DIREITO AO BOM NOME E À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
“O Tribunal da Relação do Porto evitou uma condenação de Portugal pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” (autoria de terceiro não declarado)
Corria a Primavera de 2003 e a polémica sobre a Casa da Música e a política cultural da Câmara Municipal do Porto (CMP) tinha atingido o seu auge.
Numa entrevista, Pedro Burmester, que dirigia a Casa da Música, denunciara publicamente uma série de comportamentos do presidente da CMP que, no seu entender, revelavam uma total incompreensão e desvalorização do projecto. Pelo seu lado, o presidente da CMP, em reacção à entrevista, exigiu publicamente a demissão de Pedro Burmester do cargo de administrador da Casa da Musica. Esta sequência de eventos suscitou um amplo e intenso debate nos meios culturais e na comunicação social, tendo inclusivamente Jorge Sampaio, então Presidente da Republica, afirmado, aquando da sua visita ao Porto para presenciar os festejos do São João, que era importante a permanência de Pedro Burmester no projecto da Casa da Música.
O critico de arte Augusto M. SEABRA, então colaborador regular do ‘Publico’, publicava semanalmente um artigo de opinião onde habitualmente tecia comentários (muitas vezes, violentos e contundentes) sobre assuntos culturais, num tom, muitas vezes, irónico e polémico, independentemente da cor político-partidária dos visados.
No entender deste crítico de arte, o presidente da CMP, depois de ter sido eleito, tinha progressivamente deslocado as prioridades culturais do município para a chamada ‘cultura popular’ (ou ‘pimba’), em detrimento da ‘cultura clássica’, o que era muito criticado por diversos agentes culturais.
Para Augusto M. SEABRA, o presidente da CMP tinha uma posição hostil e de desconfiança, assumindo posições que obstavam ao normal e saudável desenvolvimento do projecto da Casa da Música que, no seu entender, era um projecto de uma importância capital em termos de desenvolvimento cultural do Norte. E considerava que as posições públicas do presidente da CMP revelavam uma concepção provinciana, senão mesmo pacóvia da cultura.
No dia 22 de Junho de 2003, na sua coluna semanal, escreveu o seguinte: “No momento em que o energúmeno que encabeça a maioria PSD-CDS-PCP na Câmara Municipal do Porto e seus apaniguados encetaram uma lógica repressiva de silenciamento, à cata de ‘delito de opinião’, porque o que neste momento se nos oferece fruir e avaliar é um projecto cultural de uma envergadura e seriedade absolutamente ímpares”.
O presidente da CMP não gostou e queixou-se criminalmente, acusando o crítico de o ter difamado, sendo a expressão ‘energúmeno’ objectivamente ofensiva. Augusto M. SEABRA defendeu-se, afirmando que mais não escrevera do que um artigo de opinião, fundamentado no comportamento público do presidente da CMP, muitas vezes polémico e contundente.
‘Energúmeno’, segundo o dicionário que citava, significa ”(1) Pessoa que se supõe estar possessa do demónio, ou (2) Pessoa que possuída por uma obsessão pratica desatinos”. E, no entender, o autarca obcecado com o seu ‘ódio’ à cultura clássica praticava desatinos diversos, pelo que ao manifestar a sua opinião nenhum crime praticara. Assim não entendera o 1º Juízo Criminal do Porto, por considerar que Augusto Seabra, ao utilizar a palavra ‘energúmeno’ pretendia apelidar o autarca visado de ‘individuo’ desprezível, que não merece confiança; boçal, ignorante, como constava de outro dicionário, pelo que o condenou na pena de 2160 euros e no pagamento de uma indemnização de 4.000 euros.
Recorreu, então, o crítico de arte para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que não acompanhou o tribunal de 1ª instância na escolha do sentido da expressão em causa. Para o TRP nada justificava, quanto mais não fosse por respeito ao princípio ‘in dúbio pro reo’, que o tribunal de 1ª instancia tivesse dado relevo só a alguns dos sentidos da palavra em causa, de resto os mais deselegantes.
Em 31 de Outubro de 2007, num acórdão notável, reconhecendo a importância do direito ao bom nome mas sublinhando a importância de o mesmo ser ponderado com a liberdade de expressão numa sociedade democrática, os juízes desembargadores António Gama, Luis Gominho, Abílio Ramalho e Arlindo Pinto, citando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), absolveram o crítico de arte. Segundo o TRP, Augusto SEABRA não fora ‘delicado na sua critica’, sendo certo que o direito penal não trata dessa dimensão dos comportamentos’. Mas também não nos parece ocorrer ataque pessoal gratuito: o artigo de opinião em causa é apenas mais um, em que o crítico desanca de modo desabrido a política cultural do autarca, que na sua opinião era errada.
Esta valorização da liberdade de expressão e do debate político frontal e contundente, a que não estamos habituados, viu-se agora reforçada com um recente acórdão do TEDH. No caso Brunet-Lecomte e SARL Lyon Magazine contra a França, estava em causa a condenação por difamação de um jornalista que, num artigo, apelidara de ‘energúmeno’ um professor universitário com ideias e práticas radicais e polémicas.
O TEDH, no passado dia 20 de Novembro, considerou que a França, ao condenar o jornalista e a revista, violara a liberdade de expressão consagrada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Para o TEDH, o termo ‘energúmeno’ tinha um sentido irónico, pelo que não podia ser considerado injurioso e, por outro lado, o estilo e as atitudes do professor em causa também tinham de ser levados em conta na ponderação dos diversos valores em questão.
Pode assim dizer-se que no caso de Augusto SEABRA, o TRP não só foi exemplar na definição, como evitou mais uma condenação de Portugal no TEDH.
“O Tribunal da Relação do Porto evitou uma condenação de Portugal pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” (autoria de terceiro não declarado)
Corria a Primavera de 2003 e a polémica sobre a Casa da Música e a política cultural da Câmara Municipal do Porto (CMP) tinha atingido o seu auge.
Numa entrevista, Pedro Burmester, que dirigia a Casa da Música, denunciara publicamente uma série de comportamentos do presidente da CMP que, no seu entender, revelavam uma total incompreensão e desvalorização do projecto. Pelo seu lado, o presidente da CMP, em reacção à entrevista, exigiu publicamente a demissão de Pedro Burmester do cargo de administrador da Casa da Musica. Esta sequência de eventos suscitou um amplo e intenso debate nos meios culturais e na comunicação social, tendo inclusivamente Jorge Sampaio, então Presidente da Republica, afirmado, aquando da sua visita ao Porto para presenciar os festejos do São João, que era importante a permanência de Pedro Burmester no projecto da Casa da Música.
O critico de arte Augusto M. SEABRA, então colaborador regular do ‘Publico’, publicava semanalmente um artigo de opinião onde habitualmente tecia comentários (muitas vezes, violentos e contundentes) sobre assuntos culturais, num tom, muitas vezes, irónico e polémico, independentemente da cor político-partidária dos visados.
No entender deste crítico de arte, o presidente da CMP, depois de ter sido eleito, tinha progressivamente deslocado as prioridades culturais do município para a chamada ‘cultura popular’ (ou ‘pimba’), em detrimento da ‘cultura clássica’, o que era muito criticado por diversos agentes culturais.
Para Augusto M. SEABRA, o presidente da CMP tinha uma posição hostil e de desconfiança, assumindo posições que obstavam ao normal e saudável desenvolvimento do projecto da Casa da Música que, no seu entender, era um projecto de uma importância capital em termos de desenvolvimento cultural do Norte. E considerava que as posições públicas do presidente da CMP revelavam uma concepção provinciana, senão mesmo pacóvia da cultura.
No dia 22 de Junho de 2003, na sua coluna semanal, escreveu o seguinte: “No momento em que o energúmeno que encabeça a maioria PSD-CDS-PCP na Câmara Municipal do Porto e seus apaniguados encetaram uma lógica repressiva de silenciamento, à cata de ‘delito de opinião’, porque o que neste momento se nos oferece fruir e avaliar é um projecto cultural de uma envergadura e seriedade absolutamente ímpares”.
O presidente da CMP não gostou e queixou-se criminalmente, acusando o crítico de o ter difamado, sendo a expressão ‘energúmeno’ objectivamente ofensiva. Augusto M. SEABRA defendeu-se, afirmando que mais não escrevera do que um artigo de opinião, fundamentado no comportamento público do presidente da CMP, muitas vezes polémico e contundente.
‘Energúmeno’, segundo o dicionário que citava, significa ”(1) Pessoa que se supõe estar possessa do demónio, ou (2) Pessoa que possuída por uma obsessão pratica desatinos”. E, no entender, o autarca obcecado com o seu ‘ódio’ à cultura clássica praticava desatinos diversos, pelo que ao manifestar a sua opinião nenhum crime praticara. Assim não entendera o 1º Juízo Criminal do Porto, por considerar que Augusto Seabra, ao utilizar a palavra ‘energúmeno’ pretendia apelidar o autarca visado de ‘individuo’ desprezível, que não merece confiança; boçal, ignorante, como constava de outro dicionário, pelo que o condenou na pena de 2160 euros e no pagamento de uma indemnização de 4.000 euros.
Recorreu, então, o crítico de arte para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que não acompanhou o tribunal de 1ª instância na escolha do sentido da expressão em causa. Para o TRP nada justificava, quanto mais não fosse por respeito ao princípio ‘in dúbio pro reo’, que o tribunal de 1ª instancia tivesse dado relevo só a alguns dos sentidos da palavra em causa, de resto os mais deselegantes.
Em 31 de Outubro de 2007, num acórdão notável, reconhecendo a importância do direito ao bom nome mas sublinhando a importância de o mesmo ser ponderado com a liberdade de expressão numa sociedade democrática, os juízes desembargadores António Gama, Luis Gominho, Abílio Ramalho e Arlindo Pinto, citando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), absolveram o crítico de arte. Segundo o TRP, Augusto SEABRA não fora ‘delicado na sua critica’, sendo certo que o direito penal não trata dessa dimensão dos comportamentos’. Mas também não nos parece ocorrer ataque pessoal gratuito: o artigo de opinião em causa é apenas mais um, em que o crítico desanca de modo desabrido a política cultural do autarca, que na sua opinião era errada.
Esta valorização da liberdade de expressão e do debate político frontal e contundente, a que não estamos habituados, viu-se agora reforçada com um recente acórdão do TEDH. No caso Brunet-Lecomte e SARL Lyon Magazine contra a França, estava em causa a condenação por difamação de um jornalista que, num artigo, apelidara de ‘energúmeno’ um professor universitário com ideias e práticas radicais e polémicas.
O TEDH, no passado dia 20 de Novembro, considerou que a França, ao condenar o jornalista e a revista, violara a liberdade de expressão consagrada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Para o TEDH, o termo ‘energúmeno’ tinha um sentido irónico, pelo que não podia ser considerado injurioso e, por outro lado, o estilo e as atitudes do professor em causa também tinham de ser levados em conta na ponderação dos diversos valores em questão.
Pode assim dizer-se que no caso de Augusto SEABRA, o TRP não só foi exemplar na definição, como evitou mais uma condenação de Portugal no TEDH.