sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Limites da arte de escárnio e maldizer

Pelo sim, pelo não, para que saiba que o que aqui se disser sobre política/políticos em nada ofende, em nada contende com os direitos de personalidade dos próprios, mas se encontra absolutamente legitimado pela liberdade de expressão, binómio que, fazemos questão, não será menosprezado.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA – PROCESSO Nº 1420/05.0TACBR.C1, 24-09-2008
(…)
"O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 81/84 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 31 de Janeiro de 1985 e no volume 4º dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 225 e segs.), a propósito dos conflitos no binómio liberdade de expressão-direito à honra afirma:
“A liberdade de expressão - como, de resto, os demais direitos fundamentais - não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a protecção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de protecção pára, ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional (v. neste sentido: J.C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 213 e segs.) Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há-de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos - designadamente com aqueles que se acham também directamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25.º, n.º 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1)] -, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização.
Dizer isto é reconhecer que, sendo proibida toda a forma de censura (artigo 37.º, n.º 2), é, no entanto, lícito reprimir os abusos da liberdade de expressão.
O artigo 37.º aponta - segundo cremos - no sentido de que se não devem permitir limitações à liberdade de expressão para além das que forem necessárias à convivência com outros direitos, nem impor sanções que não sejam requeridas pela necessidade de proteger os bens jurídicos que, em geral, se acham a coberto da tutela penal. Mas, não impede que o legislador organize a tutela desses bens jurídicos lançando mão de sanções de outra natureza (civis, disciplinares ...)”.
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em matéria de conflito destes dois direitos, quando está em causa a protecção da privacidade, do bom nome, da reputação e da honra de “figuras públicas” (ver casos Observer e Guardian v. The United Kingdom, proc. nº 13585/88, de 26/11/1991; caso Castells v. Spain, Proc. nº 11798/85, de 23/04/1992; caso Prager e Oberschlick v. Áustria, Proc. nº 15974/90, de 26/04/1995; caso Lopes Gomes da Silva v. Portugal, Proc. nº 37698/97, de 28/09/2000; caso Özgür Radyo-Ses Radyo Televizyon Yayin Yapim Ve Tanitim A.S. v. Turquie, Proc. nº 64178/00, 64179/00, 64181/00, 64183/00, 64184/00, de 30/03/2006; caso Kobenter e Standard Verlags GMBH v. Áustria, Proc. nº 60899/00, de 02/11/2006; caso Colaço Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. v. Portugal, Proc. nº 11182/03 e 11319/03, de 26/04/2007, todos disponíveis em http://www.echr.coe.int/echr) admite amplas restrições àqueles direitos quando está em causa a liberdade de expressão e de imprensa, desde que: (i) justificadas numa necessidade social imperiosa e (ii) sejam proporcionais aos fins prosseguidos.
No mesmo sentido se orienta a jurisprudência do Tribunal Constitucional[viii] e a generalidade da jurisprudência dos nossos Tribunais, conforme se dá conta na decisão sob recurso.
Concretizando, para que se possa restringir o direito à honra de figuras públicas é necessário que:
“O interesse público” relevante escreve Ferrando Mantovani estima que “mais precisamente, o interesse público-social (que não pode ser confundido com a «curiosidade pública» subsiste quando os factos apresentam: a) um interesse público-social imediato, porque contrastam com uma intrínseca relevância público-social (por ex. actividade do governo, dos representantes da coisa pública, graves factos criminosos); b) um interesse público-social mediato, indirecto, porque, ainda que tendo em conta a vida privada pessoal, assumem um preciso e especifico interesse público-social, na medida em que se encontrem incíndivelmente conexos, em concreto, a situações, acontecimentos, de interesse públicos (por ex. notícias sobre a sua vida privada relevante para fins da prova de um álibi, veracidade de um testemunho, caracterização de movimentos criminosos, confirmação de crimes e dos seus autores). Ou quando a conduta do singular passa a fazer parte da esfera pública pela sua inserção não casual, mas funcional nos factos, acontecimentos, cerimónias, públicas (por ex. comportamento ou modo de vestir não conforme ao decoro da situação ou função); ou porque a informação sobre determinados factos da vida privada pode constituir a base de valoração social da personalidade pública do sujeito e da sua idoneidade para desenvolver uma certa função (por ex. estar de forma geral alcoolizado).
O interesse público-social, pelo contrário, não subsiste quando os factos apresentem um interesse exclusivamente privado, não possuindo qualquer relevância, ao menos mediata, com respeito a qualquer coisa que transcenda a privacidade, qualquer que seja a personalidade, privada ou pública, desconhecida ou notória, a que os factos respeitem. […] Se não pode desconhecer-se que quanto mais ampla deve ser «a zona de luminosidade» mais ampla é a [ex]posição pública da pessoa é ainda assim incontestável que também o «homem público» possui uma intangível esfera de honorabilidade e que a sua integridade moral não pode ser indiscriminadamente agredida, em razão do carácter público da sua particular actividade e opinião”[ix].
Não só na actividade política, mas também na actividade sindical, como no caso dos autos, se verifica o interesse público-social que justifica uma maior amplitude da liberdade de expressão. Como afirma a propósito, Marcello Sparo, na obra “La diffamazione a Mezzo Stampa. Profili di rissarcimento del danno”, pg. 89 e 90, “o uso de uma linguagem abstractamente insultuosa não lesa o direito á reputação se funcionalmente conexo com o juízo critico manifestado. É consentido no âmbito da contenda de natureza politica ou sindical, exprimir-se em tom e modo de desaprovação e reprovação, ainda que de forma muito áspera, dado que a critica não reverta num ataque pessoal, vale dizer conduzido directamente á esfera privada do ofendido, ou numa contumélia lesiva da honorabilidade do adversário como pessoa singular”[x]. Menorizar a relevância e interesse público da actividade sindical é não compreender o significado da sua consagração constitucional, no título dos direitos, liberdades e garantias nem a importância dessa actividade para a democracia.
Há situações em que a critica se assume como juízo de apreciação e valoração que envolvem realizações de índole científica, académica, artística, profissional, ou sobre prestações conseguidas no domínio do desporto e do espectáculo. Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva – isto é: enquanto a valoração e censura criticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores – aqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a difamação. Já porque não atingem a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., já porque não atingem com a dignidade penal e a carência da tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Num caso e noutro, a atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do critico, não havendo, por isso lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude” – cf. Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, p. 232 e ss.
Nestes casos devem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, sendo que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da "verdade" das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva. Ponto é que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e de humilhar."