quarta-feira, 2 de junho de 2010

Bruxelas acusa bancos de empurrar Portugal para a falência



É certo que os países tem problemas crónicos, mas a Comissão Europeia também acusa os grandes bancos de investimento e hedge funds de agravarem as condições de financiamento. Reconhecem-se a Portugal e à Grécia culpas directas na derrocada da confiança dos investidores nas respectivas dívidas nacionais, mas isso não impede que se culpabilizem, em diferente grau de risco, os grandes bancos de investimento mundiais e os fundos de alto risco (hedge funds), que especulam sobre o valor da dívida pública dos países e lucram com isso. Segundo a Comissão Europeia, estas empresas estão a contribuir para o descarrilamento das taxas de juro, agravando a situação financeira já de si debilitada dos governos e respectivas economias.Fonte oficial do comissário europeu dos Serviços Financeiros, Michel Barnier, diz que "não nos cabe a nós dizer quais as instituições envolvidas [de forma activa, nos negócios com a dívida pública e com derivados para cobertura do risco]", mas aponta o dedo aos "grandes bancos de investimento e hedge funds" que estão a alimentar a instabilidade dos mercados.
Segundo a sua porta-voz, Michel Barnier "acredita fortemente que precisamos de pôr um ponto final a anos de escuridão, opacidade e comportamento secreto" na área dos derivados.
Um dos maiores bancos do mundo, o Citigroup, anunciou ontem lucros de 3,7 mil milhões de euros no 1º trimestre, o melhor resultado desde o início da crise financeira - o ressurgimento do mercado das obrigações foi um dos factores-chave nos bons resultados do banco.
Ontem, o secretário de Estado do Orçamento, Emanuel Santos, observou que "o apetite dos mercados não desaparece e há sempre tentações para atingir outros países". Para o governante, "o objectivo dos mercados é o lucro" e "portanto, se a Grécia não lhes chega, eles preparam-se para tentar colar à Grécia situações que não são iguais para tirarem partido dos spreads mais elevados", disse, referindo-se implicitamente a Portugal.
Os produtos financeiros problemáticos servem para cobrir os supostos riscos associados a outros activos - por exemplo, os CDS (Credit Default Swap) são muito usados para cobrir o risco das dívidas públicas, sobretudo as dos países mais fragilizados com a crise financeira e económica, como Grécia e Portugal. Estes seguros (CDS) cobrem o risco de incumprimento ou mesmo de falência das nações. O problema (para os contribuintes) é que, em muitos casos, quanto maior o risco e quanto pior estiver o país, mais ganham os investidores. Portanto, existem incentivos crescentes em fazer descarrilar os Estados. Portugal e Grécia acabam por ser os elos mais fracos da zona euro.
"Há neste momento duas verdades, duas metades do problema. A primeira: nós temos culpa porque nos pusemos a jeito com a evolução da situação económica nos últimos anos. Mas há outra: os inimigos do euro andam aí e há muitas pessoas que estão interessadas no fim da moeda única", constata Filipe Garcia, economista da consultora IMF.
Como e quando vai actuar a Comissão? O processo será complexo: "Temos de ver como é que os CDS estão a ser usados", refere a porta-voz de Barnier. Depois, "em Junho, faremos a nossa proposta sobre os derivados [CDS]", mas só em Outubro avançaremos com uma proposta autónoma que olhará especificamente para as vendas a descoberto [short selling] e outros aspectos em torno dos CDS".
A posição europeia terá de ser calibrada com os interesses da própria indústria e, sobretudo, com a vontade política do Reino Unido que, em Abril, provocou o adiamento dos avanços na regulação sobre os hedge funds. E terá de ser discutida com os restantes países mais ricos, nas próximas reuniões do G20. Uma acontecerá em Junho, no Canadá, outra em Novembro, Coreia do Sul.
Portugal e Grécia voltaram ontem a sentir grande hostilidade dos mercados, com os respectivos spreads [risco dos países] a disparar e a dificultar o financiamento da actividade interna. Há investidores, economistas e comentadores internacionais que acusam os países de terem cavado a sua própria sepultura nos últimos anos. Viveram a crédito e evoluíram pouco em termos económicos. Agora, que chegou a hora de pagar a factura, muitos levantam dúvidas sobre o músculo financeiro dessas nações e sobre a capacidade de irem ao mercado pedir emprestado.
A Grécia está bastante mal (os juros que estão a pedir ao país são exorbitantes), tendo Atenas aberto já a porta a uma possível utilização do pacto salvamento providenciado pela UE e FMI. Segundo muitos especialistas, a Grécia está à beira da falência e Portugal já esteve mais longe.
A última investida foi de Simon Johnson (antigo economista-chefe do FMI e colunista do "The New York Times") que disse que Portugal vai ser "o próximo problema global". O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, ripostou: "São comentários reveladores de ignorância e que ilustram o preconceito céptico em relação ao euro". Em entrevista do "Jornal de Negócios", Johnson voltou à carga, acusando o governo de estar "em negação".(Luís Reis Ribeiro, no i)