e educadas no temor a Deus. Com uma diferença: Cunhal teve mais berço. O pai, Avelino, era advogado e amante das artes. Salazar nasce numa família de poucas letras e veio ao mundo fora de tempo. O pai, António Oliveira, já dobrara os 50 anos, e a mãe, Maria do Resgate, estava quase nos 45. Tinham 4 filhas: Marta, de 8 anos, Elisa, Maria Leopoldina e Laura, a mais nova, de 4 anos. (Ainda hoje há quem se entretenha a divagar sobre a influência destas mulheres na educação e na formação da personalidade de Salazar). Já nem pensavam aumentar a prole, quando, em 27 de Abril de 1889, nasce um rapaz – a quem puseram o nome de António e os apelidos Oliveira, como o pai, e Salazar, como o avô materno. Não era uma família pobre, era até "remediada". Salazar nasce numa casa à beira da estrada por onde passavam, dia a noite, os almocreves com as bestas de carga. António Oliveira e Maria do Resgate, já por altura do nascimento da segunda filha, transformaram parte da casa em hospedaria e taberna: ele continuou como feitor da rica casa agrícola dos Perestrelo – e ela tomava conta do negócio. Havia, pois, alguma fartura. António Oliveira ganhava mais algum dinheiro como intermediário na venda de terrenos onde foi construído o bairro perto da estação de Santa Comba. O menino Salazar foi crescendo fracalhote, acanhado e tímido. Dava ares à mãe. Aos 7 anos começa a aprender as primeiras letras. Não havia escola no Vimieiro. Recebeu em casa lições particulares de um instruído funcionário da Câmara de Santa Comba Dão. Aprendeu a ler, a escrever e a contar. O professor achava-o esperto para as letras e dizia que seria uma pena que não continuasse os estudos. Mas a mãe não o quer no liceu de Viseu. Receia expô-lo às tropelias dos rapazes. Só havia uma solução: o seminário, onde o menino habituado a brincar com as irmãs estaria a salvo da chacota. Álvaro Cunhal foi o terceiro filho de Mercedes e Avelino. Nasceu debilitado, como os irmãos António José e Maria Mansueta, que nunca tiveram muita saúde e foram levados pela tuberculose. A mãe, pia mulher, pouco confiante nos milagres da medicina, encomendou a sorte do menino à Virgem. Álvaro, contra a vontade do pai, republicano e anticlerical empedernido, foi baptizado. Teve como madrinha Nossa Senhora. Talvez o advogado Avelino Cunhal possa ter conhecido Salazar em Coimbra. O jovem do Vimieiro, bem apessoado, apenas traído pelos lábios finos e voz de falsete, terminou o curso, em 1914, com 19 valores. Os sectores católicos mais reaccionários exultavam com o prestígio do lente – que passou a ganhar dinheiro como jurisconsulto enquanto preparava o doutoramento. Salazar acompanhou os amigos Manuel Cerejeira e Cabral Moncada numa viagem de fim de curso a França. Cerejeira, já padre e formado em Letras, fica por Lourdes em peregrinação. Os outros seguem no comboio para Paris, onde se separam. Moncada perde-se com a folia. Mas Salazar fugiu do pecado como o diabo da cruz: seguiu para Liège a tempo de participar num encontro internacional católico. O promissor Salazar dava pareceres e aconselhamento jurídico. Tinha clientela. Passou a vestir-se mais ricamente. Frequentava o alfaiate Damião, o mais famoso de Coimbra. A paixão por Júlia, filha dos patrões do pai, despedaçava-lhe o coração. Mas os Perestrelo contrariaram o romance – por não acharem bem que a filha se casasse com o filho do feitor. (Isso pode ter explicado a história acalorada sobre os futuros amores de Salazar). Este aprimorava-se nos hábitos: chegou a usar bengala com castão de prata e jantava com frequência no Avenida. O advogado Avelino Cunhal deve ter dado por tão grada figura – até porque uma página na Ilustração Católica’, apresentou Salazar como “um dos mais ilustres professores, de Coimbra, que dentro em breve o será do país”. Os Cunhal mudam-se de Coimbra para Seia, terra natal de Avelino. O filho mais novo, Álvaro, tinha 5 anos. A frágil criança teve aulas em casa com um professor particular – como Salazar. Mas ao contrário do homem do Vimieiro, mais dado à mãe, Álvaro era mais chegado ao pai. A família sofre um desgosto com a morte de Maria Mansueta. Ficam os dois rapazes. Recupera um pouco da alegria com o nascimento, em Seia, de outra menina, Maria Eugénia. O filho mais velho, António José, também será vítima da tuberculose. Em 1924, os Cunhal voltam a mudar de cidade: abalam de Seia e instalam-se em Lisboa. Álvaro tem 11 anos. Já recuperou algum vigor. Está apto a ir para o liceu. Por esta altura, Salazar arrasa em Coimbra: é doutor em Direito, rege as cadeiras de Economia e Finanças, milita com fervor no Centro Católico Português, é o grande doutrinador laico da corrente católica que sonha com o poder. Só teve um percalço: foi suspenso temporariamente da docência por suspeita de activismo monárquico. Mas nada ficou provado no inquérito e o professor Salazar saiu do caso como um herói para desespero dos republicanos. A vida corria-lhe bem. Arrendava uma casa à época para fazer praia na Figueira da Foz. Os seus pareceres jurídicos eram cada vez mais solicitados e o Banco de Portugal só de uma vez pagou-lhe 5 contos de réis. O advogado Avelino Cunhal não ganhava tanto dinheiro na barra dos tribunais. Álvaro Cunhal, cada vez mais próximo da figura paterna, afasta-se do caminho da Igreja. Estuda, em Lisboa, nos liceus Pedro Nunes e Camões (onde, curiosamente, em 74/75, fiz amizade com a filha). É bom aluno. Frequenta o escritório do pai (onde convivem anarquistas, anarco-sindicalistas, comunistas e "gente do reviralho"). Aos 17 anos, em 1930, entra para a Faculdade de Direito de Lisboa, ainda no Campo de Santana. Salazar, o doutrinador católico, ocupa a pasta das Finanças. Tomou posse do cargo, pela primeira vez, em Junho de 1926 – mas demitiu-se 5 dias depois e regressou a Coimbra. Fez uma viagem solitária por Espanha. 2 anos depois, deixou-se convencer a voltar a Lisboa. Achava que tinha por missão pôr em ordem as finanças públicas. Uma tarde, tropeçou na carpete do gabinete e estatelou-se no chão. Sempre fora trôpego. Fracturou uma perna. Operado no Hospital da Ordem Terceira, a convalescença foi prolongada. Ainda assim, trabalhou no orçamento, e o conselho de ministros, incluindo o Chefe do Estado, general Carmona, reuniu-se à volta da sua cama. Álvaro Cunhal, no ano em que entrou na Faculdade de Direito, em 1931, foi eleito representante dos estudantes no Senado Universitário. Um amigo do pai convida-o para o Partido Comunista (na clandestinidade desde 1926). Entra para a Liga dos Amigos da URSS e do Socorro Vermelho Internacional. Salazar toma posse, como presidente do Conselho, a 11 de Abril de 1933. No ano seguinte, Álvaro Cunhal entra na clandestinidade – para orgulho do pai e grande desgosto da mãe, que nunca lhe perdoará os caminhos ímpios do comunismo. Já o Governo tinha criado a polícia política, chefiada pelo capitão Agostinho Lourenço, e dentro em breve iria mandar construir o campo de concentração do Tarrafal. Quase a completar 22 anos, em 1935, Cunhal é nomeado secretário-geral das Juventudes Comunistas. O chefe do partido, Bento Gonçalves, tem planos para o disciplinado militante – que na organização clandestina passa a ser ‘Daniel’. O jovem revolucionário, com lugar no Comité Central, é enviado a Moscovo. Conhece Estaline. Regressa encantado com o ‘Pai dos Povos’. Passa a rematar qualquer discussão política com um argumento imbatível: “É assim que se faz na União Soviética”. Tal como Salazar, Cunhal não gosta de discussões. Ambos são disciplinados, determinados e austeros. Outra coisa os une: são nacionalistas. Salazar quer um país imperial fora da influência europeia. Cunhal, embora queira veementemente um país aliado da URSS, luta pelo reconhecimento internacional do PCP. Os dois abominam o capitalismo. Salazar teme que o capital transforme o país rural numa nação industrializada. Cunhal acha que os capitalistas têm um único objectivo: enriquecer. São ainda dois homens implacáveis: não perdoam aos inimigos. Um e outro mandaram matar adversários. O presidente do Conselho morava com o amigo Cerejeira, e a fiel governanta dos tempos de Coimbra, Maria de Jesus, num prédio da Rua Bernardo Lima, em Lisboa. Mantinha o hábito da missa de domingo. Na manhã de 4.Julho.1937 saiu de casa para a eucaristia, na capela privada de um amigo, na Av. Elias Garcia. Um grupo de anarco-sindicalistas, chefiado por Emído Santana, preparou-lhe um atentado à bomba. Salazar escapa sem um arranhão. Mas a repressão endurece. Cunhal é preso pela primeira vez. Vai para o Aljube. A mãe nunca o visitou na cadeia. Cumpre o serviço militar como um mero desordeiro na Companhia Disciplinar de Penamacor. Não verga. Faz greve de fome. Debilitado, é posto em liberdade.Volta a ser preso, em 1940. Teima, na cadeia, em defender a tese de licenciatura. É autorizado. Apresenta--se na Faculdade de Direito com um tema ousado – ‘A Realidade Social do Aborto’. O júri é de respeito: Paulo Cunha, Cavaleiro Ferreira e Marcelo Caetano. Cunhal brilha frente aos catedráticos e figuras do regime, que não hesitam em classificá-lo com um distinto 19. Sai formado da cadeia. Mergulha outra vez na clandestinidade. Viaja pela URSS, Jugoslávia, Checoslováquia e França. Regressa a Portugal e é preso, em 25.Março.1949, no Luso. Responde no Tribunal Plenário. Ele próprio, auxiliado pelo pai, assegura a defesa: um violento ataque ao regime de Salazar com a declaração em que se afirmava “filho adoptivo do proletariado’. Foi para o Forte de Peniche. Devia ter terminado a pena em 1956, mas continuou preso até se evadir, com mais 9 dirigentes do partido, a 3 de Janeiro de 1961. Relaciona-se com Isaura Moreira, sua camarada, de quem teve uma filha, Ana Maria. Vai para Moscovo. Parte para Paris. A companheira e a filha ficam na Roménia. É em Paris que recebe a notícia do golpe de 25 de Abril de 1974. Salazar tinha morrido 4 anos antes.
O que os une.
Cunhal era uma criança frágil. Fez o ensino primário, em casa, com um perceptor. A mãe educou-o na religião católica. Homem determinado, disciplinado e austero. Manipulador e sedutor.- Nacionalista: lutou pela autonomia do Partido Comunista Português relativamente ao comunismo espanhol. Abominava o capitalismo.
Salazar cresce frágil, acanhado, tímido. Aprendeu as primeiras letras, em casa, com um funcionário da Câmara de Santa Comba Dão. Teve uma educação católica. Determinado, disciplinado e austero. Era um mestre na arte da manipulação e um sedutor. Era um nacionalista. Não gostava dos capitalistas e cuidou que Portugal não se tornasse um país industrializado.
O que os separa.
Cunhal tornou-se ateu muito cedo. Foi um intelectual estalinista: conhecia a verdade sobre as purgas que mataram milhões de opositores. Queria que Portugal se aliasse à União Soviética. Era mais chegado ao pai. Teve várias mulheres. Deixou uma filha e três netos. Desenhador de mérito, escreveu romances.
Salazar nunca abandonou os princípios católicos. Não seguiu nenhuma corrente política internacional, nem tinha um inspirador. Queria um país imperial fora da influência política europeia. Era mais chegado à mãe. Manteve casos esporádicos com mulheres. Não teve filhos. Raramente leu um romance e não se lhe conhece qualquer gosto especial pelas artes.
No programa Palavras Cruzadas, cruzaram-se opiniões de Jaime Nogueira Pinto e de Odete Santos, a propósito de ‘Os Grandes Portugueses’.
Perguntou-se ao primeiro.
Como imagina o país actual governado por Álvaro Cunhal? - Assustador. O que fez pelo país? - De bem, por Portugal, fez pouco. Pela URSS e pelo comunismo fez muito. Era um fanático?- Um fanático inteligente. Fanático quanto ao fim, inteligente quanto à estratégia e aos meios. Aponte-lhe 3 virtudes. - Coerência, coragem, determinação. E 3s defeitos. - Fundamentalismo comunista, disciplina soviética, indiferença. Como vai a História recordá-lo? - Um dos últimos “grandes comunistas” do Século XX. A que figura da História Universal o compara? - Lenine. O que teria sido ele se não tivesse optado pela política? - Artista plástico.
Depois, a Odete Santos.
Como imagina o país actual governado por Salazar? - "Não se embarca tirania/Neste batel divinal. (Gil Vicente – fala do anjo num dos autos das ‘Barcas’) O que fez pelo país? - Era uma vez um país/Onde entre o mar e a serra/Vivia o mais infeliz dos povos/À beira terra/Onde entre vinhas sobredos/ Vales socalcos searas/Serras atalhos veredas/Lezírias e praias claras/Um povo se debruçava/Como um vime de tristeza/Sobre um rio/Onde mirava/A sua própria pobreza. (Ary dos Santos) Era um fanático? - "A tiranos, pacientes/que a unhas e a dentes/nos tem as almas roídas/Para que é parouvelar? (Fala do lavrador no ‘Auto da Barca do Purgatório’ de Gil Vicente) Aponte-lhe 3 virtudes. E 3 defeitos. - Talvez falte um algarismo e se deva multiplicar cada 1 por 2. Para ter o ano da Besta (666). Assim o problema só pode ser resolvido por metade. Quanto aos defeitos! Ou será que as três virtudes são as públicas virtudes e os vícios secretos? (Será que teria de falar nos Ballets Rose?) Como vai a História recordá-lo?- Rataplã no escuro/São bruxas que dançam quando a noite dança/São unhas de nojo/São bicos de tojo/No tambor da esperança (Xácara das bruxas de Carlos de Oliveira) A que figura da História Universal o compara? - Resposta: sujeita a exame prévio e tapada com corrector, porque censurada. O que teria sido ele se não tivesse optado pela política? - O menino da resposta em "Professor: Quem manda? Menino de mão em riste: Salazar! Salazar! Salazar!"
Cunhal e Salazar.
Semelhanças: a coerência do percurso político. Duas coisas que hoje se desconhecem em política: coerência e percurso. Porque ambos implicam convicções e estruturas sólidas. E hoje apenas se pensa em carreiras e ai! de quem tiver alguma solidez moral ou espiritual. Por isso, naturalmente, não voltaremos a ter tão depressa homens e políticos assim! E se de Salazar ninguém (ou eu e outros como eu) tem saudades, já de Cunhal ...

Crimes financeiros, corrupção e ... Carnaval!

Os funcionários públicos, este ano, não vão ter aumentos este ano, porque o Governo assumiu “o compromisso de contenção até à correcção da situação de défice excessivo" como se lê no relatório do OE. O que significa que, pelo menos até 2013 – data assumida com Bruxelas para trazer o défice orçamental para valor igual ou inferior a 3% do PIB – os salários da função publica terão aumentos muito moderados.
Tem aqui de se fazer um link com a questão comentada (já lá iremos), de compensar os denunciadores de crimes financeiros.
Basta ler os últimos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo Comum nº 5409/03.5 TDLSB do 2º Juízo, sobre abuso de informação privilegiada, Processo Comum nº 5409/03.5 TDLSB do 2º Juízo, sobre o mesmo crime, Processo Comum nº 10916/01.1TDLSB do 4º Juízo (2ª Secção), idem, e o Processo Comum nº 12421/01.7(A)TDLSB do 2º Juízo (3ª Secção) sobre o crime de manipulação de mercado), para se constatar que não é comum vir a lume a prática de crimes financeiros.
Pergunta que têm a ver as declarações do governador do Banco de Portugal sobre a oportunidade de não se aumentarem as remunerações dos funcionários com a denúncia de crimes financeiros. É que Vítor Constâncio, na conferência «Direito Sancionatório e Sistema Financeiro», defendeu que um denunciante de crimes económicos deve ter «compensações financeiras» caso a sua actuação resulte em benefícios económicos para o Estado, à semelhança do que se passa em outros países. «Defendo um direito de protecção às testemunhas colaborantes e aos que denunciam desde a origem a existência de ilícitos financeiros e penso que neste casos exige até uma compensação financeira, caso a denúncia resulte em benefícios financeiros para o Estado», disse. Estamos perante um ferveroso adepto da implantação de um autêntico regime corporativo anti-corrupção. Mas, se já nos mereceram alguns comentários uma eventual avalanche de prisões por causa da prática de ilícitos financeiros, até porque, como então dissémos, nos faltam instalações para fazer frente a uma tal hetacombe, também aqui vemos alguma dificuldade em perceber como dar conta deste tão grande recado com os escassos meios técnicos e humanos de que queixa permanentemente o nosso Procurador-Geral da República.
Lembramo-nos de um recente artigo na In Verbis, sobre Crimes financeiros, em que se dizia que o Ministério Público pecava, por impreparação para lidar com a criminalidade económica e financeira. Perante a Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, Pinto Monteiro afirmou que o MP "não está preparado nem especializado para lidar com este crime", devido à sua complexidade. "Tenho 25 inspectores tributários a trabalhar na operação Furacão, mas também tenho dois milhões de documentos contabilísticos para investigar". O PGR, que foi ouvido pelos deputados a respeito do caso BPN, salientou a necessidade de uma maior articulação entre o MO e as entidades de supervisão (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Instituto de Seguros de Portugal), para lidar com a criminalidade económica e financeira. Segundo ele, os 4 processos relacionados com o BPN (2 inseridos na Operação Furacão e os restantes devem-se a queixas apresentadas pelo Governador do BP, Vítor Constâncio, bem como por Miguel Cadilhe, presidente da Sociedade Lusa de Negócios) já lhe dão que fazer. Ou seja, ainda não começou o Conselho de Prevenção da Corrupção a "descobrir" corruptos, ainda agora "a procissão vai no adro" e já Pinto Monteiro reclama que os homens que tem, com os meios que tem, são poucos.
O que tem a ver o não aumento dos funcionários públicos e as anunciadas compensações financeiras a quem denuncie a prática de crimes financeiros? Não deveria ter nada a ver. O dever de denúncia deste tipo de crimes tem a ver com cidadania. E não com "prémios" com expressão pecuniária. Porque parece assim oferecer-se o mesmo prémio ao criminoso e a quem o denuncia. Um prémio em "dinheiro". Cash! O que subverte o esquema (ou talvez não?!). A recompensa é a de se saber que se age bem e em abono do interesse público. Apenas e tão somente. Mais. Em assuntos de ilícitos financeiros deveria apenas estar presente um outro assunto: o de contrapor quem se serve do sistema com quem é fiel a princípios de ordem moral e democrática. E temos mesmo sérias dúvidas quanto a estes mecanismos aliciatórios, até porque, infelizmente, conhecemos bem a forma de estar de alguns que se dizem impolutos mas que se conhecem como homens-máscaras.
Figuras de Carnaval! Imperceptíveis. E (in)denunciáveis!

Rei, República e res (coisas) publicas!


Um comentário breve acerca das mais recentes declarações do Duque de Bragança, a propósito dos €10 milhões destinados às comemorações da República. Diz que «Podemos, e estou de acordo, prestar uma homenagem ao idealismo dos homens que fizeram a Revolução de 5 de Outubro, nomeadamente a Carbonária, que era um movimento terrorista da época, mas eram idealistas dispostos a dar a vida pelas suas causas. Os líderes republicanos que tinham um ideal merecem uma homenagem, mas 10 milhões de euros acho um pouco demais». D. Duarte falava à margem do VII Almoço de Reis, em Santarém, promovido pela Real Associação do Ribatejo e que se realizou depois de uma reunião da direcção nacional da Causa Real, presidida por Paulo Teixeira Pinto. Que diz a Causa Real vai tomar uma «posição pública» sobre o dia 31 de Janeiro (dia escolhido para o início das comemorações oficiais do centenário da República). (Mas que já se demarcou da iniciativa do PPM que quer propor um referendo para saber se os portugueses preferem a monarquia ou a república) «Não temos que nos associar a iniciativas do PPM. No limite, o PPM é que poderia ter que se associar a iniciativas da Causa Real», rematou. (Ah! Como faz falta à Republica homens destes! Veemência e força de atitude. O Paulo tem tudo para ser um grande republicano, convenhamos) Duarte Nuno tem a consciência de que a Constituição proíbe outro regime que não o republicano, pelo que, primeiro, seria necessário fazer convergir para a causa monárquica dois terços dos deputados da Assembleia da República para "expurgar" do texto constitucional o artigo que declara inalterável a forma republicana, propondo Duarte que o mesmo fosse substituído pela expressão «é inalterável a forma democrática de Governo».
Vá sonhando! Não quererá por acaso fazer a vontade aos adeptos da causa fascista e retirar também a menção a "democrática"? Meu caro, acaso desconhece que as casas europeias vivem hoje em clima de regime constitucional e democrático?! Por essas e por outras é que a República aconteceu! Ora, o meu discurso sobe de tom quando dou graças a Deus por Duarte não ter lido o DL 17/2008, de 29.Janeiro, que prevê a criação da Comissão Nacional, já nomeada por decreto presidencial, de 9 de Junho, e, para esta, uma dotação orçamental de €10 milhões. Mais preocupante ainda seria se Duarte Nuno analisasse a fundo essa nova entidade empresarial que dá pelo nome de "Frente Tejo". A sociedade que vai intervencionar obras de grande volumetria, como a reabilitação e requalificação urbana na zona da Baixa Pombalina (na área entre o Cais do Sodré, Ribeira das Naus e Santa Apolónia), a reocupação parcial dos edifícios da Praça do Comércio e a reabilitação dos quarteirões da Avenida Infante D. Henrique (entre o Campo das Cebolas e Santa Apolónia), a reabilitação urbana no espaço público da zona da Ajuda-Belém (a construção de um novo Museu dos Coches e o remate do Palácio Nacional da Ajuda). A nossa preocupação não vai, pois, para a despesa dos €10 milhões, questão de dimensão mais ou menos diminuta face à sua proporção com outras dotações do OE - E, mais, basta o Duarte pensar quanto tem custado à Casa de Bragança sustentar a causa monárquica! - preocupa-nos sim que, mais ou menos a talhe de foice, a coberto do espiríto das comerações, se faça um investimento de €145 milhões (€56 milhões para a Baixa e 89 milhões para Ajuda-Belém).
Não têm de se justificar com qualquer outro pretexto os investimentos públicos nesta zona. A cidade quer e merece. Mas convenhamos que a causa republicana não pode ficar comprometida com as medidas excepcionais atribuídas à Sociedade Frente Tejo (€5 milhões de dotação orçamental). Ajustes directos para ter as obras prontas a tempo das comemorações do centenário da República! Veremos em que dará! Não haverá trabalhos a mais? Derrapagens de custos e prazos!?
Precisaria a República de associar a sua causa a empreitadas de obras públicas deste porte? Temos dúvidas! Temos, aliás, muitas dúvidas!
Esperamos que, à conta da República não se pretendam transformar as "portas" da Cidade, que é a maravilhosa baixa pombalina noutra Expo.
Estaremos atentos, Duarte de Bragança, porque muito mais assertivos do que Vossa Excelência, nós, os Republicanos, sabemos fazer justos à Causa Republicana e à Causa Carbonária a que pertenceram os nossos avós (a quem até o senhor, apesar de lhes chamar terroristas sempre que pode, reconhece uma imensa coragem!) e nada nem ninguém nos silenciará se esta nossa Lisboa e o País por que lutamos sofrerem a pretexto da República.
Enfim, ficam teatros, exposições, conferências, recriações históricas e um concerto de Rui Veloso, Pedro Abrunhosa, Rui Reininho e Sérgio Godinho (já hoje= a marcar positivamente o início das comemorações dos 100 anos da República Portuguesa (o espectáculo "4 Vozes para 100 Anos da República" encerra, no Coliseu do Porto, às 22h00, o programa do primeiro dia da celebração do centenário da República), com destaque para a entrada livre na Fundação de Serralves. A companhia Seiva Trupe, às 15h30, no Teatro do Campo Alegre, abre as comemorações, com a apresentação de "A Glorificação do Porto pelo Fervor Patriótico", o espectáculo «três em um» começa com a conferência "O 31 de Janeiro e a Implantação da República", prossegue com Ecos do 31 de Janeiro, uma teatralização da revolta do 31 de Janeiro, e termina com a peça Eu Sou a Minha Própria Mulher. Às 17h30, no Museu Nacional da Imprensa, é inaugurada a exposição A República na Imprensa - do Porto a Lisboa e, uma hora mais tarde, a Praça da Liberdade e a Praça da Batalha transformam-se no palco da recriação histórica da revolta portuense do 31 de Janeiro. Às 21h30, o Ateneu Comercial do Porto recebe a conferência «Como Construir a República no Século XXI», numa iniciativa da Associação Cívica e Cultural 31 de Janeiro.
Porque, meu caro Duarte, este Povo tem mesmo de festejar se pensar que Vossa Excelência, querendo-se preocupar com as despesas públicas não viu por detrás do pano e não se apercebeu que outras despesas que a cobro da República vão a remate, sobretudo quando são obras públicas, carecem de ser acompanhadas de perto. Não vá esquecerem-se os espíritos livres que estiveram por detrás da implantação dessa grande senhora que foi (e que é) a República e que ainda hoje nos inspira de bandeira desfraldada, arremessada, contra o vento, em prol de grandes mares, profeta de outras marés, sempre pela Liberdade!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Perseguindo o Sonho!


"Navegar é preciso. Viver não é preciso.", citando Pedro Moreira "As Asas Do Desejo: Porque é preciso sonhar ", E-topia: Revista Electrónica de Estudos sobre a Utopia, n.º 6 (2007).
Não sei se é sonho se é utopia. Nem tive de ler o António Damásio (Erro de Descartes) para perceber que o desejo, tal como a capacidade de sonhar, é um dom humano . O que verdadeiramente nos separa dos outros seres. Não a razão mas o sonho. A voluntariedade de sonhar. Damásio evidencia que a forma como determinadas zonas do nosso cérebro controlam a capacidade de pensarmos no amanhã, nas nossas aspirações e projectos para lá do limiar do imediato, do hoje. A verdade é que deveríamos ter compreendido que a grande parte de nós, com a dificuldade que tem em se deixar levar pelos sonhos, em vez de os converter em futuro, cumprimo-los tão tardiamente que os mesmos chegam a ser não futuro mas passado. Esquecemo-nos que somos efémeros e tardamos a viver. E se tardarmos a sonhar, tardamos a viver. E, um dia, pode ser tarde demais. Existe o risco de, se nos limitarmos a procurar reescrever os erros de ontem, nos tornarmos autênticos Velhos do Restelo, na amargura do tempo ter já passado e de não termos embarcado na caravela do sonho. Porque pelo sonho é que vamos! Pelo sonho renascemos! Metamorfoseamo-nos! Porquê deixar que a caravela da vida parta sem descobrir a capacidade de ir mais além, de ter golpes de asa.
Vejam, de Wim Wenders, As Asas do Desejo (1987).
Cenário: Berlim do final dos anos 80. O guião, inspirado na poesia de Rilke e escrito em colaboração com Peter Handke, acompanha o dia-a-dia da Berlim do final da década, de uma humanidade desiludida que vagueia cinzenta pelas cicatrizes do Pósguerra. Esta situação é-nos relatada do ponto de vista de dois anjos – Cassiel e Damien – visíveis apenas por crianças e incapazes de qualquer contacto físico com o mundo humano. A sua visão é a preto e branco. Em contraponto, recorre ao longo do filme a narração em voz-off de um poema de Handke, Song Of Childhood. Esta canção da infância recorda o que depressa esquecemos, esse ponto comum a todo o ser humano, por mais diferente que a sua experiência de vida seja: a criança é o sonhador perfeito. É capaz dessa proeza de olhar um riacho como um rio, um rio como uma torrente e uma poça como um oceano. Encara o futuro como um território de possibilidade total, a sua construção do mundo não encontra terrenos demarcados pelas barragens da negação. Recordar as proezas da nossa infância não constitui um exercício inútil de nostalgia mas uma proeza maior.
Esta capacidade primeira de sonhar, de encarar o futuro com optimismo, é o fruir primeiro do impulso utópico. “Imagination is more important than knowledge”, assim é citado Einstein por Federico Mayor em Attempting The Impossible. Não é a utopia o reflexo máximo da vontade humana de ir mais além? O conhecimento só pode conceber a chave para um futuro melhor quando aliado pela imaginação, quando carregado pelas asas desse desejo. Na ausência dele, torna-se uma prisão, estagna o Homem na realidade cinzenta da Berlim de Wenders. É particularmente comovente a imagem de um idoso que procura a Potsdamer Platz de tempos idos, recordando-a num cenário de ruína, ao lado do Muro. Este olhar para o passado nas ruínas do presente serve de metáfora para expressar a perda da oportunidade de reclamar o paraíso quando o homem perde a capacidade de sonhar e olhar para um futuro melhor. Ao retratar o Homem nos dois extremos da sua existência – Infância e Velhice – o filme traça o arco dessa perda. O mundo da infância, presente através da recorrência do poema, denuncia a insuficiência e alienação do mundo adulto na sobreposição da narração às imagens. Desta forma, é identificado com o mundo dos Anjos, na medida em que ambos têm capacidade de sonhar: a Criança com o Futuro e os Anjos com a existência material. Ao metaforizar a Infância num poema, sem concretizar através de uma personagem esta reflexão, Wenders iguala-a à neutralidade observadora dos Anjos. Assim, ambos olham o Homem com esperança e espanto. Recorrentemente, os dois anjos partilham os pensamentos que recolheram na sua observação, maravilhados com a beleza de momentos que passam totalmente despercebidos aos humanos. A admiração que passa por eles é cândida e, de certa forma, infantil aos olhos do espectador. Uma Humanidade sem sonho vive destituída e empobrecida. Sem sonho não há beleza ou felicidade. Os que não sonham vivem desligados do pulsar que somente anima os que sonham. Alienados do melhor que o ser humano é capaz de produzir, sem conceder sentido à sua existência. Os Anjos, por sua vez, estão em contacto com a maravilha da poesia, da invocação da cor, do sabor, do sentimento. Não é ausente neles a resposta a essa invocação: surge o sonho, o desejo de as experimentar na sua plenitude. Quando um dos anjos decide abdicar da sua condição, abraçando a mortalidade, fá-lo por crença na capacidade humana de sonhar. O mundo ganha então cor a seus olhos, ganha significado e esperança porque só na condição de morto é que faz sentido olhar-se com esperança para o futuro, mesmo que inatingível: “Sei agora o que nenhum anjo sabe”, diz o anjo caído no final do filme. O desejo é então o que confere sentido à existência humana no filme de Wenders.
Se a um mundo de fronteiras, de limitações sociais, políticas e económicas, respondemos com o mundo das fronteiras auto-impostas e da alienação, não somos mais do que uma versão a preto e branco da humanidade.
A resposta de Asas do Desejo sobre a origem do desejo passa pela afirmação de que, mais do que inato, o sonho é o sentido mais nobre da existência humana. Wenders defende a necessidade de manter intacta, em homem, a vontade de transcender os limites de criança. O sonho para além da idade.
Vivemos tempos historicamente tensos, um pouco semelhantes ao tempo político que deu origem à obra de Wim Wenders: os choques culturais, a “Guerra Nuclear”. E há, de facto, uma lição a retirar: Obras como as Asas do Desejo são fundamentais e vitais porque, ao responderem no sentido do Sonho e do Desejo, nos devolvem a esperança na hipótese de um amanhã melhor e ao alcance do Homem. Como diz o poema de Handke: “When the child was a child (…) it had, on every mountaintop, the longing for a greater mountain yet, and in every city, the longing for an even greater city, and that still is so (...)”.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Grandes amores! Histórias e Cinemas.

Nada mais relaxante do que acabar o dia a ver um filme de amor. Ah! O Amor! Culturas diferentes, gente diferente, diferentes forma de amar. O amor assume roupagens dessemelhantes, conforme os povos, as raças, as histórias, os géneros, os feitios e os defeitos.
No lugar, foi a Grécia. Tomavam-no por agápe, filía e eros. O amor que Deus teria para com suas criaturas e estas deveriam ter para com ele seria o agápe -- o amor espiritual, o mais puro e nobre. Filía seria próximo do amor entre membros de uma família: Filadélfia seria amor fraterno (filia) entre (adelfoi) irmãos. E Eros o amor com cheiros, modos e todos os outros componentes sexuais, "eróticos" ou "erotizados".
A História deixou-nos grandes histórias de amor, romances que invejamos, apesar de sofridos, atormentados, ou simplesmente felizes e extasiados.
Os gregos, com tendência para a tragédia. Quis que Vênus, a deusa da beleza e do amor, perdesse prematuramente Adônis, morto por um javali. Quis que Orfeu, preferisse descer aos infernos, em busca de Eurídice. Quis que Édipo se apaixonasse pela mãe, Jocasta. Menelau teve melhor sorte porque, embora perdendo Helena, que se apaixonou por Páris, se reinventou como homem e se revelou herói, conquistando Tróia e Helena. Ulisses conheceu o amor fiel em Penélope (que se fingiu empenhada em tecer uma tela e se comprometeu a escolher um pretendente assim que a terminasse mas que trabalhava de dia e a desmanchava à noite, para nunca a acabar), até que Ulisses, dado como morto em batalha, volta para Penélope, que o esperou, sem mácula. Pigmaleão esculpe uma estátua (Galatéia) e apaixona-se perdidamente por ela. E Marco António, que sai de Roma para aniquilar a tida por megera, que se deitara com Júlio César, e ao ver Cleópatra foi tomado de paixão e se rendeu aos seus encantos. E Sansão, que, perdido de amores por Dalila, deixou que cortasse as suas longas melenas e perdeu a sua proverbial omnipotência.
Henrique VIII que se via como um romântico, foi-o de forma estranha com, tantas quantas se sabe mais as que não se sabe, várias mulheres e passado o efémero fogo da paixão o único jogo erótico com que se prazenteava era o de as decapitar. Até com Anna Bolena! E Lord Nelson, que fez espalhar pelo exército napoleónico as cartas das traições de Josefina, sucumbiu a Lady Hamilton, cujo marido, Sir William Hamilton, lha entregou como oferta de agradecimento.
E o Duque e da Duquesa de Windsor. Ele, Rei Eduardo VIII de Inglaterra. Ela, Wallis Simpson, uma norte-americana divorciada e de beleza muito duvidosa. Por causa dela Eduardo abdicou do trono. Como Ricardo III, que, em desespero, disse durante uma guerra que trocaria seu reino por um cavalo, trocando afinal a sua coroa por uma boa noite. E, como nos contos de fada, viveu feliz pelo resto da vida ao lado da mulher escolhida.
E Perón e Evita. Ela, actriz obscura de segunda categoria, do tipo chorus line. Ele, o futuro ditador, como dote, transforma-a na primeira-dama da Argentina e num dos maiores mitos do século.
E Onassis e Maria Callas, que mesmo depois dele se ter casado com a “rainha americana” - Jacqueline Kennedy, nunca perdeu de vista a sua diva.
Um dos maiores compositores clássicos do mundo, Frédéric Chopin teve um caso tempestuoso com George Sand – aquela que, no século XIX, lançou a moda das calças para a mulher. Chamou-lhe Amandine Aurore Dupin, quando se vestiu de romancista, adoptou o nome e as atitudes masculinas - fumava charutos e dava opiniões escandalosas. Assumindo um lado mais feminino do que Madame George Sand, e nesse cruzar de almas, apesar das brigas violentas, viveram juntos durante nove anos e tiveram uma filha.
E Eleonora Duse e Gabriel D'Annunzio. Com fantásticos enlaces, lances e desenlaces dramáticos. Em que Duse sofreu à exaustão pelo poeta e lhe perdoou os devaneios da juventude. Para provar que o relacionamento entre duas pessoas extraordinariamente inteligentes e cultas tem tudo para se transformar em obra de arte.
Mas terá sido com Jean-Paul Sartre (ele, só o criador do existencialismo) e Simone de Beauvoir (ela, só a primeira feminista militante) que se conheceu uma das maiores histórias de amor. Os dois, na procura de um equilíbrio em que ao amor fosse permitido sobreviver, esculpiram publicamente as bases para o primeiro casamento aberto e mantiveram-se unidos até que a morte (de Sartre) os separou.
O grande escândalo sexual do final do século passado ficou por conta de Oscar Wilde e Lord Alfred Douglas. Wilde, cujo mais adorado fait-divers era o de chamar escandalosamente a atenção, apaixonou-se pelo jovem Lord e exibia-o em todos os lugares, chocando de raiva a puritana sociedade inglesa da época, a ponto de ser condenado à prisão (na Inglaterra de então a homossexualidade era crime), o que lhe valeu um passaporte para a posteridade.
E Wagner, que assume um romance público com Ludwig II, Rei da Baviera. Wagner não deixou a esposa, mas foi o jovem monarca que o protegeu e ajudou nos problemas financeiros.
Rimbaud foi um jovem poeta-maldito que, logo ao chegar a Paris, formou par romântico com o já consagrado Verlaine. Muitos anos mais velho, Verlaine era bem casado e homem de família, mas larga a estabilidade do lar para viver uma alucinante ligação com Rimbaud e tudo acabou … num tiro. Não houve morte, mas ficou ferida tão avassaladora paixão.
No capítulo dos casais estranhos, no topo está o formado por Nijinsky e o seu cruel empresário, Sergei Diaghilev. Foi Diaghilev que contribuiu para enlouquecer Nijinsky, tornando a sua carreira tão grandiosa e … curta.
A escritora Gertrude Stein amou perdidamente Alice B. Toklas. Viveram juntas a vida inteira, como um casal tradicional, em que a fidelidade era ponto de honra. E porque o modelo era estranho demais para os Estados Unidos, Gertrude escolheu para residir Paris, assumiu a sua gordura, a sua fealdade e o seu lesbianismo, dava festas memoráveis, cujos freqüentadores eram a fina flor da intelectualidade da época (como Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald). E foi feliz até Alice morrer.
E Gertrude Stein/Alice B. Toklas, e para Jean Cocteau e o actor Jean Marais, também foi Paris a pátria dos seus amores públicos, duradouros, e levemente escandalosos.
E como esquecer Romeu e Julieta? Que ficaram o símbolo do amor absoluto e morreram um pelo outro. E outros personagens de Shakespeare. Hamlet, o Príncipe da Dinamarca, cuja Ofélia enlouqueceu de paixão, face à apatia do príncipe que amava mais o reino que … a ela. E Othelo e Desdemona. O mouro de Veneza não suportou a suspeita levantada por Iago, que dizia que Desdêmona o traía e estrangulou a mulher. Othelo é a espada do ciúme. E Fausto e Margarida. Ou o amor do soldado Don José pela cigana Carmen, tão volúvel que não resistia a oferecer-se de bandeja a todos os homens que lhe passavam ao lado não deixando outra alternativa a Don José senão matá-la.
Casal trágico e romântico é o da Dama das Camélias: Marguerite Gauthier e Armand Duval. A Dama das Camélias, afinal descoberta uma prostituta de luxo morre tuberculosa e deixa Armand inconsolável.
E Cyrano de Bergerac, que por causa da sua fealdade, embora apaixonado pela bela Roxanne, não deixa que ela o veja e ama-a por correspondência, conseguindo que Roxanne o amasse pelas cartas. Um amor epistolar.
Victor Hugo imortaliza o amor de Quasímodo, o Corcunda de Notre Dame, por Esmeralda, uma cigana que ele esconde na famosa Catedral de Paris.
E Scarlet O'Hara e Rett Butler de “E o Vento Levou”? A orgulhosa beldade do Sul dos Estados Unidos e o aventureiro, envolvidos em apaixonados beijos e olhares.
Tennessee Williams cria a solitária e neurótica Blanche Du Bois de “Um Comboio Chamado Desejo”, que vive uma devastadora atracção pelo cunhado - o rude Stanley Kowalski.
Tarzan e Jane formam um casal muito especial, com uma vida fastidiosamente saudável, em que a prática de actos amorosos (nunca explícitos) era secundada pelas paisagens paradisíacas.
E os “pares” como Clark Gable/Carole Lombard, Spencer Tracy/Katherine Hepburn, Humphrey Bogart/ Lauren Bacall, Elizabeth Taylor/Richard Burton, casais possuidores de uma química explosiva nas telas e que se apaixonaram na vida real.
O ídolo dos filmes de gangsters, o indestrutível Humphrey Bogart mal começa a filmar “Uma Aventura na Martinica” apaixona-se forazmente por Lauren Bacall. Bogart passara dos 40 anos e a actriz tinha 19. E as ardentes cenas teatrais de amor acabaram em realidade.
E sobre Elizabeth Taylor e Richard Burton? Que, entre filmes (Cleopatra, Gente Muito Importante, Adeus às Ilusões, A Megera Domada ....), casavam, divorciavam, com brigas homéricas, cheios de alcool, drogas e café preto, que se tornaram conhecidos por destruir toda a mobilia dos quartos dos hotéis de cinco estrelas em que se hospedavam, mas nunca deixaram de se amar furiosamente. E tudo terminou apenas porque o Além chamou Burton!
Fogo, chama, lume. Incendeie-se o coração, que mais vale amar um só dia que desamar toda a vida! Porque, afinal, reconheça-se, a vida é para ser vivida.

Corrupção e ... Queijo limiano, sem dúvida!

Acabei de ler a Studia Iuridica 56 - O Crime de Colarinho Branco (Da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da Justiça Penal), de Cláudia Maria Cruz Santos. O termo “crime do colarinho branco” (White-Collar Crime) surgiu em 1939, num discurso de Edwin Sutherland, na American Sociological Association, e remete para o crime cometido por uma pessoa respeitável e de elevado estatuto social ou económico, no exercício das suas funções ou cargo. O aumento do desemprego nos países desenvolvidos aponta para um nível acima dos 10% até ao final de 2010, o que pode levar ao aumento dos crimes de "colarinho branco", segundo um estudo da seguradora inglesa Hiscox.
Ora, o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), criado para detectar e prevenir riscos de corrupção activa e passiva, de criminalidade económica e financeira, de branqueamento de capitais, de tráfico de influência, de apropriação ilegítima de bens públicos, de administração danosa, de peculato, de participação económica em negócio e de abuso de poder ou violação de dever de segredo. Das suas competências faz, igualmente, parte a recolha e processamento de informações de modo a identificar as áreas mais vulneráveis à penetração dessas práticas. Foi criado pela Lei n.º 54/2008, 4.Set., e é liderado pelo presidente do Tribunal de Contas (TC), Guilherme de Oliveira Martins, integrando ainda o Director-Geral do TC, 3 Inspectores-Gerais (Finanças, Obras Públicas e Administração Local), 1 magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho Superior da Magistratura, 1 advogado nomeado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados e uma personalidade de mérito.
O CPC realizou um estudo abrangendo organismos e serviços da Administração Pública e concluiu que mais de metade das 700 entidades públicas ouvidas revelaram falhas. Um número significativo de organismos não negoceia formalmente os termos dos respectivos contratos, nem sequer elabora as minutas nem os anexos. Há uma tendência para atribuir a gabinetes externos o acompanhamento da execução dos contratos, sobretudo, os de empreitadas de obras públicas, confirmando a falta de uma cultura em procedimentos de follow-up, cuja principal consequência é a tão falada derrapagem de custos e prazos contratuais. O inquérito mostrou ainda que o preço e a qualidade dos bens ou serviços são somente avaliados à posteriori (quando o são), que os conflitos de interesse não são declarados e que não há uma cultura anti-corrupção nos serviços. Constataram-se falhas na atribuição de benefícios públicos, sem se fundamentarem as decisões que os concedem nem se estabelecerem regras quanto à sua utilização. O que levou o CPC a conceder um prazo de 90 dias aos organismos públicos para que façam um plano de gestão de riscos de corrupção e infracções e a designar um responsável e a pedir aos organismos de inspecção que controlem a aplicação destas medidas, avisando que fará inspecções sistemáticas às entidades gestores de dinheiros públicos. "Uma fonte do Conselho de Prevenção da Corrupção disse à TSF que este é o primeiro passo de uma grande revolução." Conclui a notícia. Ficamos à espera que estejam concluídos os 90 dias e que o dito plano seja implementado. E ficamos também à espera dessa "grande revolução". Esperemos sentados!
Aprovado o OE/2010 repara-se que a conclusão da avaliação da revisão penal de 2007, o reforço dos meios da investigação criminal e o desenvolvimento de Planos de Gestão de Riscos de Corrupção são prioridades assumidas na área da Justiça. Segundo o relatório preliminar do OE, o Governo vai «reforçar os meios tecnológicos da investigação criminal, através da implementação da Aplicação para Gestão do Inquérito-Crime e de plataformas colaborativas com órgãos de polícia criminal», e reforçar o investimento nos meios de cooperação judiciária internacional (EUROJUST, EUROPOL e INTERPOL), dando particular importância para a colaboração entre polícias no combate à criminalidade organizada, ao crime económico-financeiro e à corrupção.
Estão, pois, confirmados grandes investimentos na criação de conselhos, na realização de inquéritos e na implementação de outros mecanismos que se julgam expeditos para acabar com um problema que nos custa a todos e que só favorece alguns. O que nos dá a maior legitimidade para aguardar resultados e evidências. E, pelos vistos, lá pelo fim do ano, muita gente pode vir a ser indiciada e dessa gente, provavelmente, alguma (pelo menos) será condenada e acabará por ter de passar a ver o sol aos quadradinhos.
O que nos preocupa. À semelhança do que aconteceu para a (re)construção do parque escolar, este pode, também, ser um bom pretexto para ajustes directos e mais obras. Com a condenação maçica de tanta gente as prisões que existem serão menos que poucas e, seguramente, podem ter condições de habitabilidade e conforto insuficientes. Até porque é gente que está habituada a ver os seus colarinhos impecavelmente brancos! Seria até o caso de invocar a al. c) do nº 1 do artigo 24º do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro (Código dos Contratos Públicos): a "urgência imperiosa". Imagine-se que chegamos ao fim do ano sem prisões adequadas! Seria uma pena ter de deixar de prender os corruptos apenas por ter falta de instalações para os instalar convenientemente. Tanto mais que isso os tornaria em sem-abrigo e o que o menos queremos é aumentar o número de gente a viver nas ruas. Aliás, até estranho que uma boa fatia do OE não tenha já ficado reservada para a construção do dito alojamento. Porque será que se esqueceram disso? Uma questão de corrupção e de ... queijo limiano. Claro está!