Nos anos fartos do "milagre económico", a imagem de Espanha passou de forma excessivamente brilhante. Por contraponto, hoje, os ataques dos mercados à dívida espanhola mancharam-na mais do que era merecido, considera El País.
Sabe-se que os alemães não primam pelo seu sentido de humor – e dos bancos alemães então! -nem se fala –. Mas quando é o próprio Deutsche Bank a qualificar a Espanha, em 2007, como "a variante feliz do capitalismo", e "uma das mais impressionantes histórias de sucesso das últimas décadas", temos a certeza de que o marketing passou com eficácia para os destinatários: os restantes países da UE. A marca Espanha (se o conceito existe) a escassos meses da entrada no túnel da crise era pois um colossal exemplo de sucesso.
Lamentável que seja uma recessão a recolocar a verdade das coisas e a acabar com falácias e distorções. Será injusto, mas se pensarmos na fotografia do primeiro-ministro Zapatero no Fórum de Davos, sentado entre o primeiro-ministro da Grécia (epicentro da crise financeira europeia) e o Presidente de Letónia (o país europeu que passou por uma crise mais profunda), tudo fica mais claro.
Os três últimos anos serviram, pelo menos, para despertar de um sonho e para entrar no pesadelo: abandonar, em suma, a ilusão de uma maravilhosa viagem pelo Expresso do Oriente, com longos 15 anos de bonança, sustentados num balão de ar, uma montanha russa de dívida privada, numa bolha imobiliária que explodiu nas mãos dos espanhois. Na perspectiva externa, vêm agora os maus exageros do tipo dos do Deutsche Bank: "A Espanha é o doente da Europa", disparou Desmond Lachman, do neoconservador American Enterprise Institute. "Ainda que se deva dizer que não está tão doente como a Grécia", acrescenta, em jeito de nota de rodapé, para diminuir a dose de veneno.
Problemas não explicam a atitude dos mercados para com o país: défice público, endividamento, redução drástica do consumo, desemprego, bolha imobiliária, dificuldades na banca, queda a pique da confiança e da competitividade. Os problemas da economia espanhola são sérios e de diversa ordem. Contudo, não explicam, só por si, o feroz ataque que sofreu nos mercados. Há outros países que estão na mesma situação ou pior (a Irlanda sem dúvida, talvez também a Itália) e não foram tão massacrados. Mas a economia é uma ciência eminentemente social: o relato, a história que conta, é tão importante como os números. E a Espanha é, claramente, um dos males desse relato que explica o capítulo actual da crise.
A causa é, precisamente, essa imagem de marca em baixa, o clima negativo do mercado em relação a Espanha, a desconfiança sub-reptícia, que se vai instalando na versão espanhola da crise. "Quando um taxista nigeriano de Washington aborda a questão do euro, da Grécia, e refere imediatamente a Espanha para perguntar se esta vai aguentar a pressão, é porque as coisas vão mal", assinala, a partir da capital dos Estados Unidos, Ángel Cabrera, director do lnstituto Comercial de Thunderbird, no Arizona.
"A marca Espanha foi atingida porque a economia esteve no olho do furacão, devido ao contágio da crise grega. O milagre espanhol, que toda a gente referia há alguns anos, esfumou-se. E essa chamada à realidade deve ser bem-vinda porque não somos tão ricos como julgávamos, nem, como país, podemos permitir-nos coisas que estiveram na ordem do dia, até há três dias apenas, literalmente, até à aprovação plano de ajustamento de um Governo que, ainda anteontem praticamente, continuava a negar a evidência. A vida é assim", explica Cabrera. "Dito isto, a exacerbação também é injusta: o que se conseguiu nos últimos anos não vai desaparecer de um dia para o outro. Os ganhos estão aí e chegou o momento de lhes dar o devido valor", aconselha.
Não foi só Espanha que geriu mal a crise. David Humphrey, professor catedrático de Economia na Florida, repudia com desdém os clichés que fazem da Espanha o doente da Europa, que começam a falar de "gripe espanhola". "Mesmo assim, a economia tem pela frente um grande abrandamento, condimentado por uma crise financeira e uma possível crise bancária", resume este antigo economista chefe da Reserva Federal. E, passando, para um tom mais ligeiro, Humphrey, que passa muitas vezes férias em Espanha, acrescenta: "Também não era muito normal essa coisa das duas casas, dois automóveis e dois filhos por família".
Os Estados Unidos e o Reino Unido chegaram a nacionalizar bancos e vários países europeus injectaram milhares de euros nos seus: em Espanha, apenas duas entidades foram alvo de intervenção. A dívida pública situa-se nos 200% do PIB, no Japão, e ronda os 100% em vários países da zona euro: não chega aos 60%, em Espanha, cuja economia caiu menos do que a dos grandes países. As exportações não perderam quota de mercado com esta crise. Há muitos indicadores que nos dizem que a crise é dura, que as reformas são necessárias... "A gestão da crise foi mal conduzida: o mesmo se pode dizer do resto da Europa. Nos anos bons, a imagem de Espanha era melhor do que devia ser e agora passou para o outro extremo. Sem surpresas: é sempre, sempre assim", conclui o economista José Luis Alzola.
Sabe-se que os alemães não primam pelo seu sentido de humor – e dos bancos alemães então! -nem se fala –. Mas quando é o próprio Deutsche Bank a qualificar a Espanha, em 2007, como "a variante feliz do capitalismo", e "uma das mais impressionantes histórias de sucesso das últimas décadas", temos a certeza de que o marketing passou com eficácia para os destinatários: os restantes países da UE. A marca Espanha (se o conceito existe) a escassos meses da entrada no túnel da crise era pois um colossal exemplo de sucesso.
Lamentável que seja uma recessão a recolocar a verdade das coisas e a acabar com falácias e distorções. Será injusto, mas se pensarmos na fotografia do primeiro-ministro Zapatero no Fórum de Davos, sentado entre o primeiro-ministro da Grécia (epicentro da crise financeira europeia) e o Presidente de Letónia (o país europeu que passou por uma crise mais profunda), tudo fica mais claro.
Os três últimos anos serviram, pelo menos, para despertar de um sonho e para entrar no pesadelo: abandonar, em suma, a ilusão de uma maravilhosa viagem pelo Expresso do Oriente, com longos 15 anos de bonança, sustentados num balão de ar, uma montanha russa de dívida privada, numa bolha imobiliária que explodiu nas mãos dos espanhois. Na perspectiva externa, vêm agora os maus exageros do tipo dos do Deutsche Bank: "A Espanha é o doente da Europa", disparou Desmond Lachman, do neoconservador American Enterprise Institute. "Ainda que se deva dizer que não está tão doente como a Grécia", acrescenta, em jeito de nota de rodapé, para diminuir a dose de veneno.
Problemas não explicam a atitude dos mercados para com o país: défice público, endividamento, redução drástica do consumo, desemprego, bolha imobiliária, dificuldades na banca, queda a pique da confiança e da competitividade. Os problemas da economia espanhola são sérios e de diversa ordem. Contudo, não explicam, só por si, o feroz ataque que sofreu nos mercados. Há outros países que estão na mesma situação ou pior (a Irlanda sem dúvida, talvez também a Itália) e não foram tão massacrados. Mas a economia é uma ciência eminentemente social: o relato, a história que conta, é tão importante como os números. E a Espanha é, claramente, um dos males desse relato que explica o capítulo actual da crise.
A causa é, precisamente, essa imagem de marca em baixa, o clima negativo do mercado em relação a Espanha, a desconfiança sub-reptícia, que se vai instalando na versão espanhola da crise. "Quando um taxista nigeriano de Washington aborda a questão do euro, da Grécia, e refere imediatamente a Espanha para perguntar se esta vai aguentar a pressão, é porque as coisas vão mal", assinala, a partir da capital dos Estados Unidos, Ángel Cabrera, director do lnstituto Comercial de Thunderbird, no Arizona.
"A marca Espanha foi atingida porque a economia esteve no olho do furacão, devido ao contágio da crise grega. O milagre espanhol, que toda a gente referia há alguns anos, esfumou-se. E essa chamada à realidade deve ser bem-vinda porque não somos tão ricos como julgávamos, nem, como país, podemos permitir-nos coisas que estiveram na ordem do dia, até há três dias apenas, literalmente, até à aprovação plano de ajustamento de um Governo que, ainda anteontem praticamente, continuava a negar a evidência. A vida é assim", explica Cabrera. "Dito isto, a exacerbação também é injusta: o que se conseguiu nos últimos anos não vai desaparecer de um dia para o outro. Os ganhos estão aí e chegou o momento de lhes dar o devido valor", aconselha.
Não foi só Espanha que geriu mal a crise. David Humphrey, professor catedrático de Economia na Florida, repudia com desdém os clichés que fazem da Espanha o doente da Europa, que começam a falar de "gripe espanhola". "Mesmo assim, a economia tem pela frente um grande abrandamento, condimentado por uma crise financeira e uma possível crise bancária", resume este antigo economista chefe da Reserva Federal. E, passando, para um tom mais ligeiro, Humphrey, que passa muitas vezes férias em Espanha, acrescenta: "Também não era muito normal essa coisa das duas casas, dois automóveis e dois filhos por família".
Os Estados Unidos e o Reino Unido chegaram a nacionalizar bancos e vários países europeus injectaram milhares de euros nos seus: em Espanha, apenas duas entidades foram alvo de intervenção. A dívida pública situa-se nos 200% do PIB, no Japão, e ronda os 100% em vários países da zona euro: não chega aos 60%, em Espanha, cuja economia caiu menos do que a dos grandes países. As exportações não perderam quota de mercado com esta crise. Há muitos indicadores que nos dizem que a crise é dura, que as reformas são necessárias... "A gestão da crise foi mal conduzida: o mesmo se pode dizer do resto da Europa. Nos anos bons, a imagem de Espanha era melhor do que devia ser e agora passou para o outro extremo. Sem surpresas: é sempre, sempre assim", conclui o economista José Luis Alzola.