quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Politicamente correcto - As coisas pelos nomes!

Agora que, por fim e inesperadamente, decidi filiar-me, e que até posso fazer uma ou outra incursão política, devia começar a preocupar-me em assumir atitudes "politicamente correctas". Abraçar a actividade política - ou utilizando uma linguagem revisitante de Abril, a acção política - exige acomodamento ao status comportamental reinante. Se bem que o que me fascine na Política é a Política com maiúscula, não a politiquice.
Assumo, pois, que uma das primeiras lições é, provavelmente, dado o meu mau feitio, a maior e a mais difícil de aprender: ser politicamente correcta. O que exigia que aprendesse a sê-lo! O que não quero fazer! Afinal, agora que me livrei da minha ligação ancestral (desde 90) à Administração Pública, estou livre (sempre fui livre, mas efectivamente obrigaram-me - e obriguei-me - a conter a minha irreverência) para ... ser livre!
Vejamos o que é ser Politicamente Correcto. Trata-se de aparentar um comportamento conforme ao socialmente estabelecido. Pensar de acordo com o status dominante. Não se pense que a expressão se circunscreve à política, ela alarga-se e alcança as atitudes mais dispares, desde o puritanismo à censura, ao dogmatismo, à ditadura das minorias. Uma das razões, a principal razão, em tempos de ditadura, em que os homens livres, ou o livre pensamento constitui não só a maior ameaça, mas sim A ameaça, estar e ser politicamente correcto significa actuar segundo as regras da moral burguesa. O que significa que aqueles tremendos disparates que impingiram aos nossos avós, via cultura salazarista, são muito - às vezes demasiado - semelhantes aos que, nos dias de hoje, nos querem imbuir. Provavelmente com a única diferença de que hoje, ao contrário de outrora, o politicamente correcto antes preocupava-se mais com o comportamento, com as atitudes sociais, e menos com a política ou o pensamento. Dantes, o politicamente correcto era absolutamente totalitário, ocupava selvaticamente o que o ser humano tem de mais seu: o pensamento.
Apregoam os eternos adeptos do "saber viver" o politicamente correcto como se nele se concentrassem todas as virtudes: prega a igualdade, o respeito pelo próximo, o anti-racismo, a tolerância para com todas as crenças políticas e religiosas. De facto, este é quase uma religião total, vai da moral ao comportamento, da política à sociologia, até às ciências da comunicação ... Para o politicamente correcto só há uma verdade: a sua. O politicamente correcto defende a tolerância ... mas apenas para o que é a sua verdade. O que opera como se cada ser perfeito - cada ser politicamente correcto - vive num universo igualmente perfeito. Até nos denominados assuntos fracturantes, para se ser politicamente correcto basta cumprir umas quantas penitências. Aos brancos, cabe assumir a sua co-culpa original na absentia, na escravatura, nos genocídios, no extermínio das espécies e nos maus tratos aos animais, etc..
Especificamente, as mulheres brancas costumam manifestar um grau inferior de culpa, porque embora exibam nos seus percursos individuais os mesmos pecados originais que todas as outras, se fazem valer da atenuante de terem sido vítimas de três mil anos de civilização judaico-cristã. Até para se ser uma mulher comum, para se manter politicamente correcta, somos obrigadas a ter o maior cuidado: a maquilhagem foi testada em animais? Fora as peles e outros tecidos oriundos de animais! Reciclem-se os restos do almoço e do jantar!
Pior é o politicamente correcto da linguagem anti-xenófoba. Não é politicamente correcto gostar de touradas. Temos de ser contra a morte dos animais! Mas atenção apenas quando morrem às mãos dos homens. Já é uma morte politicamente correcta se o boi (ou a vaca) for abatida num matadouro que obedeça às regras sanitárias de acordo com a legislação nacional e comunitária, sob a ditadura da ASAE - de resto, uma das entidades oficiais politicamente correctas - na discrição do local, e se nos for servida num prato sob a forma de bife. Quem não se lembra das manifestações de massas que os arautos do politicamente correcto organizaram em Barrancos?
Do ponto de vista da assimilação cultural, ser politicamente correcto significa para o vulgo ter a pretensão de ver as culturas que nos são desconhecidas com os mesmos olhos com que vemos a nossa. Politicamente quem mais defendeu a descriminalização do aborto foi quem conseguiu adiar que o Parlamento legislasse condenando a excisão do clítoris nas comunidades imigrantes.
Igualmente quando se julgam as ditaduras, o politicamente correcto tende a considerar as terceiro-mundistas, ou que se invoquem do anti-capitalismo ou do anti-americanismo, como boas e em qualificar os regimes democráticos que se lhes opõem de imperialistas e opressores.
O politicamente correcto assumiu um papel que relegou os qualificativos caseiros para as calêndulas, substituindo-os por vocábulos mais "normalizados", "civilizados", eufemismos urbanos. Proibiram-se determinadas nomenclaturas e olha-se em viés quem persiste em usá-las. Passámos de contínuo a auxiliar de acção educativa, de criadas a mulheres a dias e depois a empregadas domésticas, de varredores a técnicos de limpeza e jardinagem, etc.. E há ainda umas quantas categorias para as quais se torna cada vez mais difícil encontrar no léxico comum uma denominação politicamente correcta, como no caso dos homossexuais. Restam os circunlóquios.
Bom. Pergunta o amigo como resistir a esta avalanche de vocábulos "refinados" que pretendemos ostentar como indício - o único?! - de civilização.
Deixe que lhe diga. Resista ao atropelo. Arrogue-se o direito de ser irreverente. Não adira ao movimento dos que "adaptam" às exigências do status quo, com medo de ser diferentes, e de pagar, bem caro, por essa(s) diferença(s). Faça uma desintoxicação, encare o politicamente correcto com a mesma frontalidade com que enfrentou a Gripe A, evite-se a contaminação maciça. Primeiro remédio: consciencialize-se de que o politicamente correcto é uma linguagem verbal, gestual e corporal e resista-lhe! Segundo: torne-se um feroz adepto da renúncia às terminologias politicamente correctas e aos movimentos e ideologias que as apoiam.
Credo, criaturas, chamem - reivindiquem o intemporal direito - as coisas pelos nomes!