quinta-feira, 15 de julho de 2010

RECUPERAR A FÉ, RECUPERAR A ESPERANÇA, DEVOLVER ABRIL

“Quando, na cúpula do Estado, se toca violino, como não esperar ver dançar os que estão em baixo?” Karl Marx, Dezoito Brumário de Louis Bonaparte
O País atravessa uma grave crise, que, sabendo-se social, económica, financeira e política, também se diria existencial. Os clãs partidários confundem os seus adeptos uniformizando de tal forma os discursos, sobretudo em matéria de saúde e de educação, que facilmente um filiado no PP se revê num ideal planfetário do BE. Por outro lado, o abismo cresce entre a classe dirigente e os cidadãos, desencadeando uma crise latente de legitimidade do sistema político. Parece que uns e outros falam de vários países, tal é a distância entre as realidades que retratam. O único modelo verdadeiramente capaz de aproximar as populações do Estado é o da democracia participativa, mas, a espontânea vontade de reconstituir o “laço social” tende a ser ultrapassada pela realidade dos conflitos sociais. Das grandes urbes aos pequenos lugarejos, as acções participativas, sobretudo as locais, são abandonadas pelos jovens e pelas populações em situação mais precária, e são mais monopolizadas pela classe média, pouco representativa do conjunto da população. Os dispositivos participativos locais ou regionais mostraram-se ineficazes para influenciar a modernização das políticas públicas e a participação, mesmo quando a há, raramente constitui uma dinâmica que questiona as relações de poder. Reduz-se a minorizar os conflitos sociais em vez de construir novos espaços de expressão.
Um desenvolvimento territorial integrado e sustentável exige uma democracia participativa e essa apenas pode ser reforçada com a participação de uma sociedade civil organizada, activando os canais de diálogos e de controlo social junto da máquina governativa. Esta forma política inovadora de governabilidade exige que se capacitem lideranças sociais e políticas, altos funcionários e dirigentes, enfim, que todos se eduquem para o exercício do poder. A sociedade portuguesa foi sendo, ao longo da história, caracterizada como uma estrutura autoritária de poder, em que os governantes agilizaram formas de bloquear a participação e a criação de direitos de cidadania, designadamente, os de intervenção e de participação activa. Por isso, não existe, nas novas gerações, tradição de exercício de cidadania. Depois de apagada a chama de Abril, a juventude deu por adquirida a Democracia, contentando-se com a forma, pior ou melhor, como esta vem sendo exercitada, e abnegou-se a um silêncio redutor. Perdemos todos, perdem eles e perderão os filhos deles. É uma perda inter e suprageracional. Há pois que arregaçar as mangas, pôr as mãos no lume e alterar a nossa (de todos) relação com o poder. Implementar um programa de educação para o exercício do poder que permita criar as bases para uma nova governabilidade.
Instalou-se em Portugal uma forma de poder burocrático que emperra o funcionamento da máquina estatal, num circuito vicioso em que se instalam sucessivas e quase hereditárias (pelo menos selectivas, quem escolhe quem para suceder a quem é o de cujus), criando uma forma de poder profundamente hierarquizado, com uma cadeia de comando governamentalizada e controlada. Quem está acima detém os conhecimentos, priva os subordinados dos mesmos e torna-se imprescindível. Ou tenta. Os subalternos, sem conhecimentos, e com receio de “pôr o pé em rama verde”, não inovam e não arriscam qualquer rasgo de criatividade. Foram contratados para obedecer às ordens dos escalões superiores, para as executar e não para “pensar”. Assim se caracterizou o poder dos dirigentes e dos altos funcionários públicos, na lógica de que quem detém o saber, detém o poder.
O poder acabou por ser praticado como uma forma de tutela e de favor, sem mediações políticas e sociais, criando-se assim uma relação clientelista. O uso abusivo da máquina pública foi levando paulatinamente à falência este nosso país à beira-mar plantado. O desafio é restaurar um verdadeiro Estado democrático e cidadão compatível com o modo de desenvolvimento territorial integrado com sustentabilidade ambiental, social, política, cultural, e económica. E esse modo inovador de desenvolvimento, numa visão integrada da realidade, exige uma séria mudança de atitude, uma mudança no modo de fazer política.
Tem de caber aos que ainda estão em tempo de politizar as suas atitudes – e todos o estamos – e, mais ainda, às novas gerações - , restaurar, pela intervenção local ou regional, até à nacional e, porque não?, à europeia, o espírito democrático, a massa crítica e livre de cidadão, redescobrir formas de participar e abandonar o laxismo e o silêncio. É tempo de recuperar Abril, o voo da gaivota, a sombra da azinheira, a muralha de aço, que é pertença da herança deste povo grandioso.
Recuso-me a perder a fé e a esperança na Democracia, porque sou uma Democrata e uma mulher livre. “A fé é uma esperança terrorista como a esperança é uma fé democrática. A fé é um acto solitário. A esperança tem de ter em conta o que a excede. Mas na primeira está a certeza e na outra a dúvida”. Virgilio Ferreira