sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Recado para a oposição (em tempos de República) - estudem a biografia de Ávila (duque d'Ávila)

A propósito da falta de boa vontade demonstrada pela oposição em convergir com o Governo para aprovação do Orçamento, evidenciando uma postura de desprezo pelo bem-estar nacional e colocando o País sob o risco na não-governabilidade e consequente dissolução do Parlamento, medida que a ninguém servirá nem sequer aos próprios, lembrei-me de deixar algumas referências.
Primeiro, que infelizmente se constata que, em Política parecem ser precisas apenas duas qualidades: sinceridade e sagacidade. Sinceridade de político, é manter a palavra empenhada, custe o que custar. E sagacidade é nunca empenhar a palavra, custe o que custar. De que serve a oposição clamar a sua preocupação com o desemprego, a inflacção, a crise, em geral, se depois expõem o País a uma situação irresolúvel e altamente, devastadoramente, dispendiosa para o erário público?
Segundo, recomenda-se que os supostos preocupados políticos se lembrem de outros tempos, outros homens, que esqueceram as discrepâncias políticas e abraçaram o interesse nacional como causa.
Sendo eu fundadora da Academia de Estudos Laicos e Republicanos, estranhar-se-á que a figura de referência seja para ... um monárquico.
Trata-se da interessantíssima biografia de António José de Ávila, duque de Ávila e Bolama, agora passada a tese de doutoramento.
Diga-se já que foi um plebeu que chegou a duque, o que justificará o meu à-vontade.
Foi «egrégio estadista», com uma avassaladora «força da sua vontade», um «constante amor ao trabalho», um «formosíssimo talento» e uma «indiscutível probidade», «um dos nomes mais aureolados de luz na história da política portuguesa».
E - uma qualidade que faz tanta falta - um dos melhores parlamentares que por São Bento passara, senhor de «uma argumentação por vezes irrefutável» e «verdadeiramente invencível»
sempre que defendia, na tribuna, «uma causa justa». Foi «um lutador inquebrantável», «um argumentador de primeira força», um «medianeiro entre os partidos de combate».
Dizia sobre si «Tenho pura a consciência, e só segundo ela votarei; não me animam paixões, nem
de amizade nem de ódio, porque dentro desta sala, ponho de parte todas as personalidades e só me lembro do meu dever; só tenho em vista que sou deputado na nação portuguesa.» Pregava ser "necessário a todo o custo acabar com uma cisão que nos dividia, e cicatrizar quanto se pudesse, as profundas feridas das nossas dissensões". Foi «um ponto de apoio ao mecanismo das
instituições», sempre que nestas ocorriam «desequilíbrios violentos».
Sem nada fazer para isso, gerou-se à sua volta um movimento (o avilismo) que funcionava como "uma engrenagem suplementar, uma roda sobresselente para acudir a acidentes de percurso, uma espécie de tiers-parti, cuja magreza de efectivos era largamente compensada pela posição de charneira que normalmente desempenhava". Logo ele, que afirmava «Pela minha parte, nunca tive a louca pretensão de ter um partido meu. Contento-me em pertencer ao partido dos homens que querem sinceramente o bem do seu país." «Não tem querido formar partido, porque para isso tinha de criar clientela, para o que é necessário algumas vezes desatender à lei, o que repugna ao seu carácter: o seu partido é portanto o da nação, e por isso apoia os actos de todos os ministros que considera úteis à nação, e reprova todos os que lhe julga adversos." Confirmava ser um homem para todas as causas, desde que elas servissem a pátria, o rei, a liberdade e o progresso. Um dia, em conversa com Teles de Vasconcelos, semanas depois de ter abandonado a sua última Presidência do Conselho, em 1878, confidenciou-lhe: «Que lhe parece, Teles? Vocês alarmam o país com os seus projectos; eu sou chamado para fazer serenar os ânimos; e quando tudo está apaziguado e sereno, intimam-me para deixar o poder. Parece que sou o bombeiro que vem apagar os incêndios que vocês atearam.» Estaria sempre onde a pátria o quisesse. «Primeiro, que desejava a união universal em volta da coroa e o progresso económico do país; segundo, que era com imenso sacrifício que se via obrigado a tomar sobre si a tremenda responsabilidade de intervir nos negócios públicos; terceiro, que suspirava pelo dia em que o aliviassem de semelhante fardo; quarto, que se resignava a ele [ao fardo] para evitar males indescritíveis e fatais; quinto, que não tinha ambições, e que o não movia qualquer apetite de cargos, honras ou benesses."
Manuel de Arriaga resumia assim a sua personalidade:«Os homens que nascem sobre aqueles penedos, nascem livres, e jamais podem ser cobardes."
Enfim há sempre quem nos obrigue a reflectir: em tempos de monarquia existiam homens assim e na República, onde estão eles?