terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Arguidos e Inocentes - (in)qualidades

Em 2007, o candidato independente à Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues, foi constituído arguido no caso Bragaparques.
Em 2008, José Apolinário, edil farense, foi acusado de denegação de justiça.
Em 2009, nove autarcas de Coimbra foram constituídos arguidos no inquérito relacionado com a venda pelo conselho de administração dos Correios, em 2003, de imóveis dos CTT em Coimbra e em Lisboa.
Mais recentemente, o embargo da abertura de um caminho no Douro Internacional levou a mais um molhe de autarcas arguidos, os presidentes das Câmaras de Miranda do Douro e de Vimioso e o presidente da Junta de Freguesia de Miranda do Douro, por (alegada) prática do crime de desobediência.
Se pensarmos nisto como uma praga, estranhamos que a Associação Nacional de Municípios Portugueses critique a intenção do Governo de obrigar autarcas arguidos a suspenderem os mandatos, qualificando-a de "incompreensível, legalmente duvidosa, desnecessária e irrazoável”.
Em causa a intervenção legislativa que obrigue os autarcas constituídos arguidos em processos criminais, e com acusação deduzida, a suspender os mandatos, criando assim uma nova inelegibilidade dos cidadãos para cargos autárquicos.
Depois de João Cravinho ter visto o seu pacote anti-corrupção ir para as calêndulas, parece que o PSD, provavelmente numa tentativa de limpar as suas fileiras, pretende incluir a questão no pacote anti-corrupção (os "olhos da cara" de Luís Marques Mendes).
Trata-se de retomar, com algumas alterações, o diploma apresentado em Dezembro de 2005, na altura liderado por Marques Mendes, que previa que os cidadãos acusados de crimes graves ou sujeitos a prisão preventiva fossem impossibilitados de se candidatarem a quaisquer órgãos autárquicos. Ao tempo, vivia-se o rescaldo das eleições autárquicas de Outubro de 2005, e Marques Mendes tomou a decisão de retirar o apoio do PSD aos candidatos-arguidos, Isaltino Morais, em Oeiras, e Valentim Loureiro, em Gondomar. Veio a confirmar-se que o povo pouco liga a estes ilícitos não os considerando de monta, já que estes acabaram por concorrer em listas independentes e ganhar. O mesmo aconteceu quatro anos depois, em Outubro passado.
O projecto de lei acabou por ser aprovado na generalidade com os votos a favor do PS e do PSD, mas ficou a jazer na comissão parlamentar até ao fim da legislatura, em Outubro passado.
Passados os oportunismos eleitorais espera-se que haja agora a vontade política dos partidos, caso seja apresentado um novo diploma, já com as "arestas" que provocaram a constatação da Oposição à Esquerda limadas. Da pedra bruta à pedra polida, diríamos.
Os socialistas manifestaram abertura para acolher a proposta e Manuela Ferreira Leite admitiu, ainda antes das últimas eleições autárquicas, ter agora a "abertura e disponibilidade" para a introdução de regras que permitam "maior transparência na vida política", assim respondendo indirectamente a Marques Mendes, que nos últimos meses e, em particular, no período pré-eleitoral, se fartou de pregar sermões aos peixes, não se cansando de "aconselhar" o PSD "a reforçar as suas preocupações com a ética e a credibilidade na vida política", criticando "a falta de coragem" dos partidos para avançar com a aprovação final do projecto de lei.
Se o processo legislativo tivesse sido concluído e a lei estivesse em vigor o resultado das autarcas seria diferente já que nenhum autarca acusado de crime grave teria sido eleito, ainda que concorresse com uma candidatura independente.
Resta saber se a classe política está preparada para uma tal medida. Não existindo a cultura da sucessão nos dois partidos que asseguram a bipolaridade da política portuguesa, as fileiras começam a denunciar uma evidente falta de vigor, uma escassez de gente nova, e uma aculturação de pouco rigor que pode ter viciado os dados. Está ainda por apurar se as máquinas partidárias estão mesmo dispostas a abrir alas à entrada de novos membros, adeptos de políticas de rigor, ferverosos defensores de valores tradicionais, de há muito perdidos, competência, seriedade e honestidade.
Qualidades nem sempre bem vistas pela classe política. Porque isso importa que muitos saiam - e o Poder é viciante - e que poucos entrem!
Nas malhas que o Império tece, estas não são qualidades essenciais! Provavelmente, estas podem ser mesmo características incómodas! E o apelo do Poder é tanto que quem lá quer chegar nada mais pode fazer que disfarçar, tão bem quanto possa e consiga, essas (in)qualidades! Trata-se do confronto entre duas noções: Preço e Valor (qual é o preço de cada um? e qual é o seu valor?), porque se nos conseguem licitar com um preço então é porque já perdemos todo o Valor!