Marc Lazar, no Presseurope, a seguir.
No poder nos principais países assolados pela crise – Espanha, Grécia e Portugal –, os partidos de esquerda são obrigados a pôr em prática medidas semelhantes às que os seus homólogos conservadores aplicam na Alemanha, França ou Reino Unido, melindrando as suas bases eleitorais tradicionais.
A esquerda reformista será uma das numerosas vítimas das políticas de austeridade adoptadas pelos vários países europeus? A pergunta merece ser colocada. Por um lado, os três principais países dos sete ainda com governos de esquerda na União Europeia, Grécia, Espanha e Portugal, decretaram duras medidas correctivas de austeridade, que apenas diferem marginalmente das aplicadas pela Alemanha, Itália, Reino Unido e França, países dirigidos por governos de direita ou de centro-direita. Por outro, quando está em oposição, a esquerda dá por vezes a impressão de aprovar a filosofia subjacente às medidas tomadas pelos governos, ao mesmo tempo que critica alguns dos vectores sociais, sugerindo subliminarmente que é mesmo melhor introduzir uma verdadeira política de saneamento financeiro. Ora se, de acordo com os seus promotores, o rigor deverá levar a resultados económicos positivos a longo prazo, as consequências imediatas são temíveis.
A esquerda penalizada pela sua base. Para já, provoca fortes tensões sociais, porque estas políticas atingem de maneira vital as camadas mais pobres e mais frágeis da sociedade, como os trabalhadores precários, as mulheres, os jovens, os idosos e os reformados, bem como os funcionários públicos: em suma, as pessoas que constituem a base tradicional da esquerda. Por seu turno, os sindicatos gregos, espanhóis e portugueses opõem-se aos respectivos governos, o que prejudica os partidos de esquerda. Consequentemente, o descontentamento em relação à política pode acentuar-se, o que se vai traduzir, sem dúvida, por um aumento da abstenção e da confinação à esfera privada, em populações mergulhadas em grande desânimo. Ou pelo contrário, por um aumento do voto de protesto nos extremistas, mais nos de direita do que nos de esquerda, que, à vontade de vingança popular, acenam com bodes expiatórios facilmente identificáveis, nomeadamente os imigrantes, não sendo de excluir a ocorrência de acções violentas. Por último, pode exacerbar-se o sentimento já amplamente difundido de que nada separa já direita e esquerda.
No momento em que a esquerda radical acusa mais que nunca o capitalismo de traição e assesta as suas críticas contra ele, a esquerda reformista tem de clarificar as suas posições sobre quatro assuntos essenciais que alimentam os seus debates internos.
Primeiro – e é neste momento a maior preocupação –, as políticas económicas e sociais a promover. A Terceira Via de Tony Blair, nos anos 1990, significou uma assimilação parcial do liberalismo económico e uma vontade de agarrar as oportunidades geradas pela globalização, atenuando ao mesmo tempo os danos sociais que esta provoca. Iniciou-se por toda a parte, incluindo no Partido Trabalhista, um realinhamento pelo keynesianismo com a intervenção dos poderes públicos. Além disso, quase toda a esquerda concordou em trabalhar para um desenvolvimento sustentável, a “green economy”. Mas este consenso não conseguiu esconder as divergências.
Nada é pior que o silêncio ensurdecedor do Partito democratico. Alguns, à esquerda, contestando a política monetarista, defendem que se deixe aumentar os défices públicos, para permitir relançar os investimentos e o crescimento. Outros aceitam o imperativo de saneamento, mas querem medidas sociais e uma forte tributação dos rendimentos elevados, nomeadamente das transacções financeiras. Quanto ao conteúdo das primeiras, há quem defenda uma política de apoio aos mais carenciados, para aliviar o seu padecimento – é a política do “care”, defendida pela secretária do PS francês, Martine Aubry. Outros preferem dar aos indivíduos meios para reagir, criar e desenvolver-se.
Em terceiro lugar, coloca-se a questão da Europa, numa altura em que as opiniões públicas duvidam cada vez mais da sua pertinência e eficácia. A esquerda divide-se entre os minoritários – mas influentes – que são tentados a centrar-se no quadro nacional, e os defensores de um verdadeiro poder político europeu, capaz de orientar a economia, de coordenar as políticas sociais e fiscais e de regulamentar a concorrência entre Estados.
Por último, numa conjuntura que pode revelar-se ameaçadora para a democracia, a esquerda propõe-se reactivá-la, o que leva alguns a insistir na renovação das estruturas clássicas da democracia representativa e outros a explorar as vias da democracia participativa.
A esquerda reformista está dividida? Sim, mas de certo modo, pouco importa que exponha as suas controvérsias na praça pública, desde que, no final, as transforme numa fonte de propostas e de iniciativas que faça ouvir uma voz original, à altura dos consideráveis desafios levantados pela presente conjuntura. Nada é pior que o silêncio ensurdecedor que caracteriza o Partido Democrata italiano. E no entanto, este nasceu da vontade de construir uma força nova, que se posicionaria não tanto na linha que divide esquerda e direita, mas na clivagem de reformistas de diversas sensibilidades e conservadorismos de todos os matizes.
Esta ideia original perdeu-se em extenuantes batalhas entre oligarcas decididos a marcarem as suas posições. O partido atolou-se no pântano dos compromissos, a pretexto de não melindrar ninguém nas suas fileiras, nem ao centro nem mesmo à direita. Mas onde anda a esquerda italiana, impotente politicamente, mas tão inventiva dos anos 60-70, que, na sua diversidade, do PCI ao PSI, passando pelos sindicatos, inspirava o resto da esquerda europeia?
No poder nos principais países assolados pela crise – Espanha, Grécia e Portugal –, os partidos de esquerda são obrigados a pôr em prática medidas semelhantes às que os seus homólogos conservadores aplicam na Alemanha, França ou Reino Unido, melindrando as suas bases eleitorais tradicionais.
A esquerda reformista será uma das numerosas vítimas das políticas de austeridade adoptadas pelos vários países europeus? A pergunta merece ser colocada. Por um lado, os três principais países dos sete ainda com governos de esquerda na União Europeia, Grécia, Espanha e Portugal, decretaram duras medidas correctivas de austeridade, que apenas diferem marginalmente das aplicadas pela Alemanha, Itália, Reino Unido e França, países dirigidos por governos de direita ou de centro-direita. Por outro, quando está em oposição, a esquerda dá por vezes a impressão de aprovar a filosofia subjacente às medidas tomadas pelos governos, ao mesmo tempo que critica alguns dos vectores sociais, sugerindo subliminarmente que é mesmo melhor introduzir uma verdadeira política de saneamento financeiro. Ora se, de acordo com os seus promotores, o rigor deverá levar a resultados económicos positivos a longo prazo, as consequências imediatas são temíveis.
A esquerda penalizada pela sua base. Para já, provoca fortes tensões sociais, porque estas políticas atingem de maneira vital as camadas mais pobres e mais frágeis da sociedade, como os trabalhadores precários, as mulheres, os jovens, os idosos e os reformados, bem como os funcionários públicos: em suma, as pessoas que constituem a base tradicional da esquerda. Por seu turno, os sindicatos gregos, espanhóis e portugueses opõem-se aos respectivos governos, o que prejudica os partidos de esquerda. Consequentemente, o descontentamento em relação à política pode acentuar-se, o que se vai traduzir, sem dúvida, por um aumento da abstenção e da confinação à esfera privada, em populações mergulhadas em grande desânimo. Ou pelo contrário, por um aumento do voto de protesto nos extremistas, mais nos de direita do que nos de esquerda, que, à vontade de vingança popular, acenam com bodes expiatórios facilmente identificáveis, nomeadamente os imigrantes, não sendo de excluir a ocorrência de acções violentas. Por último, pode exacerbar-se o sentimento já amplamente difundido de que nada separa já direita e esquerda.
No momento em que a esquerda radical acusa mais que nunca o capitalismo de traição e assesta as suas críticas contra ele, a esquerda reformista tem de clarificar as suas posições sobre quatro assuntos essenciais que alimentam os seus debates internos.
Primeiro – e é neste momento a maior preocupação –, as políticas económicas e sociais a promover. A Terceira Via de Tony Blair, nos anos 1990, significou uma assimilação parcial do liberalismo económico e uma vontade de agarrar as oportunidades geradas pela globalização, atenuando ao mesmo tempo os danos sociais que esta provoca. Iniciou-se por toda a parte, incluindo no Partido Trabalhista, um realinhamento pelo keynesianismo com a intervenção dos poderes públicos. Além disso, quase toda a esquerda concordou em trabalhar para um desenvolvimento sustentável, a “green economy”. Mas este consenso não conseguiu esconder as divergências.
Nada é pior que o silêncio ensurdecedor do Partito democratico. Alguns, à esquerda, contestando a política monetarista, defendem que se deixe aumentar os défices públicos, para permitir relançar os investimentos e o crescimento. Outros aceitam o imperativo de saneamento, mas querem medidas sociais e uma forte tributação dos rendimentos elevados, nomeadamente das transacções financeiras. Quanto ao conteúdo das primeiras, há quem defenda uma política de apoio aos mais carenciados, para aliviar o seu padecimento – é a política do “care”, defendida pela secretária do PS francês, Martine Aubry. Outros preferem dar aos indivíduos meios para reagir, criar e desenvolver-se.
Em terceiro lugar, coloca-se a questão da Europa, numa altura em que as opiniões públicas duvidam cada vez mais da sua pertinência e eficácia. A esquerda divide-se entre os minoritários – mas influentes – que são tentados a centrar-se no quadro nacional, e os defensores de um verdadeiro poder político europeu, capaz de orientar a economia, de coordenar as políticas sociais e fiscais e de regulamentar a concorrência entre Estados.
Por último, numa conjuntura que pode revelar-se ameaçadora para a democracia, a esquerda propõe-se reactivá-la, o que leva alguns a insistir na renovação das estruturas clássicas da democracia representativa e outros a explorar as vias da democracia participativa.
A esquerda reformista está dividida? Sim, mas de certo modo, pouco importa que exponha as suas controvérsias na praça pública, desde que, no final, as transforme numa fonte de propostas e de iniciativas que faça ouvir uma voz original, à altura dos consideráveis desafios levantados pela presente conjuntura. Nada é pior que o silêncio ensurdecedor que caracteriza o Partido Democrata italiano. E no entanto, este nasceu da vontade de construir uma força nova, que se posicionaria não tanto na linha que divide esquerda e direita, mas na clivagem de reformistas de diversas sensibilidades e conservadorismos de todos os matizes.
Esta ideia original perdeu-se em extenuantes batalhas entre oligarcas decididos a marcarem as suas posições. O partido atolou-se no pântano dos compromissos, a pretexto de não melindrar ninguém nas suas fileiras, nem ao centro nem mesmo à direita. Mas onde anda a esquerda italiana, impotente politicamente, mas tão inventiva dos anos 60-70, que, na sua diversidade, do PCI ao PSI, passando pelos sindicatos, inspirava o resto da esquerda europeia?