Mesmo para quem não é jurista, é uma curiosidade ...
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – PROCESSO Nº 936/09.3YRLSB-7, 06-05-2009 -Revisão e confirmação de decisão eclesiástica pontifícia de dispensa de casamento católico rato e não consumado
"1. O artigo 16º da nova Concordata outorgada, em 2004, entre a República Portuguesa e a Santa Sé revogou o regime do mero exequatur das decisões proferidas pelos Tribunais Eclesiásticos, que relevava da cláusula XXV da anterior Concordata de 1940 e do disposto nos artigos 1626º do CC e 56º, nº 1, alínea g), da Lei nº 3/99, de 13-1, pelo que tais decisões estão agora sujeitas ao regime da revisão e confirmação das sentenças estrangeiras, nos termos previstos no citado artigo 16º.
2. O facto de a dispensa do matrimónio rato e não consumado ficar condicionado, em sede do casamento canónico, a exigências para a admissão de novas núpcias não afecta, nos seus efeitos, a ordem jurídica portuguesa relativamente aos institutos do casamento civil.
I – Relatório
A veio requerer contra B a revisão e confirmação da decisão eclesiástica pontifícia que concedeu a dispensa do matrimónio rato e não consumado havido entre ambos.
Regularmente citada, a requerida não contestou.
Foram produzidas alegações pelo requerente e o MP emitiu parecer favorável à revisão e confirmação pretendidas.
II - Condições de decisão sumária
A simplicidade da causa consente que se profira decisão sumária liminar, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 700º, nº 1, alínea c), 705º e 1099º, nº 2, do CPC, na redacção dada pelo Dec.Lei nº 303/2007, de 24-8, sendo que não ocorrem excepções dilatórias, nulidades processuais nem questões prévias que obstem ao pronunciamento sobre o pedido de revisão.
III – Fundamentação
1. Factos assentes:
Está provado que:
1.1. A e B contraíram, reciprocamente, casamento católico, em dia 20 de Outubro de 2002, na Igreja Paroquial de .., no município , o qual se encontra registado através do assento de casamento nº .., de 22 de Outubro de 2002, lavrado na Conservatória do Registo Civil de … - conforme doc, de fls. 5;
1.2. Em 7 de Maio de 2003, o ora requerente instaurou contra a requerida, junto do Tribunal Eclesiástico da Diocese de … um processo canónico com vista à declaração da nulidade do casamento, que correu termos sob o nº …, no âmbito do qual acabou por ser decretada “a dúvida muito provável” de que o matrimónio em causa não fora consumado, bem como a suspensão da referida causa, conforme Decreto do Reverendíssimo Bispo de .., de 30 de Abril de 2007 - doc. de fls. a 13;
1.3. A parte então demandada, e ora requerida, não se opôs ao pedido da respectiva dispensa matrimonial - doc. fls. 12;
1.4. Concluído o sobredito processo, foram os respectivos autos apresentados à Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, cujos Reverendos Padres Consultores, constituídos por mandato de Sua Santidade O Papa Bento XVI, deliberaram a favor da concessão da dispensa do matrimónio realizado e não consumado, havido entre requerente e requerida, mas com a exigência de o Bispo respectivo não autorizar as partes a serem admitidas a novas núpcias sem antes, com a ajuda de um médico perito em psicologia, ter um atestado de que estão aptas psiquicamente para exercerem perfeitamente as suas obrigações conjugais - doc. fls. 14-16;
1.5. Por fim, no dia 7 de Fevereiro de 2008, Sua Santidade O Papa Bento XVI concedeu a dispensa do matrimónio realizado e não consumado havido entre A e B – doc. de fls. 14-16.
2. O direito
À decisão eclesiástica pontifícia revidenda aplica-se o regime constante da nova Concordata outorgada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, a qual foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 74/2004, de 30/9, publicada no D.R. nº 269, I-A, de 16 de Novembro de 2004, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 80/2004, de 3 de Novembro, tendo sido tornada pública como data da troca dos instrumentos de ratificação entre os Estados outorgantes o dia 18 de Dezembro de 2004, através do aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros nº 23/2005, de 7 de Janeiro, publicado no D.R. nº 18, 26/1/2005.
O artigo 16º da nova Concordata dispõe o seguinte: 1 – As decisões relativas à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado pelas autoridades eclesiásticas competentes, verificados pelo órgão eclesiástico de controlo superior, produzem efeitos civis, a requerimento de qualquer das partes, após revisão e confirmação, nos termos do direito português, pelo competente tribunal do Estado. 2 – Para o efeito, o tribunal competente verifica: a) - Se são autênticas; b) - Se dimanam do tribunal competente; c) - Se foram respeitados os princípios do contraditório e da igualdade; d) - Se nos resultados não ofendem os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
Assim, o transcrito artigo 16º veio revogar o anterior regime do mero exequatur das decisões dos tribunais eclesiásticos, que relevava da cláusula XXV da anterior Concordata, de 1940, e que decorria do disposto no nº 2 do artigo 1626º do CC e da alínea g) do nº 1 do artigo 56º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, passando agora aquelas decisões a estar sujeitas ao regime geral de revisão e confirmação de sentença estrangeira, com o que se pretendeu salvaguardar o princípio do Estado laico, proclamado no nº 4 do artigo 41º da Constituição da República, de modo a não privilegiar qualquer igreja ou outra comunidade religiosa[1].
Ora, da análise dos documentos juntos nenhuma dúvida ocorre sobre a autenticidade das decisões deles constantes, nos termos e para os efeitos no nº 2 do artigo 365º do CC, nem quanto à competência da autoridade eclesiástica pontifícia para proferir a decisão revidenda, tendo em conta o disposto no artigo 1625º do CC e no cânone 1698 do Código Canónico.
É certo que a dispensa em referência foi concedida com a exigência condicionante em relação à admissão de celebração de novo matrimónio transcrita no ponto 1.4. Só que se trata de uma exigência circunscrita ao casamento canónico, que, quanto aos seus efeitos, em nada afecta a ordem jurídica portuguesa no domínio dos institutos do casamento civil.
Dos documentos juntos resulta ainda que foram observados entre as partes os princípios da igualdade e do contraditório.
Em suma, consideram-se verificados os requisitos de revisão previstos nas diversas alíneas do nº 2 do citado artigo 16º do nova Concordata.
III – Decisão
Face ao exposto, julgo procedente a pretensão deduzida e decido rever e confirmar a decisão eclesiástica pontifícia que dispensou o matrimónio rato e não consumado havido entre A e B."
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – PROCESSO Nº 936/09.3YRLSB-7, 06-05-2009 -Revisão e confirmação de decisão eclesiástica pontifícia de dispensa de casamento católico rato e não consumado
"1. O artigo 16º da nova Concordata outorgada, em 2004, entre a República Portuguesa e a Santa Sé revogou o regime do mero exequatur das decisões proferidas pelos Tribunais Eclesiásticos, que relevava da cláusula XXV da anterior Concordata de 1940 e do disposto nos artigos 1626º do CC e 56º, nº 1, alínea g), da Lei nº 3/99, de 13-1, pelo que tais decisões estão agora sujeitas ao regime da revisão e confirmação das sentenças estrangeiras, nos termos previstos no citado artigo 16º.
2. O facto de a dispensa do matrimónio rato e não consumado ficar condicionado, em sede do casamento canónico, a exigências para a admissão de novas núpcias não afecta, nos seus efeitos, a ordem jurídica portuguesa relativamente aos institutos do casamento civil.
I – Relatório
A veio requerer contra B a revisão e confirmação da decisão eclesiástica pontifícia que concedeu a dispensa do matrimónio rato e não consumado havido entre ambos.
Regularmente citada, a requerida não contestou.
Foram produzidas alegações pelo requerente e o MP emitiu parecer favorável à revisão e confirmação pretendidas.
II - Condições de decisão sumária
A simplicidade da causa consente que se profira decisão sumária liminar, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 700º, nº 1, alínea c), 705º e 1099º, nº 2, do CPC, na redacção dada pelo Dec.Lei nº 303/2007, de 24-8, sendo que não ocorrem excepções dilatórias, nulidades processuais nem questões prévias que obstem ao pronunciamento sobre o pedido de revisão.
III – Fundamentação
1. Factos assentes:
Está provado que:
1.1. A e B contraíram, reciprocamente, casamento católico, em dia 20 de Outubro de 2002, na Igreja Paroquial de .., no município , o qual se encontra registado através do assento de casamento nº .., de 22 de Outubro de 2002, lavrado na Conservatória do Registo Civil de … - conforme doc, de fls. 5;
1.2. Em 7 de Maio de 2003, o ora requerente instaurou contra a requerida, junto do Tribunal Eclesiástico da Diocese de … um processo canónico com vista à declaração da nulidade do casamento, que correu termos sob o nº …, no âmbito do qual acabou por ser decretada “a dúvida muito provável” de que o matrimónio em causa não fora consumado, bem como a suspensão da referida causa, conforme Decreto do Reverendíssimo Bispo de .., de 30 de Abril de 2007 - doc. de fls. a 13;
1.3. A parte então demandada, e ora requerida, não se opôs ao pedido da respectiva dispensa matrimonial - doc. fls. 12;
1.4. Concluído o sobredito processo, foram os respectivos autos apresentados à Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, cujos Reverendos Padres Consultores, constituídos por mandato de Sua Santidade O Papa Bento XVI, deliberaram a favor da concessão da dispensa do matrimónio realizado e não consumado, havido entre requerente e requerida, mas com a exigência de o Bispo respectivo não autorizar as partes a serem admitidas a novas núpcias sem antes, com a ajuda de um médico perito em psicologia, ter um atestado de que estão aptas psiquicamente para exercerem perfeitamente as suas obrigações conjugais - doc. fls. 14-16;
1.5. Por fim, no dia 7 de Fevereiro de 2008, Sua Santidade O Papa Bento XVI concedeu a dispensa do matrimónio realizado e não consumado havido entre A e B – doc. de fls. 14-16.
2. O direito
À decisão eclesiástica pontifícia revidenda aplica-se o regime constante da nova Concordata outorgada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, a qual foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 74/2004, de 30/9, publicada no D.R. nº 269, I-A, de 16 de Novembro de 2004, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 80/2004, de 3 de Novembro, tendo sido tornada pública como data da troca dos instrumentos de ratificação entre os Estados outorgantes o dia 18 de Dezembro de 2004, através do aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros nº 23/2005, de 7 de Janeiro, publicado no D.R. nº 18, 26/1/2005.
O artigo 16º da nova Concordata dispõe o seguinte: 1 – As decisões relativas à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado pelas autoridades eclesiásticas competentes, verificados pelo órgão eclesiástico de controlo superior, produzem efeitos civis, a requerimento de qualquer das partes, após revisão e confirmação, nos termos do direito português, pelo competente tribunal do Estado. 2 – Para o efeito, o tribunal competente verifica: a) - Se são autênticas; b) - Se dimanam do tribunal competente; c) - Se foram respeitados os princípios do contraditório e da igualdade; d) - Se nos resultados não ofendem os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
Assim, o transcrito artigo 16º veio revogar o anterior regime do mero exequatur das decisões dos tribunais eclesiásticos, que relevava da cláusula XXV da anterior Concordata, de 1940, e que decorria do disposto no nº 2 do artigo 1626º do CC e da alínea g) do nº 1 do artigo 56º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, passando agora aquelas decisões a estar sujeitas ao regime geral de revisão e confirmação de sentença estrangeira, com o que se pretendeu salvaguardar o princípio do Estado laico, proclamado no nº 4 do artigo 41º da Constituição da República, de modo a não privilegiar qualquer igreja ou outra comunidade religiosa[1].
Ora, da análise dos documentos juntos nenhuma dúvida ocorre sobre a autenticidade das decisões deles constantes, nos termos e para os efeitos no nº 2 do artigo 365º do CC, nem quanto à competência da autoridade eclesiástica pontifícia para proferir a decisão revidenda, tendo em conta o disposto no artigo 1625º do CC e no cânone 1698 do Código Canónico.
É certo que a dispensa em referência foi concedida com a exigência condicionante em relação à admissão de celebração de novo matrimónio transcrita no ponto 1.4. Só que se trata de uma exigência circunscrita ao casamento canónico, que, quanto aos seus efeitos, em nada afecta a ordem jurídica portuguesa no domínio dos institutos do casamento civil.
Dos documentos juntos resulta ainda que foram observados entre as partes os princípios da igualdade e do contraditório.
Em suma, consideram-se verificados os requisitos de revisão previstos nas diversas alíneas do nº 2 do citado artigo 16º do nova Concordata.
III – Decisão
Face ao exposto, julgo procedente a pretensão deduzida e decido rever e confirmar a decisão eclesiástica pontifícia que dispensou o matrimónio rato e não consumado havido entre A e B."