Acabei de ler a Studia Iuridica 56 - O Crime de Colarinho Branco (Da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da Justiça Penal), de Cláudia Maria Cruz Santos. O termo “crime do colarinho branco” (White-Collar Crime) surgiu em 1939, num discurso de Edwin Sutherland, na American Sociological Association, e remete para o crime cometido por uma pessoa respeitável e de elevado estatuto social ou económico, no exercício das suas funções ou cargo. O aumento do desemprego nos países desenvolvidos aponta para um nível acima dos 10% até ao final de 2010, o que pode levar ao aumento dos crimes de "colarinho branco", segundo um estudo da seguradora inglesa Hiscox.
Ora, o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), criado para detectar e prevenir riscos de corrupção activa e passiva, de criminalidade económica e financeira, de branqueamento de capitais, de tráfico de influência, de apropriação ilegítima de bens públicos, de administração danosa, de peculato, de participação económica em negócio e de abuso de poder ou violação de dever de segredo. Das suas competências faz, igualmente, parte a recolha e processamento de informações de modo a identificar as áreas mais vulneráveis à penetração dessas práticas. Foi criado pela Lei n.º 54/2008, 4.Set., e é liderado pelo presidente do Tribunal de Contas (TC), Guilherme de Oliveira Martins, integrando ainda o Director-Geral do TC, 3 Inspectores-Gerais (Finanças, Obras Públicas e Administração Local), 1 magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho Superior da Magistratura, 1 advogado nomeado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados e uma personalidade de mérito.
O CPC realizou um estudo abrangendo organismos e serviços da Administração Pública e concluiu que mais de metade das 700 entidades públicas ouvidas revelaram falhas. Um número significativo de organismos não negoceia formalmente os termos dos respectivos contratos, nem sequer elabora as minutas nem os anexos. Há uma tendência para atribuir a gabinetes externos o acompanhamento da execução dos contratos, sobretudo, os de empreitadas de obras públicas, confirmando a falta de uma cultura em procedimentos de follow-up, cuja principal consequência é a tão falada derrapagem de custos e prazos contratuais. O inquérito mostrou ainda que o preço e a qualidade dos bens ou serviços são somente avaliados à posteriori (quando o são), que os conflitos de interesse não são declarados e que não há uma cultura anti-corrupção nos serviços. Constataram-se falhas na atribuição de benefícios públicos, sem se fundamentarem as decisões que os concedem nem se estabelecerem regras quanto à sua utilização. O que levou o CPC a conceder um prazo de 90 dias aos organismos públicos para que façam um plano de gestão de riscos de corrupção e infracções e a designar um responsável e a pedir aos organismos de inspecção que controlem a aplicação destas medidas, avisando que fará inspecções sistemáticas às entidades gestores de dinheiros públicos. "Uma fonte do Conselho de Prevenção da Corrupção disse à TSF que este é o primeiro passo de uma grande revolução." Conclui a notícia. Ficamos à espera que estejam concluídos os 90 dias e que o dito plano seja implementado. E ficamos também à espera dessa "grande revolução". Esperemos sentados!
Aprovado o OE/2010 repara-se que a conclusão da avaliação da revisão penal de 2007, o reforço dos meios da investigação criminal e o desenvolvimento de Planos de Gestão de Riscos de Corrupção são prioridades assumidas na área da Justiça. Segundo o relatório preliminar do OE, o Governo vai «reforçar os meios tecnológicos da investigação criminal, através da implementação da Aplicação para Gestão do Inquérito-Crime e de plataformas colaborativas com órgãos de polícia criminal», e reforçar o investimento nos meios de cooperação judiciária internacional (EUROJUST, EUROPOL e INTERPOL), dando particular importância para a colaboração entre polícias no combate à criminalidade organizada, ao crime económico-financeiro e à corrupção.
Estão, pois, confirmados grandes investimentos na criação de conselhos, na realização de inquéritos e na implementação de outros mecanismos que se julgam expeditos para acabar com um problema que nos custa a todos e que só favorece alguns. O que nos dá a maior legitimidade para aguardar resultados e evidências. E, pelos vistos, lá pelo fim do ano, muita gente pode vir a ser indiciada e dessa gente, provavelmente, alguma (pelo menos) será condenada e acabará por ter de passar a ver o sol aos quadradinhos.
O que nos preocupa. À semelhança do que aconteceu para a (re)construção do parque escolar, este pode, também, ser um bom pretexto para ajustes directos e mais obras. Com a condenação maçica de tanta gente as prisões que existem serão menos que poucas e, seguramente, podem ter condições de habitabilidade e conforto insuficientes. Até porque é gente que está habituada a ver os seus colarinhos impecavelmente brancos! Seria até o caso de invocar a al. c) do nº 1 do artigo 24º do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro (Código dos Contratos Públicos): a "urgência imperiosa". Imagine-se que chegamos ao fim do ano sem prisões adequadas! Seria uma pena ter de deixar de prender os corruptos apenas por ter falta de instalações para os instalar convenientemente. Tanto mais que isso os tornaria em sem-abrigo e o que o menos queremos é aumentar o número de gente a viver nas ruas. Aliás, até estranho que uma boa fatia do OE não tenha já ficado reservada para a construção do dito alojamento. Porque será que se esqueceram disso? Uma questão de corrupção e de ... queijo limiano. Claro está!