quinta-feira, 8 de julho de 2010

Bruxelas precisa de si até aos 70 anos



Num livro verde sobre as reformas, a Comissão Europeia recomenda estabelecer a idade de passagem à reforma em função da evolução demográfica, de forma automática se necessário. Esta ideia não convence a imprensa europeia. “A Europa quer reformas aos 70 anos”, anuncia o DN na 1ª página. A 7 de julho, a Comissão Europeia apresentou um livro verde com recomendações pormenorizadas aos Estados sobre a questão do financiamento das reformas. “O executivo europeu preconiza um ‘aumento da idade em que os cidadãos cessam de trabalhar e recebem uma pensão', a fim de evitar a falência do sistema atual”, explica Le Figaro. Citado pelo diário parisiense, o comissário europeu para o Emprego, Laszlo Andor, explica que os seus serviços “apelam aos Estados no sentido de promoverem uma vida ativa mais longa. ‘Devem preparar muito a montante o ajustamento dos seus sistemas de reforma à demografia’.”
Dentro de 50 anos, haverá apenas duas pessoas em idade de trabalhar para financiar a reforma de uma pessoa com mais de 65 anos, recorda o diretor-adjunto de El Periódico de Catalunya, Juancho Dumall. Neste sentido, “a crise estrutural aliou-se à crise económica”. Nestas circunstâncias, escreve, “a social-democracia deveria criar um plano mais animador”, porque “não tem sentido económico os trabalhadores entrarem mais tarde na reforma, quando os jovens têm dificuldade em entrar no mercado de trabalho”. Observando a situação espanhola, em que o número de diplomados sem emprego duplicou em dois anos, Juancho Dumall recorda que “o direito a uma reforma decente é um dos pilares do Estado-providência que tão dificilmente construímos. Seria doloroso que isso nos conduzisse a uma proletarização e à perda dos direitos sociais”.
Ao apresentar as suas recomendações, “o executivo europeu meteu-se por terreno minado”, nota Le Figaro. Porque “as reformas fazem parte das competências nacionais, em que a União Europeia não se deve supostamente misturar, apesar de envolverem questões de mercado interno e de não discriminação no trabalho”. Mas Bruxelas parece ter encontrado uma forma de intervir na questão, ao colocar estas perguntas no documento: “Necessitaremos de introduzir nos sistemas de reforma mecanismos de ajustamento automático à evolução demográfica, para equilibrar o tempo passado a trabalhar e o tempo passado na reforma? Que papel poderia a UE desempenhar nesta matéria?”
“Aumentar a idade de entrada na reforma e reduzir as pensões são provavelmente as medidas mais impopulares que um governo europeu moderno pode tomar para estabilizar as suas finanças públicas”, reage Tony Barber no seu blogue no site de Internet do Financial Times. “Daí que os responsáveis políticos da União Europeia se interessem cada vez mais pela ‘despolitização’ da questão, introduzindo nos sistemas de reformas modificações automáticas que não fiquem sujeitas a lutas políticas infinitas e acrimoniosas.” No entanto, previne o jornalista, “não há alternativa para as soluções encontradas na livre discussão política e, em certas alturas, no conflito. As soluções serão provavelmente temporárias e exigirão esforços. Mas é o preço a pagar para viver numa sociedade aberta. Não se pode despolitizar tudo”.