sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Aqui d'El Rei


Portugal parece ter um eterno e incurável complexo de órfão!
Discutiu-se ainda há pouco a construção de um Museu em homenagem a esse … homem que foi Oliveira Salazar. Santa Comba Dão deu por si arvorada em nova Belém, terra pátria de um Salvador!
Por mais que respeite a história, está-me ainda na alma as almas dos que faleceram às mãos de uma polícia, filha querida de um déspota, que erigido a herói, ainda faz despertar alentos fantasmagóricos de saudosos cidadãos, desconhece-se se apoderados de maleitas próprias da velhice, no caso dos mais idosos, se herdeiros de contadores de histórias cujos fins se orquestravam em uníssono, no caso das gerações mais novas!
Eis senão quando …
Surge tal epopeia a propósito de um peculiar hastear de bandeira em Paços do Concelho, quando cai sobre terra a canção republicana, verde esperança, escarlate furor revolucionário, brazões dourados saídos do sonho de um guerreiro, e se ergue o azul e branco, símbolo de uma monarquia que expirou aos braços de um povo ébrio de revolta ante a prepotência do sangue azul, privilegiados em poses de divindades, coroas, jóias e vestes em antagonia aos palcos de miserabilismo que fazia do homem comum actor de um cinema mudo, enfraquecido pela escassez do pão que não lhe chegava à mesa, fragilizado pela vidas em segunda mão a que estava perpetuamente condenado.
Mas que é d’El Rei?
Se a Constituição Portuguesa impede associações que exaltem o fascismo como forma de poder, é igualmente certo que a Monarquia é um sistema de governo completamente afastado e inequacionável, ambos violam os valores constitucionais que perfilhamos e sequer mereceram cláusula de salvaguarda de modo a que uma eventual revisão possibilite o retrocesso histórico a tais cenários fúnebres e coreografias de desigualdades sociais e quadros desumanitários que o mero facto de vivermos em Democracia repugna.
A Coroa Portuguesa é alvo de querelas jurídicas, reclamando as figuras mais heterogéneas o poder de a erguer sobre as suas cabeças. Não pode sequer Duarte de Bragança armar-se rei, quando tal pretensão á apenas apoiada por uma facção: a Casa de Bragança.
Mas o teatro a que acabámos de assistir suscita algumas reflexões.
Deixo-vos com uma: a de que continuar a lutar pela República, tal como lutar pela Democracia, é uma luta intemporal, de ontem, de hoje e de sempre! Sabe-se lá se um dia adormecemos e a bandeira azul e branca ainda surge no pino da janela-mor do Palácio de Belém, coabitando rei e presidente, ou o segundo servindo de escudeiro ao primeiro, para o ensinar na arte de bem presidenciar “toda a corte”! Tão possível quanto Santa Comba Dão, tendo até nome de santa, se acha a nova Belém, mãe de um homem que salvou Portugal. Salvou-o do progresso, da industrialização, de maior riqueza, de acrescida qualidade de vida! Salvou-o do Sonho! E assim nos apequenámos, nos rebaixámos, nos reduzimos …. E como povo de bons e brandos costumes, esperámos Abril, que nos arrebatou, reergueu. Devolveu-nos o Sonho Perdido!
Mas que é d’El Rei?
Saiba Duarte de Bragança, a quem se desconhece qualquer dom, que o Rei Morreu! Viva a Rainha! Ei-la deslumbrante, gloriosa! Colo de garça e busto! Linda, a República! Foi ela a Rainha Eleita! E a Rei morto, Rainha posta!
Quanto aos aclamados, proclamados, controversos reizinhos, saiba que cada cidadão português foi feito rei, porque é pertença de uma cidadela, proprietário de uma Urbe, que se chama Europa, onde deixou de haver espaço para a regressão, voltas ao passado, e onde o futuro depende da vontade de cada um e de todos, sem hierarquias metafísicas e privilégios divinos pré-aceites e inculcados.
Na verdade, Duarte, basta leres atenciosamente os textos oficiais com que te brindamos, para entenderes que não há verdades encobertas nem adamastores por detrás desta Pátria.
Há uma Constituição, que te chama, como a todos nós, cidadão.
Há uma Democracia, cujo poder se vai adensando!
Há a Rainha, a República, essa “res”, que é coisa, “publica”, porque é de todos nós!
E, por fim, vislumbra esta cruel verdade: está viva e unida a prole que nelas crê, como se fossem a Santíssima Trindade de uma nova Era, e que por elas se predispõe a lutar.
Hão-de ir e vir pretensos herdeiros de coisa nenhuma!
Por cá estamos e aqui ficamos, soldados de alguma coisa, defensores das Três Damas Escolhidas, cada um rei e senhor de si, príncipes e princesas de um feudo conquistado, um jardim à beira-mar plantado, que é nosso Portugal!