Acho que me admirarei sempre com a quietude que parece ser normal nas gentes e a inquietude que faz diferir as pessoas. Sou confessadamente desassossegada, padeço de falta de sossego; sofro de inquietação, eventualmente, admito, de alguma perturbação, vivo em agitação, seja, em desassossego.
Encontro-me dentro daquele género da "Caverna", de Saramago. Sou um homem ‘da raça dos desassossegados de nascença’.
Sigo Pessoa. "Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei."
E vale-me escrever. É a minha psicoterapia. "Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."
E sinto. Sinto o que sonho. Sinto a paz. Com fugas p'ra uma frente de guerra. Sou desconcertante. Tenho um coração errante. Vou sempre em busca de mais. Recuso-me a sentir um coração medroso, um daqueles que, de repente, manda na gente. Exijo um coração corajoso. Um que respire profundo. Um que dome o mundo. Um que lute por ideias e por ideais. Um que lute pela liberdade. Um que lute. Um que sinta do alto da sua timidez. Um coração armado em actor principal, de um grande teatro, a enfrentar a platéia, com altivez. Um coração de encanta e encantado, encantatório, Um coração que se faça entender. Um que transforme uma vida efémera em plenitude. Energia em vida. Desperto para a plenitude. Reverter tristeza em poder. Continuar a querer. A poder. A chorar. A amar. A viver. E a Sobreviver. Acredito que sem sonhar não teria sobrevivido. Ter-me-ia apaziguado a uma vida de não-sonho. Vítima do desconsolo.
Mas que se lixe o infortúnio!
Como nas "cartas de amor", que se são ridículas, mais ridículo é quem as não tem, também se sonhar é ridículo, mais ridículos ainda são os que não sonham!
Porque "Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer", (In Movimento Perpétuo, 1956, de António Gedeão).
E sabem que mais? Que se lixem os que não sonham! Gaita! Deve ser uma vida estúpida! E triste! Porque, se "Uns governam o mundo, outros são o mundo."