quarta-feira, 16 de junho de 2010

A profilaxia da Europa para a Democracia Portuguesa, na visão de Maria José Nogueira Pinto


Outro bom artigo de Maria José Nogueira Pinto, no DN Opinião.
Recorda que, há 25 anos, Portugal tornou-se membro da União Europeia. Parecia natural que, abandonado o espaço ultramarino após um atabalhoado processo de descolonização, com a perda de território, população, importância estratégica, massa crítica, mercado e o regresso à nossa configuração de 1414, a integração no espaço europeu surgisse como a única via. É bom lembrar, também, a ameaça pendente de um golpe totalitário, o PREC, as nacionalizações, o Pacto MFA-Partidos, enfim todas as vicissitudes que caracterizaram a nossa mudança de regime em 74, de Golpe de Estado a Revolução e por aí adiante. Para fazer face a riscos iminentes, a Europa surgia também como profiláctica para a nossa democracia.
O processo iniciou-se assim, condicionado pela urgência que relevava da nossa particular circunstância, pelo receio de não se conseguir levar a bom termo difíceis negociações e com o sobreesforço de repor a normalidade político-institucional, ordem nas finanças públicas e reconfigurar a nossa economia. E só por isto - que não é pouco - percebo que alguns, de boa fé, tenham visto a nossa integração como um novo desígnio nacional em substituição de outros cujos padrões e bandeiras se tinham, definitivamente, alienado.
Imediatamente se construiu, divulgou e impôs um discurso único sobre a nossa integração. Uma espécie de euforia que misturava os sentimentos provincianos dos que sentiam que, por fim, iam ser admitidos nesse clube selecto, as tentações dos que tinham de resolver problemas e não sabiam como e o deslumbramento das promessas de uma súbita abundância de milhões, dados aparentemente de mão beijada com o objectivo vago de nos modernizar. Quem podia ser contra? Quem se atreveria sem logo ser olhado como um reles ultramontano, nacionalista, irracional e iletrado? Teria sido pior não ter entrado? Não sabemos, porque os "ses" em história não valem nada. Mas o que sabemos é que as duas primeiras etapas - um espaço único e uma moeda única - requeriam de Portugal mais estratégia e menos voluntarismo. Ao Estado exigiam-se as reformas necessárias e em tempo útil para não estarmos agora descalços ou de sapatilhas. E aos portugueses requeria-se um qualquer sentimento colectivo, de adesão, dúvida ou rejeição, que os tivesse posto no projecto e não à margem dele. Mas não foi assim. Muitos dos nossos problemas estruturais mantiveram-se, as reformas ficaram por metade, o betão é de má qualidade e nunca se permitiu que os portugueses se pronunciassem, em referendo, sobre o processo.
A última etapa - a da união política - tocou os foros do patético com as reviravoltas da Constituição europeia transformada à pressa em Tratado - por ironia, de Lisboa - num desatino revelador da desagregação do desígnio. Entretanto o mundo mudou radicalmente e a Europa fez de conta que não viu. Não é isso que acontece aos clubes selectos que bruscamente se tornam apenas decadentes, vítimas da sua arrogância e das forma e fórmulas com que se protegem?
Pode ser que Portugal não tenha sido, afinal, esse bom aluno, orgulho de governantes e governados. Mas o que hoje constatamos é que a União Europeia foi a pior aluna de si própria, criando um espaço único que não pode defender, uma moeda única que não pode proteger e uma construção burocrática sem alma nem rasgo, que parece não representar nem países, nem cidadãos.
Passados estes anos, o sonho europeu parece sucumbir a um cumulo de incapacidades, tornando proféticas as palavras de Arístide Briand, escritas no longínquo ano de 1930 no Memorandum sur l'organisation d'un regime d'union fédérale européenne: "Qualquer possibilidade de progresso na união económica está rigorosamente determinado pela questão da segurança, e esta questão está intimamente ligada com a do progresso que venha a ser realizado na união política. É pois sobre o plano político que deve, de imediato, incidir o esforço construtor que dê à Europa a sua estrutura orgânica."