quinta-feira, 1 de julho de 2010

Presidência da UE pela Espanha: um teste ou uma caminhada?


Os seis meses passados à frente da União Europeia terão sido uma dura prova para o Governo espanhol. A crise económica, o início da entrada em vigor do Tratado de Lisboa e a falta de visão estratégica da UE dificultaram a sua ação. Uma situação que revela a fragilidade do sistema de presidência rotativa. É a opinião de José Ignacio Torreblanca, expressa no Presseurope.
Acabou ontem a presidência espanhola da União Europeia, e é inevitável que se tente fazer um balanço desta. Inevitável não quer dizer fácil. Primeiro porque ainda é cedo para se avaliar o impacto das principais medidas adotadas durante o semestre. Segundo, porque não há qualquer precedente de uma presidência como a que Espanha assumiu.
Quanto às medidas, a mais importante é sem dúvida a que diz respeito ao novo papel do Banco Central Europeu, que, na sequência das decisões aprovadas no mês passado, foi reorganizado num sentido que aponta finalmente para a emergência de algo semelhante a um governo económico europeu. Ainda não é apurável se se trata de uma mudança conjuntural ou estrutural: se, quando as águas da atual crise financeira refluírem, a coligação rigorista liderada pela Alemanha irá insistir em (e conseguir) que o BCE volte a preocupar-se exclusivamente com a inflação. Em todo o caso, conforme demonstra a reunião do G20, a luta pela regulamentação dos mercados financeiros está longe de ter terminado (e talvez nunca venha a estar, já que se trata de um processo por natureza tão incerto como difícil).
A outra medida decisiva pelo seu impacto a longo prazo é a aprovação do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), que envolve uma mudança total das regras do jogo sobre a forma de conduzir a política externa europeia e quanto aos protagonistas dessa política. Até agora, a tendência era os Estados-membros, o Conselho e a Comissão travarem guerras cada um por seu lado; a partir de agora, a integração entre os três será muito estreita (pelo menos em teoria). Certo é que os Ministérios dos Negócios Estrangeiros nacionais terão de repensar cuidadosamente o seu futuro papel e posicionamento, para se tornarem complementares e evitarem sobreposições no quadro da nascente diplomacia europeia. É um facto que o SEAE ainda é um cabo de aço muito fino sobre o qual será preciso fazer equilíbrio para se chegar a uma verdadeira política externa europeia – mas os riscos valerão a pena. No fim de contas, um dos motivos por que foi feito o Tratado de Lisboa foi para reprogramar a União Europeia em relação ao exterior.
E como será, no futuro?
No que se refere à presidência espanhola em si, e relativamente às expectativas iniciais, que eram sem dúvida excessivamente ambiciosas, a verdade é que as circunstâncias a transformaram num exercício muito mais moderado do que o inicialmente previsto. Como país, a Espanha sofreu uma nítida deterioração da sua imagem no estrangeiro, o que a obrigou a estar constantemente na defensiva. No que respeita ao Governo em si, a sua capacidade de iniciativa política foi limitada pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa, cujas primeiras vítimas são o primeiro-ministro [José Luis Zapatero] e o ministro dos Negócios Estrangeiros [Miguel Angel Moratinos]. Essa margem de manobra foi ainda mais reduzida nos assuntos chave que dominaram o semestre: a gestão da crise económica e a política externa.
Nesta última área, a Espanha pagou o preço da desorientação estratégica da União Europeia: apesar do sucesso da cimeira com a América Latina (17 de maio), o cancelamento das cimeiras com os Estados Unidos (prevista para o fim de maio) e com o Mediterrâneo (prevista para 7 de junho e adiada para novembro) mostra claramente que o sistema de relações externas baseado no regresso às cimeiras sem conteúdo e sem outro objetivo que não seja a realização da própria cimeira não tem nenhum futuro. E, como deixaram patente o Brasil e a Turquia, com a sua insólita decisão de, primeiro, negociar por sua conta com o Irão e, depois, de votar contra as sanções ao Irão, a UE parece ter deixado passar em claro que a verdadeira política externa se desenrola fora das cimeiras e não no decurso delas.
Colocando o impacto da entrada em vigor do Tratado de Lisboa em termos desportivos, a Espanha preparou-se para jogar futebol mas, no último minuto, foi informada de que teria de jogar basquetebol. Dito isto, e com exceção do rumo errático adotado quanto à questão de se haveria ou não sanções para os Estados-membros que não cumpriram os objetivos fixados na nova agenda de crescimento 2020, a presidência espanhola enfrentou razoavelmente bem a tempestade, em especial se tivermos em conta o contexto bastante adverso. É interessante pensar o que irá acontecer a partir de agora, quando, com um [novo] Governo em funções [na melhor das hipóteses em setembro], a Bélgica assumir o que resta das presidências rotativas. Por conseguinte, não se trata de dizer adeus à presidência espanhola mas de dizer adeus definitivamente às presidências rotativas. Ironia final: o que a presidência espanhola tem de verdadeiramente histórico é o facto, de com ela, as presidências rotativas passarem à História.