Em Abril de 2008, Jorge Coelho abandona a carreira política e entra a fundo no mundo empresarial, assumindo a presidência executiva do grupo Mota-Engil. Luís Parreirão, é um dos actuais administradores do mesmo grupo. Agora, o ex-ministro do Equipamento Social e o ex-secretário de Estado das Obras Públicas foram ouvidos pelas autoridades na investigação judicial e constituidos arguidos no caso da transferência de verbas para o Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA), em Santarém. A PJ, ao que diz, recebeu de um organismo público "alegados" indícios de "supostos" artifícios jurídico-financeiros sob o financiamento do CNEMA. JC emitiu, entretanto, um comunicado em que confirmou ter recebido, através do primeiro-ministro, um pedido para "ajudar a resolver um problema que existia" entre a Estradas de Portugal, a Câmara de Santarém e o CNEMA, mas que não acompanhou o desenvolvimento do caso e, por isso, diz que no processo não consta qualquer assinatura sua. Em causa está um protocolo, assinado em 2000, entre a EP e o CNEMA, em que o governo se comprometia a pagar cerca de €4,5 milhões à CSantarém pela compra de parte da circular interna (construída pelo município). Dessa verba, a autarquia transferiria €3,3 milhões para o CNEMA. O dinheiro parece não ter chegado ao destino e a autarquia entregou, em alternativa, um terreno que veio a ser valorizado com a aprovação de um plano de pormenor, mas o mesmo, por sucessivos problemas, acabou por ser hipotecado. José Miguel Noras (PS), presidente da Câmara à data, contestou os termos do acordo, alegando que as verbas recebidas eram da autarquia.
Francisco Moita Flores, actual presidente da Câmara, escreveu ao Ministério Público afirmando que não entregará qualquer verba até que estejam concluídas as investigações. O mesmo diz-se surpreendido com o envolvimento dos dois antigos governantes no processo e assegura que irá requerer a constituição da autarquia como assistente. "Ainda hoje [ontem] vou jantar com o advogado, porque a câmara é a maior interessada em que tudo seja apurado", "Alguém meteu políticos do governo central para deitar fumo em vez de fazer brasas. Não posso deixar descentrar isto do que é essencial." Sem esperar pela conclusão das investigações e, a não ser que Moita Flores saiba mais do que diz saber, sentenciou.
Conhecem-se os possíveis efeitos que um processo destes pode ter na honra de alguém. Mais quando se é político. E mais ainda quando foi uma "fonte ligada ao processo" que disse - da PJ ou do MP - , que não há qualquer indício de corrupção ou de enriquecimento ilícito, mas apenas dúvidas sobre a regularidade do procedimento adoptado para financiar a actividade do CNEMA, através da Estradas de Portugal.
Vale lembrar o artigo "Uma questão de honra", de 16 de Novembro último, de Mário Crespo, na IN VERBIS, em que evoca Mark Felt. Formado em Direito pela Univ. de Georgetown. Alta patente da marinha dos Estados Unidos. Com missões complexas no Pentágono e na CIA. Na guerra do Vietname serviu no Conselho Nacional de Segurança de Henry Kissinger. Acabou como Director Adjunto do equivalente americano à nossa Polícia Judiciária. Durante vários anos foi Director Geral interino do FBI. Foi nesse período que Mark Felt se tornou no "Garganta Funda." Muito se escreveu sobre as motivações de um alto funcionário do aparelho judiciário americano na quebra do segredo de justiça no Watergate. O curriculum de Felt impunha-lhe e o instinto recomendava-lhe que mantivesse a orientação clássica de reserva total sobre assuntos do Estado. Hoje é consensual que Mark Felt denunciou a traição presidencial de Nixon por uma razão. "Para ele, militar e jurista, acabar com o saque da democracia americana era uma questão de honra. Pôr fim a uma presidência corrupta e totalitária era um imperativo constitucional. Felt começou a orientar em segredo os repórteres do Washington Post quando constatou que todo o aparelho de estado americano tinha sido capturado na teia tecida pela Casa Branca de Nixon e que, com as provas a serem destruídas, os assaltos ao multipartidarismo ficariam impunes. A única saída era delegar poder na opinião pública para forçar os vários ramos executivos a cumprir as suas obrigações constitucionais."
Repete-se, a não ser que MF ache que a situação é idêntica e que apenas a opinião pública pode julgar mais um caso político, talvez fosse preferível deixar aos tribunais o que a eles pertence e à política o que lhe cabe. MF tem, nesta matéria, uma obrigação reforçada. É um homem das lides judiciárias e não é propriamente um leigo em matéria de justiça.
Antes de continuar a deitar por terra uma imagem que lhe deu tanto trabalho a criar, talvez fosse recomendável a leitura do acórdão nº 0078643 de Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 Maio 1998, que diz "I - Nem o direito à honra, nem a liberdade de imprensa e de expressão (como os demais direitos fundamentais), são direitos absolutos; mediante critérios de proporcionalidade, hão-de limitar-se reciprocamente para que possam coexistir no mesmo ordenamento jurídico. II - O político ou membro do Governo, como "figuras públicas" que são, sem terem de se sujeitar ao impulso, têm, no entanto, de suportar uma exposição à discussão e critica pública maior do que as pessoas privadas; - o que, por regra, conduz a uma acentuada redução da dignidade penal e da carência de tutela penal da honra."
Não posso estar mais de acordo com Paulo Pinto de Albuquerque, que, a 5 de Junho último, no DNOpinião, dizia "Assim, a liberdade de expressão deixa de ser o bastião defensivo da democracia, ela transforma-se no elemento mais corrosivo da própria democracia, atingindo a torto e a direito os políticos, incluindo o mais elevado magistrado da Nação. Esta forma de proceder tem um efeito nefasto previsível, que é o de promover os discursos extremistas e demagógicos. A promoção da demagogia é, aliás, facilmente constatável na sociedade portuguesa, pululando as insinuações e acusações contra os políticos no discurso de alguns responsáveis da sociedade civil e até de certas organizações profissionais. Mais grave ainda: as suspeitas infundadas atiradas para a praça pública alimentam objectivamente a descrença do cidadão comum nas instituições democráticas. Estas suspeitas são por vezes transmitidas de forma directa e descarada, outras vezes de maneira subliminar e difusa, mas quase sempre são lançadas para o público através de "frases assassinas", como um grande jornalista da CNN, Anderson Cooper, já lhes chamou. Estas suspeitas têm um efeito demolidor da autoridade moral e da credibilidade política da figura do visado. É bem verdade que uma carreira impoluta de longos anos de serviço à causa pública pode ser facilmente desbaratada por uma dessas frases assassinas, cujo dano nem a mais choruda indemnização verdadeiramente repara. Depois de lançada, a nódoa é quase sempre irreparável aos olhos do cidadão comum. Como queremos ter os cidadãos a votar e a intervir na vida política se a imagem dos políticos transmitida diariamente é a de gente interesseira e perversa, como se todos os políticos se medissem pelo mais baixo estalão ético? Em suma, a realidade mostra que chegou a hora de repensar os limites da liberdade de expressão, porque os limites esfumam-se quando se trata de sindicar a vida dos políticos. É imperioso repor as coisas nos seu lugar próprio, o que se consegue com a devida contenção e bom senso. É necessário relembrar esta verdade lapalissiana de que não há democracia sem políticos e sem partidos políticos. E que os políticos têm tanto direito à honra como tem o cidadão comum. O escrutínio da vida dos políticos pela imprensa e pelo cidadão comum não pode ser um meio instrumental para maltratar e denegrir infundadamente pessoas com funções políticas, que são gente de carne e osso como todos nós, cidadãos comuns. E que, como nós, também se sentem quando alguém injustamente lhes atira à cara insinuações e suspeitas."
Recomendo, pois, a Moita Flores que sossegue, no seu montinho, e veja o filme "A Few Good Men" (1992), (UMA QUESTÃO DE HONRA), que, além de juntar grandes talentos do ecrã (Jack Nicholson, Tom Cruise e Demi Moore), trata muitíssimo bem estas questões ... de honra. Porque afinal é disso mesmo que se trata. De honra. Da honra dos outros que temos de prezar tanto quanto a nossa. E disto devia Moita Flores - e, provavelmente, todos os que estão em cargos públicos, porque "quem anda à chuva molha-se" - lembrar-se antes de falar. Sobretudo porque, quem sabe se um dia, o feitiço não se volta contra o feiticeiro. E os outros falarão, então, com a mesma imprudência, sobre ele, também.